Acórdão Nº 5024093-96.2020.8.24.0033 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 20-04-2022

Número do processo5024093-96.2020.8.24.0033
Data20 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5024093-96.2020.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: JURANDIR ALVES DOS SANTOS (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

JURANDIR ALVES DOS SANTOS interpôs recurso de apelação cível contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de inexistência de débito c/c restituição de valores, indenização por dano moral" n. 5024093-96.2020.8.24.0033 ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A.

O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos (evento 19, SENT1):

Isso posto, com suporte nos arts. 487, I, e 355, I, ambos do Código de Processo Civil, resolvo o mérito e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora na presente ação.

Nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios os quais fixo em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa.

Contudo, considerando que à parte autora foram deferidos os auspícios da justiça gratuita (decisão em agravo de instrumento), a exigibilidade de tal verba ficará sobrestada até que demonstrada a alteração de sua situação econômica, no prazo prescricional de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. (grifo no original).

Em suas razões recursais (evento 26, APELAÇÃO1), o autor/apelante alegou, em síntese, que a presente demanda foi ajuizada em razão dos descontos havidos em seu benefício previdenciário a título de Reserva de Margem Consignável - RMC, os quais foram realizados pelo banco apelado que, de forma maliciosa e abusiva, efetuou a venda casada de cartão de crédito em vez de empréstimo consignado.

Salientou que a prática realizada pela instituição financeira apelada induz o consumidor a acreditar ter realizado um empréstimo consignado padrão, porém os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário da parte autora se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado, tornando, assim, a dívida impagável.

Ressaltou que tendo a possibilidade, porque aposentado, de firmar um contrato de empréstimo mediante pagamento consignado em seu benefício de aposentadoria, cujos encargos de normalidade são indiscutivelmente inferiores à grande maioria dos pactos à disposição, não há por que se imaginar que, dotado das informações necessárias, submeter-se-ia a um pacto de cartão de crédito, já que sua finalidade restou adstrita ao saque do valor pretendido.

Destacou que não tinha qualquer interesse em realizar empréstimo via cartão de crédito, o qual possui juros muito superiores ao empréstimo consignado, tendo sido induzido em erro ao contratar produto bancário diverso do almejado, ocorrendo falha na prestação de serviço e vício de consentimento.

Requereu seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor e, por consequência, invertido o ônus da prova, bem como seja declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignada ou a transformação em contrato de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento e seja a apelada condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), corrigidos pelo INPC desde o arbitramento e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês contados do evento danoso.

Ao final, pugnou pela reforma da sentença, bem como pela restituição em dobro dos valores descontados a título de RMC em seu benefício previdenciário e pela procedência dos pedidos iniciais, com a condenação do apelado ao pagamento dos ônus de sucumbência.

Por fim, postulou pela concessão da gratuidade da justiça e formulou pedido de prequestionamento da matéria.

Apresentadas as contrarrazões (evento 34, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte.

VOTO

Pressupostos de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso.

1 Do pedido de gratuidade da justiça

Pleiteou o autor/apelante a concessão do benefício da gratuidade da justiça.

Entretanto, registra-se que o autor/apelante teve deferida a gratuidade da justiça em sede de agravo de instrumento, tendo sido a benesse mantida pela sentença, conforme bem referido pelo Juízo a quo: "[...] considerando que à parte autora foram deferidos os auspícios da justiça gratuita (decisão em agravo de instrumento), a exigibilidade de tal verba ficará sobrestada até que demonstrada a alteração de sua situação econômica, no prazo prescricional de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil" (evento 19, SENT1).

Assim, tem-se por configurada a ausência de interesse recursal, razão pela qual não se conhece do recurso nesse ponto.

2 Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova

Requereu o autor/apelante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, por consequência, a inversão do ônus da prova.

Todavia, considerando que, no caso dos autos, a sentença aplicou o CDC e, consequentemente, houve a inversão do ônus da prova, entendo que também falta interesse recursal ao autor/apelante relativamente a tais pleitos.

A propósito, esta corte já decidiu: "Sendo obtida a pretensão em decisão de primeiro grau, ao apelante é defeso renová-la, pois lhe carece o interesse recursal para tanto [...] (Apelação Cívil n. 2010.000170-4, de São José do Cedro, rel. Des. Saul Steil, j. 7-6-2010)".

Assim, o recurso também não merece ser conhecido nesse tocante em razão da falta de interesse recursal.

3 Do contrato de cartão de crédito consignável

O autor/apelante afirmou ser nula a contratação do empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), ao argumento de que foi induzido em erro pelo banco réu, uma vez que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado comum.

Aduziu "[...] que tal modalidade de empréstimo nunca foi solicitada ou sequer informada à parte requerente" (evento 1, INIC1, fl. 2).

O banco réu/apelado, por sua vez, sustentou a regularidade e a legalidade da contratação, destacando que não se trata de empréstimo consignado, mas, sim, de contrato de cartão de crédito com a efetiva utilização do cartão pelo autor.

Pois bem. É sabido que a controvérsia relacionada à contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, em que é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário, propagou-se e atingiu parcela significativa de aposentados e pensionistas.

Por consequência, inúmeras ações foram ajuizadas com o objetivo de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de RMC.

A respeito da sistemática adotada pelas instituições financeiras, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, bem descreveu como funciona tal prática, conforme trecho extraído do site da ANADEP - Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=27344):

[...] O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC. Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor. Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal.

O caso se assemelha à presente quaestio, porém aqui há detalhes específicos a serem observados.

Ab initio, cabe referir que a avença em tela é regida pela Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 13.172/2005, que regula o desconto de empréstimos consignados em folha de pagamento. Vejamos:

Art. 1º - Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. § 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. [...] Art. 6 - Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. [...] § 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio...

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