Acórdão Nº 5024107-50.2021.8.24.0064 do Segunda Câmara Criminal, 29-03-2022

Número do processo5024107-50.2021.8.24.0064
Data29 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5024107-50.2021.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

AGRAVANTE: EDSON RIBEIRO DA SILVA (AGRAVANTE) ADVOGADO: CLAUDIA GOULART (OAB SC039797) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de execução penal interposto por Edson Ribeiro da Silva, não conformado com o teor da decisão do Sequencial 126 do PEP 0000350-46.2013.8.24.0015 (SEEU), por meio da qual o Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de São José retificou erro material do cálculo de pena e indeferiu a progressão de regime.

Sustenta o Agravante que a decisão primeira, que aplicou retroativamente a Lei 13.964/19 e alterou a fração da progressão de regime do delito hediondo, não foi alvo de recurso, "havendo a preclusão pro judicato, sob pena de relativizar a segurança jurídica e a coisa julgada", não podendo o Juízo "modificá-la ex officio".

Pondera que a modificação o prejudicou "demasiadamente", pois retirou-lhe a saída temporária e o livramento condicional, bem como indeferiu a progressão e modificou a data-base "sem sequer oportunizado o contraditório e a ampla defesa".

Sob tais argumentos, requer o reconhecimento da "nulidade da decisão agravada em razão da preclusão pro judicato" ou "por ter sido proferida de ofício, em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa" (eproc1G, Evento 1, doc1).

O Doutor Juiz de Direito manteve a decisão resistida (eproc1G, Evento 5).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc1G, Evento 11).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Gercino Gerson Gomes Neto, manifestou-se pelo desprovimento do agravo (eproc2G, Evento 6).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. O Agravante Edson Ribeiro da Silva cumpre pena de 21 anos e 11 meses de reclusão pela prática dos crimes de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e homicídio qualificado, todos praticados antes da vigência da Lei 13.964/19 (decisões de soma do Sequencial 1, doc1.638-640, 1.643 e relatório da situação processual executória da aba Informações Adicionais).

Conforme reconhecido na origem e sobre o que não recai controvérsia, Edson Ribeiro da Silva é reincidente, porém não específico em crimes hediondos ou equiparados.

Em 9.11.20, foi deferido seu pedido de "aplicação retroativa da Lei nº 13.964/2019 [...] para o fim de readequar a fração para fins de progressão de regime para o crime descrito no art. 121, § 2º, inc. II, do Código Penal, de 3/5 (60%) para 2/5 (40%), com base no art. 112, incs. V e VII, da Lei de Execução Penal" (Sequencial 1, doc1.652).

No dia 4.12.20, tendo como exigência o requisito objetivo de 40% para o crime hediondo e 1/6 para os crimes comuns, foi deferida a progressão para o regime semiaberto, com efeitos em 18.12.18, e autorizadas saídas temporárias (Sequencial 1, doc1.662), decisão contra a qual não houve recurso.

Pleiteada a progressão para o regime aberto (SEEU, Sequencial 113), sobreveio a decisão resistida, por meio da qual, constatada que a porcentagem de progressão de regime referente ao crime hediondo com resultado morte havia sido fixada erroneamente, foram retificados os cálculos da pena e a data-base, sendo indeferida a progressão de regime, nos seguintes termos:

b) Da retificação de erro material da decisão e do cálculo de penas:

Compulsando detidamente o feito, verifico que há erro material a ser sanado no presente feito, já que utilizada porcentagem equivocada na decisão que deferiu a retroatividade (seq. 1.652).

A defesa do apenado formulou pedido de aplicação retroativa da Lei penal mais benéfica (Pacote Anticrime), o que foi deferido por este Juízo (seq. 1.652).

Contudo, apesar da decisão equivocadamente enquadrar a situação dos autos no inciso V do art. 112 da LEP, verifica-se que a situação dos autos se amolda à hipótese do inciso VI do referido artigo.

Isso porque, conforme consta da decisão, "No caso em tela, observa-se que o apenado foi condenado nos autos n. 015.12.001729-0 à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, por incorrer na sanção do art. 121, § 2º, inc. II, do Código Penal, sendo reconhecida a reincidência em crime doloso".

Assim, considerando a existência de norma específica que trata da hipótese dos crimes hediondos, com resultado morte (princípio da especialidade), verifica-se que houve equívoco no enquadramento da situação no inciso V do art. 112 da LEP, já que o caso se adequa perfeitamente à previsão do art. 112, inciso VI, alínea "a", da LEP. [...]

[...]

Registro, por oportuno, que não há óbice à retificação ora realizada, uma vez que a questão trata de mera retificação de erro material na decisão e no cálculo de penas, não havendo que se falar em preclusão pro judicato [...].

[...]

Assim, na medida em que retifico o erro material constante da decisão e do cálculo de penas, saliento que referente à condenação nos autos n. 015.12.001729-0 (0001729-56.2012.8.24.0015), nos termos do art. 112, inciso VI, alínea "a", da LEP, o apenado deve cumprir ao menos 50% da reprimenda imposta para obter a progressão de regime, vedada a concessão de livramento condicional e das saídas temporárias (art. 122, §2º, da LEP).

Diante dessa retificação, registro também que o apenado atingiu o requisito objetivo para progressão ao regime semiaberto apenas em 15.03.2020, sendo esta a base para futuros benefícios (SEEU, Sequencial 126).

Vigia, à época da prática do delito hediondo pelo qual o Agravante Edson Ribeiro da Silva cumpre pena, o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, que dispunha que "a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo (hediondos e equiparados), dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente".

Especificamente quanto a estas frações da progressão de regime o Superior Tribunal de Justiça orienta que, "ante a unificação das penas, a condição de reincidente do apenado determina o cumprimento de 3/5 sobre o total", de modo que "não há falar em aplicação do percentual de 2/5 para a progressão de regime, em relação à primeira condenação, pois, unificadas as penas, conforme determina o art. 111 da LEP, a reincidência deve incidir sobre o somatório das penas e não apenas na segunda condenação", pois "pacificou entendimento no sentido de que a Lei dos Crimes Hediondos não faz distinção entre a reincidência comum ou específica. Assim, havendo reincidência, ao condenado deverá ser aplicada a fração de 3/5 da pena cumprida para fins de progressão do regime" (HC 427.803, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 4.10.18).

Todavia, em 23.1.20 entrou em vigor a Lei 13.964/19, que expressamente revogou o contido no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 (art. 19) e fixou novos percentuais para a progressão de regime na Lei de Execução Penal, a qual passou a centralizar a matéria.

Dispõe o atual art. 112 da Lei de Execução Penal:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[...]

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Além disso, o art. 122, § 2º, da Lei de Execução Penal passou a determinar que "não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte".

Ao interpretarem a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, as Cortes Superiores assentaram o entendimento de que, quando se tratar de reincidente não específico em delito hediondo ou equiparado sem resultado morte, a porcentagem de progressão a ser exigida para esta categoria de delitos é atualmente mais favorável do que era ao tempo em que perpetrado o delito, de modo que, nessa hipótese, por força da garantia individual prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal e nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, a fração prevista, a partir da vigência da Lei 13.964/19, no art. 112, caput, V, da Lei de Execução Penal, deve ter aplicação retroativa (STF, Tema 1.169, ARE 1.327.963; STJ, Tema 1.804, REsp 1.910.240 e 1.918.338. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.5.21).

No caso, todavia, um dos crimes pelo qual cumpre pena o Agravante Edson Ribeiro da Silva é um homicídio qualificado consumado, ou seja, delito hediondo com resultado morte, que tem previsão específica de progressão com 50% no art. 112, caput, VI, "a", da Lei de Execução Penal.

Como visto, ao decidir pela aplicação retroativa da Lei 13.964/19 o Juízo da Execução Penal primeiramente consignou que a progressão referente a esse delito exigia o cumprimento de 40% da pena e, inclusive, a progressão do regime fechado para o semiaberto deu-se nesses termos, sem que houvesse insurgência do Ministério Público.

No entanto, antes da nova progressão, do regime semiaberto para o aberto, foi constatado o equívoco com relação à porcentagem e ajustados os cálculos e a data-base.

A decisão, com a devida vênia, é...

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