Acórdão Nº 5023790-18.2022.8.24.0064 do Quinta Câmara Criminal, 15-12-2022

Número do processo5023790-18.2022.8.24.0064
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5023790-18.2022.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

RECORRENTE: MAURICIO VIEIRA (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Mauricio Vieira, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, conforme o seguinte fato narrado na inicial acusatória (autos da Ação Penal - AP, doc. 104):

No dia 22 de março de 2014, por volta das 13:00h, com manifesto animus necandi, Maurício Vieira dirigiu-se à casa de sua ex-namorada Juliana Regina Figueiredo, situada na Rua Reinaldo Ferreira de Souza, n.º 345, bairro Forquilhas, nesta cidade, ocasião em que, munido de um pedaço de madeira, desferiu diversos golpes contra a cabeça de Félix Vitoriano de Lima, provocandolhe traumatismo craniano, causa eficiente de sua morte, conforme descrito no laudo pericial cadavérico de fls. 97/101.

O denunciado, ao investir contra o ofendido de forma súbita e inesperada, surpreendendo-o no momento em que confraternizava com uma amiga e atingindo-o na cabeça, utilizou-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Recebida a denúncia (autos da AP, doc. 105), citado o réu por edital (autos da AP, docs. 136-138) e decorrido o prazo sem apresentação de resposta à acusação (autos da AP, doc. 139), foi determinada a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional (autos da AP, doc. 140).

Na decisão do doc. 171 dos autos da AP, "Considerando que o acusado possui defensora constituída (fl. 76) e estava comparecendo mensalmente para cumprir a medida cautelar de comparecimento em juízo", houve a revogação da suspensão.

Devidamente citado (autos da AP, doc. 173), o acusado apresentou resposta à acusação (autos da AP, doc. 175).

Na decisão do doc. 313 dos autos da AP, foi decretada a revelia do réu.

Processado o feito, sobreveio decisão que admitiu a acusação e pronunciou "o réu MAURÍCIO VIEIRA, já qualificado, a fim de ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções previstas no artigo 121, §2º, inciso IV, do Código Penal (homicídio qualificado pelo recurso que impossibilitou a defesa da vítima, consubstanciado no fato de que o réu surpreendeu o ofendido com um pedaço de madeira, cujos golpes foram causa eficiente de sua morte)" (autos da AP, doc. 341).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs recurso em sentido estrito.

Em suas razões (autos da AP, doc. 342), almejou ser absolvido com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal e, subsidiariamente, não ser submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença, pois o princípio do in dubio pro societate não deve reger a decisão de pronúncia, sobretudo porque deve preponderar o primado do in dubio pro reo, sendo que os elementos indiciários de autoria são deveras frágeis, uma vez que baseados unicamente nos testemunhos indiretos e contraditórios dos policiais militares, inexistindo oitiva judicial da testemunha presencial (fls. 3-4, 9 e 16).

Ainda, alegou que a decisão de pronúncia deve respeitar a regra do art. 155 do Código de Processo Penal, não podendo estar calcada apenas em provas produzidas na seara policial (fls. 10-11).

No mais, de maneira secundária, pretendeu a exclusão da qualificadora do inc IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, porquanto, além de descabida e manifestamente improcedente, a manutenção operada em primeiro grau encontra-se desprovida de fundamentação (fls. 13-15).

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (autos da AP, doc. 345).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Coró Bedinoto, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (doc. 3).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso, como se verá, merece ser parcialmente conhecido.

1. Do pedido de absolvição com base no art. 386 do Código de Processo Penal

O pronunciado requereu a absolvição com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal.

Dispõe o aludido artigo do Diploma Repressivo:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

VII - não existir prova suficiente para a condenação.

No entanto, nesta fase processual, concernente ao encerramento da primeira etapa do rito do júri, apenas se mostra cabível a pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação.

Nessa senda, são as decisões deste Sodalício:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIOS DUPLAMENTE QUALIFICADOS POR MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA CONSUMADO E TENTADO (ART. 121, § 2º, II E IV, E ART. 121, § 2º, II E IV, C/C ART. 14, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL). DECISÃO DE PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PLEITO PELA IMPRONÚNCIA OU ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. NÃO CABIMENTO. DECISÃO DE PRONÚNCIA QUE CONSTITUI MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DEVIDAMENTE PREENCHIDOS. EVENTO DELITUOSO ENVOLVENDO MEMBROS DE FACÇÕES CRIMINOSAS ATUANTES EM JOINVILLE. MATERIALIDADE INCONTESTE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA TRAZIDOS PELO CONJUNTO DE PROVAS. RELATO JUDICIAL DE TESTEMUNHA QUE ENCONTRA REFLEXO NA NARRATIVA DOS POLICIAIS COLHIDA SOB O CONTRADITÓRIO E RELATÓRIO DE EXTRAÇÃO FÍSICA DO TELEFONE CELULAR DO ACUSADO. EXISTÊNCIA, NOS AUTOS, DE DUAS VERSÕES PARA O OCORRIDO. DÚVIDA A SER DIRIMIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. DECISÃO MANTIDA. PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS NA FORMA DO ART. 386, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL INCABÍVEL NESSE MOMENTO PROCESSUAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 5018679-05.2020.8.24.0038, rel. Leopoldo Augusto Brüggemann, Terceira Câmara Criminal, j. 23-02-2021, grifei).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTS. 121, § 2º, INCS. I E IV C/C 14, INC. II, AMBOS DO CP) - DECISÃO DE PRONÚNCIA - INCONFORMISMO DA DEFESA - CONHECIMENTO PARCIAL DO RECLAMO - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA COM BASE NA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA PRESENTES NO CONJUNTO PROBATÓRIO - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS ROBUSTOS A CORROBORAR A ALMEJADA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - DECISUM HOSTILIZADO MANTIDO 1. "'Finda a formação da culpa em processo instaurado para apurar a responsabilidade penal por crime doloso contra a vida, não pode o Magistrado absolver o réu daquela imputação com base no art. 386, do CPP, pois o momento processual, conforme rito próprio, impõe-se-lhe exarar decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificatória.' (APR n. 27.691, de Campo Erê, rel. Des. Ernani Ribeiro)" (Apelação criminal n. 2005.023222-4, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 13.9.05) 2. "Nos termos do art. 413 do CPP, a pronúncia, por se tratar de decisão de índole meramente declaratória, na qual se constatará apenas a admissibilidade da acusação em crimes dolosos contra a vida, precede apenas da prova da materialidade (existência do crime) e indícios de autoria, o que se faz mediante uma análise ponderada do conjunto probatório. No caso de exsurgirem dúvidas a respeito da autoria da conduta dos réus e da existência de uma das causas excludentes de ilicitude, ou seja, a legítima defesa, justifica-se a prolação da pronúncia a fim de que o conselho de sentença, juiz natural da causa, dirima a controvérsia, prevalecendo-se, nesta etapa processual, o princípio do in dubio pro societate." (Recurso Criminal n. 2010.050902-8, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 27.4.11) (TJSC, Recurso Criminal n. 2011.096737-1, da Capital, rel. Rodrigo Collaço, Quarta Câmara Criminal, j. 11-10-2012, grifei).

Assim, deixo de conhecer do pleito de absolvição.

2. Da pretensa impronúncia e do pleito subsidiário de exclusão da qualificadora

O réu, em suma, pretendeu a impronúncia diante da fragilidade dos indícios de prova da autoria delitiva, invocando a não aplicação do princípio do in dubio pro societate, e, subsidiariamente, porque descabida e manifestamente improcedente, assim como ausente fundamentação na decisão de pronúncia, almejou a exclusão da qualificadora do recurso que impossibilitou/dificultou a defesa da vítima.

Pois bem.

Ab initio, anoto que a decisão de pronúncia, segundo Guilherme de Souza Nucci:

É decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando-se a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 870).

Justamente por não se tratar de decisão que julga procedente ou improcedente a imputação da denúncia - tarefa constitucionalmente delegada ao Conselho de Sentença nos casos de crimes dolosos contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, "d", da Constituição Federal - o julgador não deve expressar juízos definitivos sobre o mérito do delito, mas apenas avaliar se há elementos de prova aptos a confortar a versão apresentada na inicial acusatória.

Tanto é verdade que Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ensinam que:

Também em virtude desse caráter restrito da pronúncia, é que se diz que o juiz deve se valer de linguagem sóbria e comedida, sem excessivo aprofundamento na análise da prova, de resto desnecessária porquanto na pronúncia - repita-se - apenas se remete o réu à Júri, cabendo ao Tribunal Popular...

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