Acórdão Nº 5023575-68.2022.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 01-09-2022

Número do processo5023575-68.2022.8.24.0023
Data01 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5023575-68.2022.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO

AGRAVANTE: DAVID GONCALVES PEREIRA (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo apenado David Gonçalves Pereira, por intermédio da Defensoria Pública do Estado, inconformado com a decisão proferida pela MMa. Juíza da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital, que, nos autos da Execução de Pena de Multa n. 5020827-97.2021.8.24.0023, rejeitou a exceção de pré-executividade por ele apresentada (Evento 50 dos autos da execução da pena de multa).

Nas razões de insurgência, o agravante pleiteia, de início, a devolução do valor expropriado nos autos até o julgamento do presente recurso, visando evitar alegados prejuízos de difícil ou incerta reparação. No mérito, sustenta a ilegitimidade superveniente do Ministério Público para a execução da pena de multa, em virtude da preclusão temporal. Alega, ainda, a inconstitucionalidade da pena de multa do crime de tráfico de drogas, em razão de sua evidente desproporcionalidade e das condições econômicas do agravante. Também defende a inexigibilidade do título, em decorrência do seu valor, que não justificaria a cobrança da dívida ativa, bem como por violação ao princípio da igualdade material, em razão da situação fática de hipossuficiência do executado. Por fim, alega a impenhorabilidade do montante constrito judicialmente (Evento 1 dos autos do agravo).

Em contrarrazões, a representante do Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 8 dos autos do agravo).

Mantida a decisão recorrida (Evento 10 dos autos do agravo), os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, opinado pelo conhecimento e não provimento do agravo (Evento 15 dos presentes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de agravo em execução penal interposto pelo apenado David Gonçalves Pereira contra a decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade por ele apresentada nos autos da execução da pena de multa à qual fora condenado.

Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido (ainda que parcialmente, conforme se verá).

Inicialmente, quanto ao pedido de liberação do montante constrito até o julgamento do presente recurso, ou seja, em caráter liminar, entendo ser inviável seu conhecimento, porquanto não há na legislação aplicável previsão legal para tal medida.

Sobre o tema, colhe-se da jurisprudência deste Sodalício:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. REGRESSÃO QUE INDEFERE ALTERAÇÃO DE DATA-BASE. RECURSO DO APENADO. 1. JUSTIÇA GRATUITA. EXECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE COBRANÇA DE CUSTAS. INTERESSE. 2. CONCESSÃO LIMINAR. MÉRITO. PREVISÃO LEGAL. 3. SOMA DE PENAS. DATA-BASE. TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA CONDENAÇÃO. DATA DA SOMA ANTERIOR. REFORMATIO IN PEJUS. 1.[...] 2. Não é admissível a concessão liminar de pretensão formulada em recurso de agravo de execução penal. 3. [...]. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (Agravo de Execução Penal n. 0010453-53.2016.8.24.0033, de Itajaí, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Rizelo, j. em 22/11/2016). (Grifo não original).

PROCESSO PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. ARTIGO 197 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO DE ORIGEM QUE NEGOU A REALIZAÇÃO DO TRABALHO EXTERNO. INSURGÊNCIA DA DEFESA. LIMINAR. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE TAL MODALIDADE EM SEDE DE AGRAVO EM EXECUÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. CHEFIA DE SEGURANÇA QUE NOTICIA O ENVOLVIMENTO DO REEDUCANDO COM FACÇÃO CRIMINOSA. AGENTE QUE NÃO ALCANÇA O REQUISITO SUBJETIVO APONTADO PELA LEI. PARTICULARIDADES DO CASO QUE DEMONSTRAM A IMPOSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DO LABOR EXTRAMUROS. PENITENCIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS QUE PODE PREENCHER O TEMPO OCIOSO DO REEDUCANDO QUANDO ENCLAUSURADO E AINDA COMPENSAR COM A INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. DECISÃO QUE NÃO APRESENTA NENHUM DESACERTO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (Agravo de Execução Penal n. 5045561-78.2022.8.24.0023, da Capital, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, j. em 10/05/2022). (Grifo não original).

Ademais, diante da análise do mérito do recurso no presente acórdão, resta prejudicado o pedido liminar.

Pois bem.

Passando ao mérito recursal, antecipo que a pretensão recursal não comporta acolhimento.

Antes de proceder-se ao enfrentamento das teses suscitadas nas razões do recurso, cumpre realizar breve análise acerca das características da pena de multa, para melhor compreender o regramento a ela aplicável.

A natureza da sanção de multa, prevista no preceito secundário de alguns tipos penais, tem sido, de fato, objeto de constantes discussões na doutrina e na jurisprudência.

No entendimento mais recente (iniciado com a publicação da Lei n. 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal), ficou assentado o seu caráter pecuniário, de dívida de valor.

Eis a redação do citado dispositivo legal à época:

Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Porém, a citada previsão acabou por gerar dúvidas acerca do caráter penal da multa e das possíveis consequências do inadimplemento na extinção da punibilidade dos condenados, o que deu origem a diferentes conclusões na jurisprudência.

O tema, então, foi submetido à apreciação da Suprema Corte, a qual, no julgamento da ADI n. 3.150/DF, firmou o entendimento relativo à natureza de sanção penal da multa e à legitimação prioritária do Ministério Público para a sua execução, cabendo à Fazenda Pública a legitimação subsidiária. O acórdão restou assim ementado:

EXECUÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão "aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição", não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. (ADI n. 3.150/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, j. em 13/12/2018, DJe 06/08/2019).

A partir do referido julgamento (proferido em ação direta de inconstitucionalidade e, portanto, com eficácia vinculante), a legislação relativa à matéria foi readequada, de forma a garantir conformidade com o citado entendimento jurisprudencial.

Foi assim que, com o advento da Lei n. 13.964/19, o art. 51 do Código Penal passou a ter nova redação, ao estabelecer que "Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição" (grifou-se).

Mais recentemente, também o Superior Tribunal de Justiça revisou a tese anteriormente firmada pela Terceira Seção no julgamento do REsp n. 1.519.777/SP (acórdão publicado no DJe de 10/09/2015), no qual havia se assentado, na época, que "[...] Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade" - afastando-se, portanto, o caráter de sanção penal da multa.

Diante das novas discussões, a mencionada tese foi submetida à revisão, nos REsps nºs. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, representativos do Tema 931, (acórdãos publicados no DJe de 02/12/2020), passando também o Superior Tribunal de Justiça a entender que "[...] na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento...

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