Acórdão Nº 5023927-49.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 24-03-2022

Número do processo5023927-49.2020.8.24.0038
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5023927-49.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: ROBERTO TRIGO (ACUSADO) ADVOGADO: JOAO VICTOR BAPTISTA MAGNAVITA (OAB MG183498) ADVOGADO: RENATO DILLY CAMPOS (OAB MG166263) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de JOINVILLE em face de Roberto Trigo, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'SAGA TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA.', CNPJ n. 18.433.703/0003-30 e Inscrição Estadual n. 25.785.955-1, estabelecida na Rua Anaburgo, n. 6.708, sala 3, bloco 3, Bairro Vila Nova, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 26.039,78 (vinte e seis mil trinta e nove reais e setenta e oito centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -- ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação devalores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMES (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018, documentos geradores da Dívida Ativa n. 19044004401, inscrita em 04/07/2019. (evento 1/PG, em 10-7-2020).

Sentença: o juiz de direito Felippi Ambrosio julgou procedente a denúncia para condenar Roberto Trigo pela prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por seis vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade; e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 111/PG, em 11-11-2021).

Embargos de declaração: o Magistrado acolheu parcialmente os embargos opostos pela defesa (evento 117) para reconhecer a incidência da atenuante prevista no art. 65, I do CP. Todavia, manteve inalterada a pena, por força da Súmula 231 do STJ (evento 119/PG, em 23-11-2021).

Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público (evento 133/PG, em 14-12-2021).

Recurso de apelação de Roberto Trigo: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) o feito é nulo, ante a inépcia da denúncia, tendo em vista que não houve a individualização da conduta praticada pelo recorrente;

b) o fato de o apelante constar como sócio da empresa Saga Transportes e Logística Ltda não tem o condão de apontar que tenha envidado esforços para a consecução do crime;

c) o processo é nulo, tendo em vista a ausência de justa causa para a ação penal, já que não há evidências de que o apelante tenha concorrido para a prática da conduta delituosa;

d) há nulidade em razão de não ter sido oferecido ao apelante o acordo de não persecução penal, pois o insurgente preenche os requisitos subjetivos e objetivos para sua celebração;

e) a negativa do acordo, ainda que seja ato discricionário do órgão acusador, deveria ter sido fundamentada;

f) o processo é nulo, considerando que a sentença carece de fundamentação: quanto à materialidade do delito, pois se limitou a indicar julgados genéricos sem associá-los ao caso concreto; por não ter enfrentado todas as teses deduzidas pela defesa, especialmente a ocorrência de crime único;

g) o apelante deve ser absolvido, pois não há provas da materialidade e autoria delitivas;

h) não houve demonstração do dolo de apropriação, o que enseja a absolvição por atipicidade da conduta;

i) incide na hipótese a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista que a empresa do apelante enfrentava problemas financeiros nos meses de julho a dezembro de 2018;

j) se trata de crime único, pois não houve a prática contumaz do inadimplemento tributário;

k) a fração aplicada pela continuidade delitiva deve ser reduzida ao patamar mínimo de 1/6.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para, preliminarmente, reconhecer as nulidades suscitadas e, no mérito, reformar a sentença, de modo a absolvê-lo da conduta narrada na denúncia. Subsidiariamente, pugnou pelo reconhecimento de crime único ou a redução da fração referente à continuidade delitiva (evento 11/SG, em 3-2-2022).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) não há falar em nulidade por inépcia da denúncia, pois esta atende aos requisitos do art. 41, do CPP. Tratando-se de crime societário, é dispensável a descrição pormenorizada da conduta de cada acusado;

b) o acordo de não persecução penal não foi oferecido, tendo em vista que o recorrente já responde a outra ação penal por apropriação indébita tributária;

c) a conduta é típica porque o ICMS é imposto indireto, de modo que não é suportado pelo empresário, mas pelo consumidor do produto. Desse modo, cabia ao apelante, na condição de sujeito passivo, recolher e repassar os valores ao Fisco, o que não ocorreu;

d) as omissões no recolhimento dos tributos caracterizam comportamento reiterado, o que afasta qualquer possibilidade de absolvição por atipicidade da conduta;

e) restaram devidamente demonstradas a materialidade e a autoria delitivas, pois os documentos, além de comprovar os valores de ICMS devidos e não recolhidos, atestam que o apelante era, na época dos fatos, sócio administrador da empresa e, em nenhum momento, provou que outra pessoa teria sido a responsável pelas condutas narradas na denúncia;

f) se trata de crime continuado, tendo em vista que as condutas omissivas são da mesma natureza e foram praticadas nas mesmas condições de tempo e lugar.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 15/SG, em 4-2-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rogério A. da Luz Bertoncini opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 18/2G, em 7-2-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Roberto Trigo contra a sentença que o condenou à pena privativa de liberdade de 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por seis vezes, na forma do art. 71, caput, do CP.

Juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Das questões preliminares

Da inépcia da denúncia

A defesa sustentou a nulidade do feito, ante a inépcia da denúncia, por não ter descrito suficientemente a conduta delitiva.

O artigo 41 do Código de Processo Penal estabelece os requisitos necessários para a validade da exordial acusatória, de modo que exige a "exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

Todavia, em se tratando de crimes societários, como ocorre na espécie, admite-se o ajuizamento de denúncia na qual contenham os indícios mínimos para a propositura da ação, a exemplo do vínculo e da responsabilidade que os denunciados possuem perante a pessoa jurídica, sem haver motivos para se cogitar a inépcia da exordial.

Nesse sentido, a peça acusatória destaca a condição do apelante à frente da empresa Saga Transporte e Logística S/A. (sócio-diretor), identificado como sujeito passivo da obrigação tributária, o qual deixou de efetuar, a tempo e modo, o recolhimento de ICMS ao Estado de Santa Catarina, no período de julho a dezembro de 2018, apropriando-se, então, de valor devido ao fisco. A narrativa, como visto, demonstra, suficientemente, a presença do dolo genérico na conduta imputada.

Acrescenta-se que a denúncia menciona, também, a Dívida Ativa que materializa o débito tributário (19044004401, inscrita em 04/07/2019 - evento 1 - NOT_CRIME1, p. 4)

Sublinha-se, ainda, que uma das características da denúncia inepta é que ela não permita, em face do seu caráter genérico, o escorreito exercício do direito de defesa pelo acusado, situação que não ocorreu na ação penal em comento, considerando as manifestações da defesa durante todo o processo, o que denota que pode exercer com plenitude seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.

Desse modo, o Ministério Público pontuou suficientemente a descrição dos acontecimentos, narrando de forma clara e objetiva os fatos imputados ao acusado. Além disso, as circunstâncias de tempo, modo e local do crime foram devidamente narradas, possibilitando, o exercício dos referidos princípios constitucionais.

Como visto, não houve qualquer desrespeito à norma processual do art. 41 do Código de Processo Penal.

De outra parte, o recorrente não especificou em qual medida o conteúdo da peça inicial acarretou prejuízo à demonstração de suas teses.

Em caso muito similar, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DELITO SOCIETÁRIO. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DA RECORRENTE. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE INFRAÇÃO PENAL EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. 1. A hipótese cuida de denúncia que narra suposto delito praticado por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais. 2. Embora em um primeiro momento o elemento volitivo necessário para a configuração de uma conduta delituosa tenha sido considerado o óbice à responsabilização criminal da pessoa jurídica, é certo que nos dias atuais esta é expressamente admitida, conforme preceitua, por...

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