Acórdão Nº 5023463-81.2021.8.24.0008 do Quinta Câmara Criminal, 17-02-2022

Número do processo5023463-81.2021.8.24.0008
Data17 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5023463-81.2021.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: GUILHERME VARGAS (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Blumenau, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra GUILHERME VARGAS, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, porque, conforme narra a exordial acusatória (ev. 1 dos autos originários):

"No dia 8 de julho de 2021, por volta das 18h05min, na Rua Hermann Paupitz, n. 44, bairro Passo Manso, nesta cidade e comarca de Blumenau/SC, o denunciado GUILHERME VARGAS mantinha em depósito, drogas ilícitas (maconha) para fins de comércio.

Por ocasião dos fatos, a guarnição composta pelos policiais militares Antonio Carlos Galon e Rodrigo da Silva Valente realizava rondas pela Rua Bahia, quando foram abordados por pessoa que não quis se identificar, moradora da Rua Hermann Paupitz, que denunciou a prática de tráfico de drogas na residência localizada n.44 daquela rua.

Nesse contexto, diante da denúncia de que algo de ilícito sucedia, os policiais se dirigiram à residência onde visualizaram o denunciado GUILHERME no interior da residência. Ao perceber a presença dos policiais, GUILHERME tentou empreender fuga, sendo interceptado pelos policiais, que procederam à abordagem do denunciado ainda nas dependências do imóvel localizado na Rua Hermann Paupitz, n. 44, bairro Passo Manso, nesta cidade e comarca de Blumenau/SC.

Realizada a busca no imóvel, foram encontrados e apreendidos, em cima da cama de GUILHERME, (I) 4850 (quatro mil, oitocentos e cinquenta) gramas de maconha, destinadas ao comércio espúrio; além de (II) uma balança; (III) uma máquina seladora de alimentos; (IV) duas facas com resquícios de drogas; (V) papel filme para embalar as drogas; (VI) um telefone celular Samsung A21S com número (47) 9158-0783; (VII) R$ 500,00 (quinhentos reais) em espécie, sem origem lícita comprovada e, pelas circunstâncias, proveniente do comércio de entorpecentes exercido pelo denunciado".

Encerrada a instrução e apresentadas as derradeiras alegações pelas partes, o magistrado a quo proferiu sentença em audiência, cujo dispositivo assim constou (ev. 81 dos autos originários):

"Em razão do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia do Ev. retro para CONDENAR Guilherme Vargas nascido em 12/01/1996, filho de Fabiana do Nascimento Vargas, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 5 anos de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 500 dias-multa, no mínimo legal, dando-o como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

Condeno-o ainda ao pagamento das custas processuais (art. 804 do CPP), suspensas por força da gratuidade que ora defiro.

Nego à parte ré o direito de recorrer em liberdade, porquanto se encontram preenchidos os requisitos da custódia preventiva outrora decretada, a qual acolho como razão de decidir os fundamentos lá lançados, evitando repeti-los para não incorrer em tautologia. Registro que o réu respondeu preso ao presente processo, foi condenado à pena elevada e estava na posse de elevada quantidade de droga, denotando a gravidade concreta da conduta. Assim, tudo a denotar que sua segregação é indispensável para frear a reiteração da conduta delitiva dada a habitualidade da conduta ora exercida, resguardando a ordem pública.

Deixo de fixar reparação de danos (CPP, art. 387), na ausência de colheita de elementos para quantificação de valor (extensão do prejuízo).

Determino a destruição da droga apreendida, porque proscrita em território nacional, caso ainda não o feito.

Determino o perdimento dos apetrechos (balança, seladora, facas e papel), porquanto relacionados diretamente com a prática criminosa. Autorizo a doação a entidade beneficente da balança e seladora. Não havendo interesse, juntamente com os demais objetos, elimine-se.

Determino o perdimento e destruição do celular apreendido, porquanto não comprovada sua aquisição por meio de recursos lícitos, tratando-se de proveito do crime.

Decreto o perdimento do dinheiro apreendido, uma vez que oriundo da prática de crime. Destina-se à Funad.

Registro que, conforme constou da gravação audiovisual, o Ministério Público ao pleitear o reconhecimento do tráfico privilegiado, manifestou-se expressamente que ao caso não é cabível o acordo de não persecução penal, entendimento que encontra plena legalidade pelos fundamentos que lançou, da qual são acolhidos como razão de decidir, deixando de transcrevê-los para evitar tautologia".

Inconformado, o réu, através de advogado constituído, interpôs recurso de apelação. Em suas razões, requereu, preliminarmente, a nulidade das provas indiciárias obtidas, porquanto teria havido invasão de domicílio. No mérito, postulou a absolvição frente a inexistência de provas suficientes para uma condenação e invocou o princípio in dubio pro reo. Subsidiariamente, pugnou pela reforma da dosimetria, com a fixação da pena-base no mínimo legal, bem como mediante a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06 e aplicação da atenuante da confissão espontânea, ainda que conduza a pena aquém ao mínimo legal. Ainda, pugnou pela redução da multa imposta, a alteração do regime prisional para o semiaberto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, bem como a concessão do direito de recorrer em liberdade (ev. 102 dos autos originários).

Em contrarrazões, o Ministério Público se manifestou pela manutenção incólume da sentença (ev. 106 dos autos originários).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire que opinou pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, pelo não provimento do apelo deduzido (evento 9).

Este é o relatório que submeto à apreciação do i. Revisor.

Documento eletrônico assinado por LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1803805v14 e do código CRC 97630b89.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZAData e Hora: 26/1/2022, às 13:36:7





Apelação Criminal Nº 5023463-81.2021.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: GUILHERME VARGAS (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Em atenção ao princípio tantum devolutum quantum apellatum, passa-se à análise das insurgências deduzidas.

1. De início, necessário esclarecer que o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, é composto por dezoito verbos e a prática de qualquer um destes configura o ilícito penal (Renato Brasileiro de Lima, Legislação Criminal Especial Comentada. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 739).

Assim, o agente que guarda e mantém em depósito, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, entorpecente visando a narcotraficância incorre nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

A prática do crime em comento, conforme pode se aferir inclusive dos verbos descritos no tipo penal, qualifica-se como crime permanente, uma vez que a consumação do ilícito se protrai no tempo, persistindo o estado de flagrância, sendo "prescindível o mandado de busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida" (HC 423.893/MG, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, j. em 15/03/2018).

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE DELITO. BUSCA E APREENSÃO SEM MANDADO JUDICIAL. CRIME PERMANENTE. FUNDADAS RAZÕES. LEGALIDADE DA MEDIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. [...] 1. A jurisprudência pacífica deste Tribunal é firme de que, sendo o crime de tráfico de drogas, nas modalidades guardar e ter em depósito, de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja a consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo fazer cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal. Precedentes. 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse mesmo sentido, com o alerta de que, para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito (RE 603.616/RO, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe 10/5/2016) [...] (AgRg no REsp 1683312/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/11/2017, j. 22/11/2017).

Não é, porém, apenas a condição de crime permanente apta a autorizar tal entendimento, devendo ser demonstrada, também, a justa causa para a ação policial.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 603.616, em repercussão geral, fixou a tese de que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticado".

Esta Quinta Câmara Criminal, no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 5008233-23.2021.8.24.0000, de relatoria do Exmo. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga, deliberou:

"A confirmação do crime não excepciona a regra de que a violação do domicílio deve estar motivada em fundadas suspeitas, as quais configuram pressupostos da legalidade do flagrante, em casos dessa natureza".

No caso em tela, conforme elucidado pelos policiais que realizaram a abordagem do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT