Acórdão Nº 5024430-42.2022.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-12-2022

Número do processo5024430-42.2022.8.24.0930
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5024430-42.2022.8.24.0930/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: PEDRO DE SENA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Pedro de Sena interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo magistrado Silvio José Franco, do juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repetição de indébito", por ele ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco BMG SA, nos seguintes termos (evento 17, autos do 1º grau):

Pedro de Sena propôs a presente ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repetição de indébito contra Banco Bmg S.a, ambos qualificados, alegando, em síntese, que realizou contratos de empréstimos consignados com a parte ré, sendo-lhe informado que o pagamento seria feito por meio de descontos mensais diretamente em benefício previdenciário que recebe do INSS. Entretanto, aduz ter percebido, posteriormente, que estava sendo vítima de uma fraude, pois uma das contratações não se tratava de empréstimo consignado "normal", e sim de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), para cujo pagamento, desde então, a instituição financeira ré tem retido 5% de seu benefício.

Afirma que sua intenção era contratar um empréstimo consignado comum e que nunca quis contratar cartão de crédito - tanto que jamais o desbloqueou -, não tendo sido informado pela parte ré acerca da modalidade de pacto firmada, sobre a qual foi induzida a erro. Ademais, alega que os encargos incidentes sobre o saldo devedor do cartão de crédito são abusivos, tornando a dívida impagável.

Diante deste quadro, postulou: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; (b) que a casa financeira seja condenada a restituir em dobro os descontos realizados mensalmente em seu benefício; e (c) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de indenização a título de danos morais. Caso seja considerado válido o contrato objeto da presente ação, requer seja realizada a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o que seria feito com base no valor liberado ao autor, desprezando-se o saldo devedor atual (ou seja, sem os juros e encargos que lhe foram acrescidos).

O pedido de justiça gratuita foi deferido.

Citada, a instituição financeira contestou, quando, de início, suscitou: 1) a ausência de interesse de agir; 2) o não esgotamento das vias administrativas; 3) a conduta temerária do procurador da parte autora; 4) a prescrição; 5) a decadência e 6) a necessidade de julgamento conforme turma de uniformização. No mérito, defendeu a higidez do contrato e da validade da reserva de margem consignável por terem sido confeccionados de acordo com a vontade dos envolvidos.

Discorreu sobre a repetição de indébito e sobre danos morais.

Houve réplica.

É o relatório. Fundamento e decido.

[...]

Dispositivo

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos deduzidos na inicial desta ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de indenização por dano moral c/c repetição de indébito movida por Pedro de Sena contra o Banco Bmg S.a.

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono de seu ex adverso, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Registre-se que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita, razão pela qual a exigibilidade das custas e honorários, em relação a ela, fica suspensa, conforme prevê o artigo 98, §§ 2º e 3º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado e ultimadas as providências de praxe, arquivem-se os autos, dando-se baixa na estatística.

Em suas razões recursais (evento 23, autos do 1º grau), sustenta o demandante, em suma: (a) a invalidade do contrato firmado entre as partes. Neste sentido, informa que foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão, o qual alega nunca ter solicitado e, muito menos utilizado. Destaca que possuíam margem consignável livre para a contratação de empréstimo pessoal, o qual lhe era mais benéfico. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada ou, alternativamente, a conversão do contrato para empréstimo pessoal consignado. Defende, por fim, (b) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária. Requer o provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 25, autos do 1º grau).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Da (ir)regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta o recorrente a invalidade da operação pactuada com a casa bancária, na medida em que teria sido por ela ludibriado, pois pretendia contratar unicamente empréstimo pessoal consignado, e não saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada.

Analisados os autos, verifica-se, todavia, que sem razão a parte demandante.

A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1o Para os fins do caput, fica o INSS autorizado a dispor, em ato próprio, sobre:

I - as formalidades para habilitação das instituições e sociedades referidas no art. 1o;

II - os benefícios elegíveis, em função de sua natureza e forma de pagamento;

III - as rotinas a serem observadas para a prestação aos titulares de benefícios em manutenção e às instituições consignatárias das informações necessárias à consecução do disposto nesta Lei;

IV - os prazos para o início dos descontos autorizados e para o repasse das prestações às instituições consignatárias;

V - o valor dos encargos a serem cobrados para ressarcimento dos custos operacionais a ele acarretados pelas operações; e

VI - as demais normas que se fizerem necessárias.

[...]

§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a...

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