Acórdão Nº 5024053-28.2021.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 21-07-2022

Número do processo5024053-28.2021.8.24.0018
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5024053-28.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: DIRCE DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO: MARCIO FRANCISCO BENDER (OAB SC048160) ADVOGADO: ESIMERI BALBINOT (OAB SC047142) APELADO: VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) ADVOGADO: ORLI CARLOS MARMITT (OAB RS070358)

RELATÓRIO

Dirce de Oliveira interpôs recurso de apelação da sentença do Evento 15 dos autos de origem, proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível da comarca de Chapecó, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora, ora apelante, em ação Revisional de Contrato Bancário ajuizada contra Via Certa Financiadora S/A - Crédito, Financiamento e Investimento.

Cuida-se, na origem, de ação revisional de contratos bancários ajuizada em 8-9-2021, por Dirce de Oliveira, tendo por objetivo a modificação de dois contratos de empréstimo pessoal (Contrato n. 809336986 e sua respectiva renegociação realizada por meio do Contrato n. 8010396357) pactuados com a instituição financeira demandada, Via Certa Financiadora S/A - Crédito, Financiamento e Investimento, na qual alegou a parte autora a existência de abusividades contratuais referentes às taxas de juros remuneratórios aplicadas em patamares que extrapolam as respectivas médias de mercado de maneira exorbitante, bem como a cobrança indevida de tarifa de cadastro no contrato de renegociação. Suscitou a aplicação do código consumerista pugnando pelo afastamento das cláusulas reputadas abusivas, a limitação dos juros remuneratórios às taxas médias divulgadas pelo Banco Central como praticadas pelo mercado em operações de crédito consignado ao tempo da respectiva contratação e a devolução do valor que considera ter pago a maior.

Recebida a inicial e deferida a gratuidade da justiça à autora, foi determinada a citação da parte contrária (Evento 4 dos autos de origem).

Devidamente citada, a instituição financeira demandada apresentou contestação (Evento 8 dos autos de origem) na qual defendeu a impossibilidade de revisão das cláusulas voluntariamente contratadas. Destacou a legalidade dos encargos pactuados, asseverando, neste sentido, a ausência de limitação legal à contratação de juros remuneratórios e a ausência de onerosidade excessiva das taxas contratadas, tanto mais quanto os contratos firmados são de empréstimo pessoal, categoria com risco superior ao de empréstimos consignados. Ressaltou a necessidade de manutenção dos índices voluntariamente contratados.

Manifestação da parte autora na qual rebate a contestação, reafirmando os termos da inicial e pugnando pela procedência da demanda (Evento 12 dos autos de origem).

Sobreveio sentença de mérito prolatada pela magistrada Maira Salete Meneghetti, da 4ª Vara Cível da comarca de Chapecó, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, o que se deu nos seguintes termos (Evento 15 dos autos de origem):

Cuida-se de ação de revisão de cláusulas de contrato de empréstimo pessoal, em que são partes as acima indicadas, ambas já qualificadas nos autos.

Como fundamento da pretensão, aduziu a parte autora, em suma: a) firmou com a ré contratos de empréstimo pessoal; b) tem incidência na espécie as regras protetivas do CDC, as quais permitem a revisão dos encargos incidentes, sobretudo porque se trata de pacto de adesão; c) a taxa de juros praticada pela ré é extorsiva e deve ser readequada para a média de mercado; d) o pago indevidamente deve ser restituído. Formulou os requerimentos de praxe. Juntou documentos.

A ré contestou, defendendo, igualmente em resumo, a legalidade dos encargos contratados livremente entre as partes. Requereu, ao final, a improcedência do pedido. Também juntou documentos.

Houve réplica.

É, no que tem relevância, o relatório.

Decido antecipadamente, na forma do previsto no inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil, porquanto a controvérsia limita-se à aplicação do direito, sendo dispensável a produção de prova em audiência.

Antes de qualquer outra providência, quanto à aventada inépcia da petição inicial, não há se falar pois os pedidos são juridicamente possíveis, não são incompatíveis entre si e da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão.

Verdade que a parte autora não atentou para o disposto no § 2º do artigo 330 do Código de Processo Civil. No entanto, tal situação não conduz, por si só, à inépcia da petição inicial, considerando as peculiaridades presentes. É que, como o pedido inicial está embasado na necessidade de revisão dos encargos incidentes sobre o débito em discussão, tem-se que o montante, ainda que incontroverso, a ser alcançado, depende de prévia prestação jurisdicional, com definição específica dos parâmetros delimitadores do cálculo, o qual não poderá ser conhecido de plano. Logo, de se flexibilizar a disposição legal, para adequação à realidade e natureza do processo.

Outrossim, as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de falta de interesse de agir confundem-se com o mérito da demanda e sob esse viés será analisada na sequência.

Superadas essas questões e quanto ao mais, observo que as partes formalizaram contratos de empréstimo pessoal, com previsão de desconto das parcelas em conta bancária, os quais relaciono para melhor análise:

1 - n. 8009336986, firmado em abril/2020, com taxa de juros estipuladas em 341,34% ao ano.

2 - n. 8010396357, firmado em março/2021, com taxa de juros estipuladas em 166,17%% ao ano.

Da aplicação do CDC

O artigo 3º do CDC define como fornecedor toda pessoa física ou jurídica que, dentre outras atividades, comercializa prestação de serviço. Já o § 2º do referido artigo define serviço como "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração", relacionando inclusive as de natureza bancária, financeira e de crédito.

As partes envolvidas na relação em questão enquadram-se na definição de fornecedor e consumidor, nos termos dos conceitos contidos nos artigos citados, razão pela qual não há como se afastar a incidência das normas consumeristas.

Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, com a edição da súmula 297, deixou assentado que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Por conseguinte, a aplicação do princípio pacta sunt servanda deve ser mitigada, cedendo espaço aos direitos básicos do consumidor, como a possibilidade de modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais (V do art. 6º).

Entrementes, de acordo com os termos da súmula 381 do STJ, "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".

Logo, a análise do contrato se limitará às abusividades sustentadas pela parte autora.

Dos juros remuneratórios

O Superior Tribunal de Justiça em recentes julgados e na função de intérprete final da legislação infraconstitucional, tem sinalizado no sentido de que a taxa de juros superior a 12% ao ano, por si só, não representa abusividade, desde que não superior à média da taxa cobrada pelo mercado (inclusive é o que se extrai do teor da súmula 296 do referido Tribunal). Logo, neste contexto, forçoso concluir que é razoável que a limitação das taxas de juros remuneratórios seja orientada pela média de mercado, praticada na época da subscrição do contrato, respeitado sempre o limite máximo constante no instrumento. Essa é a orientação atual dos Tribunais Superiores, que parece persistir.

É o teor, também, da súmula 382 do STJ: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".

De mais a mais, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial do nosso Egrégio Tribunal de Justiça, uniformizando o entendimento nas Câmaras acerca do assunto, editou o enunciado I, que reza: "Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil". Grifei.

Todavia, a situação dos autos revela-se peculiar e não pode ser analisada sob o prisma da generalidade dos contratos de empréstimo disponíveis no mercado.

Sabe-se que "(...) A taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para operações similares na mesma época do empréstimo pode ser utilizada como referência no exame do desequilíbrio contratual, mas não constitui valor absoluto a ser adotado em todos os casos. Com efeito, a variação dos juros praticados pelas instituições financeiras decorre de diversos aspectos e especificidades das múltiplas relações contratuais existentes (tipo de operação, prazo, reputação do tomador, garantias, políticas de captação, aplicações da própria entidade financeira, etc.)" (STJ, AgRg no Agravo em Recurso Esécial n. 469.333/RS, relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Quarta Turma, Dje de 16/08/2016).

Assim, embora a taxa média de mercado (que computa, por definição e por óbvio, também o nicho de mercado alcançado pela ré e instituições congêneres, o que sem dúvida eleva o percentual médio) pareça ser, sem dúvida, o melhor parâmetro a ser observado para caracterização ou não da abusividade, tem-se que as peculiaridades do caso concreto (tais como garantias ofertadas e grau de risco que o perfil do cliente representa) não podem ser olvidadas, sob pena de se transformar o que é apenas referencial (porque representa a média) em medida impositiva e obrigatória. Há de se admitir, portanto, uma razoável variação da taxa de juros para as também variadas características de cada negociação.

De um lado, portanto, tem-se a vultosa diferença entre a taxa de juros praticada pela ré e a média de mercado. De outro, há o perfil do cliente, já que é de conhecimento público e notório que a requerida concede crédito sem garantias reais e a negativados, sendo...

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