Acórdão Nº 5024402-65.2021.8.24.0039 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 19-04-2022

Número do processo5024402-65.2021.8.24.0039
Data19 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5024402-65.2021.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: VANIR RODRIGUES CHAVES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Vanir Rodrigues Chaves interpôs Recurso de Apelação (Evento 23) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 4ª Vara Cível da Comarca de Lages que, nos autos da "ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repeticao de indébito", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Pelo exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados por VANIR RODRIGUES CHAVES contra o BANCO BMG S/A, condenando o autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, arbitrados em 10% sobre o valor corrigido da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa em razão do deferimento da justiça gratuita [CPC, art. 98, § 3°].

Publique-se. Registre-se. Intimem-se1.

Em suas razões recursais, o Requerente defende, em suma, que: a) "realizou, em outras oportunidades, empréstimos consignados com a instituição financeira Recorrida, os quais são descontados mensalmente no benefício previdenciário, mas que nunca pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado - RMC"; b) "Resta cristalino pela documentação juntada pelo Recorrido que o Recorrente jamais utilizou o cartão de crédito disponibilizado, o que corrobora a ausência de interesse na pactuação deste serviço"; c) não lhe foram prestadas as devidas informações quando da pactuação do contrato em tela; d) a sentença deve ser reformada para "reconhecer o direito a indenização pelo ato ilícito não reconhecido na sentença praticado pelo Banco Requerido, para condenar este ao pagamento e indenização pelos danos morais comprovadamente praticados, acolhendo os demais pedidos apresentados em sede de petição inicial, conforme autoriza o art. 1013 do Código de Processo Civil, especialmente para condenar a Banco Recorrido ao pagamento de danos morais pelo ato ilícito praticado"; f) "declarar a nulidade ou a inexistência da(s) contratação(ões) de empréstimo consignado da rmc (cartão de crédito), igualmente a reserva de margem consignável (rmc), sendo o banco requerido condenado a restituir em dobro os descontos realizados mensalmente"; e g) "alternativamente, não havendo a procedência do pedido constante na letra "b", requer pela convalidação e/ou transformação da avença realizada para a modalidade de contrato de empréstimo consignado".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 31), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.

É o necessário escorço.

VOTO



Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em 26-1-22, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

O Demandante ajuizou ação declaratória em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que o Consumidor acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Exsurge da peça inaugural que o Autor almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

Também exsurge do caderno processual ser incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto o Autor sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que o Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "termo de adesão cartão de crédito consignado emitido pelo Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 12, Contrato 5).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário do Autor do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, o Demandante é titular da benesse da gratuidade da justiça e aufere aposentadoria.

Do extrato de pagamentos do benefício n. 530.559.983-7 (Evento 1, Extrato 7), infere-se: (a) a existência de empréstimos consignados ativos; e (b) uma reserva de margem consignável para cartão de crédito.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente do Autor - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o cartão de crédito foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia-a-dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

A propósito, quanto a este aspecto, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% ou a efetivação de amortizações não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - o Aposentado realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos suso debuxados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que o Aposentado - acostumado a contrair consignado comum, tanto é que é notório o volume de operações dessa espécie - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

Ora, o Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz do que dispõe o art. 39, incisos I, III e IV, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; [...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem...

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