Acórdão Nº 5024481-73.2022.8.24.0018 do Terceira Câmara Criminal, 29-11-2022

Número do processo5024481-73.2022.8.24.0018
Data29 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5024481-73.2022.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: JEFFERSON MARTARELLO (AGRAVADO) ADVOGADO: DAVI JOAO MATOS (OAB SC042102)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público contra a decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Chapecó, que acolheu o pleito defensivo e, considerando a reincidência genérica do apenado, reconheceu a retroatividade benéfica da Lei 13.964/19 à pena aplicada no processo-crime n. 50010209320208240066, em que foi condenado a crime hediondo sem resultado morte, a fim de que fosse considerada a fração de 2/5 (dois quintos) para a progressão, sem aplicar as novas frações estabelecidas para os delitos comuns (Seq. n. 88.1 dos autos n. 0010319-22.2017.8.24.0023).

Irresignado, o Órgão Ministerial aduz ser descabida a aplicação fragmentada de parâmetros trazidos entre lei revogada (1/6 - crimes comuns) e lei revogadora (40% - crime equiparado a hediondo) para fins de progressão de regime, sustentando a necessária aplicação integral da norma escolhida (ultra-atividade da lei revogada ou pela retroatividade da lei nova). Assim, busca o reajuste das frações exigidas em relação aos crimes de natureza comum (art. 112 da LEP - Lei 13.964/19) (Evento 1 - autos n. 5030579-11.2021.8.24.0018) (Evento 1).

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 10).

A decisão agravada foi mantida (Evento 12).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, pelo conhecimento e desprovimento do agravo (Evento 12).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, conhece-se do presente recurso.

O agravo em execução manejado pelo Ministério Público objetiva reformar a decisão que acolheu o pleito defensivo e, considerando a reincidência genérica do apenado, reconheceu a retroatividade benéfica da Lei 13.964/19 à pena aplicada no processo-crime n. 50010209320208240066, em que foi condenado a crime hediondo sem resultado morte, a fim de que fosse considerada a fração de 2/5 (dois quintos) para a progressão, sem aplicar as novas frações estabelecidas para os delitos comuns (Seq. n. 88.1 dos autos n. 0010319-22.2017.8.24.0023).

Não foram levantadas preliminares.

Ingressando no mérito, extrai-se dos autos de origem que o apenado cumpre uma pena total de 10 anos, 11 meses e 20 dias de reclusão, atualmente em regime fechado, contando com condenação por crime comum e equiparado a hediondo, a saber:

1) Autos n. 0024767-34.2016.8.24.0023 - art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 - Pena: 04 anos e 02 meses de reclusão;

2) Autos n. 5001020-93.2020.8.24.0066 - art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - Pena: 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão.

Dentro desse panorama, após manifestação das partes (Seqs. 70.1 e 80.1), a fim de aferir o requisito objetivo para progressão, o Magistrado de origem, considerando que o apenado se tratava de reincidente genérico, reconheceu a retroatividade benéfica da Lei 13.964/19 somente à pena aplicada ao processo-crime n. 5001020-93.2020.8.24.0066, no qual restou condenado pela prática de crime equiparado a hediondo, deixando de observar os parâmetros da mesma lei em relação à pena aplicada pela prática de crime comum (Autos n. 0024767-34.2016.8.24.0023). Nesses termos, dispôs:

[...]

Embora este Juízo guarde o entendimento pessoal de que a reincidência apta a ensejar a aplicação da fração de 3/5 é a reincidência genérica, a matéria está pacificada na jurisprudência em sentido diverso e merece ser analisada com cautela para evitar recursos desnecessários. Até a edição da Lei n. 13.964/19, não havia dúvidas de que a reincidência genérica, isto é, aquela independente de qual crime fosse originara, servia para utilizar a fração de 3/5 para a progressão de regime.

O texto legal, inclusive, era claro nesse sentido:

2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos § 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) ( Grifei).

O legislador brasileiro, porém, entendendo que o sistema de progressão de penas era brando, inseriu, dentro do denominado "pacote anticrime" (Projeto de Lei n. 10.372/18), alterações na Lei de Execuções Penais.

Porém, a falta de técnica legislativa (que de acordo com o referido Projeto de Lei funcionou, por meio de um grupo de trabalho, por mais de 200 dias, sendo que neles foram ouvidos 50 especialistas) trouxe diversas lacunas na temática.

Veja-se, então, como ficou o novo art. 112 da LEP:

[...]

Especificamente quanto ao réu condenado por crime hediondo, é possível ver que a legislação abrangeu o (i) réu considerado primário (40%); (ii) e o réu reincidente específico em crime hediondo (60%). Todavia, deixou de falar do réu reincidente genérico, isto é, aquele reincidente na prática de crime comum, mesmo sabendo o legislador (ou devendo saber) daquela antiga discussão trazida no início desta decisão, que até poucos dias atrás ainda estava sendo levada ao STJ (vide AgRg no HC 521.434/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019).

Criou-se, dessa forma, evidente lacuna legislativa (ainda mais pelo fato de que o art. 2º da Lei n. 8.072/90 foi revogado), que deve ser preenchida em favor do réu, sob pena de se efetivar uma analogia in malam partem.

Rogério Sanches da Cunha, interpretando um dos incisos do dispositivo acima mencionado , concluiu da seguinte maneira:

O dispositivo faz referência à reincidência específica em crime com violência ou grave ameaça. Mas e se o reeducando for reincidente, mas não específico, ou seja, somente um dos crimes, passado e presente tiver sido cometido com violência ou grave ameaça? Lendo e relendo o artigo em comento, concluímos que estamos diante de uma lacuna, cuja integração, por óbvio, deverá observar o princípio do in dubio pro reo (Pacote Anticrime: Lei n. 13.964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodvim, 2020. p. 371).

A lei que tanto queria recrudescer o sistema penal acabou beneficiando todos os réus condenados por crimes hediondos que, embora reincidentes, não o sejam de modo específico, ainda que isso possa violar os princípios da igualdade e da individualização das penas.

O tema, no entanto, chegou ao STJ e já não possui divergência em suas duas Turmas, senão vejamos:

[...]

Não bastassem os julgados acima, o Superior Tribunal de Justiça, em 31.05.2021, julgou os REsps 1910240 e 1918338, que tinham sido afetados pela sistemática dos recursos repetitivos, os quais ficaram assim ementados:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). DIFERENCIAÇÃO ENTRE REINCIDÊNCIA GENÉRICA E ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DOS LAPSOS RELATIVOS AOS REINCIDENTES GENÉRICOS. LACUNA LEGAL. INTEGRAÇÃO DA NORMA. APLICAÇÃO DOS PATAMARES PREVISTOS PARA OS APENADOS PRIMÁRIOS. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. PATAMAR HODIERNO INFERIOR À FRAÇÃO ANTERIORMENTE EXIGIDA AOS REINCIDENTES GENÉRICOS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Lei n. 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime, promoveu profundas alterações no marco normativo referente aos lapsos exigidos para o alcance da progressão a regime menos gravoso, tendo sido expressamente revogadas as disposições do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990 e estabelecidos patamares calcados não apenas na natureza do delito, mas também no caráter da reincidência, seja ela genérica ou específica. 2. Evidenciada a ausência de previsão dos parâmetros relativos aos apenados condenados por crime...

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