Acórdão Nº 5025423-33.2020.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Civil, 10-03-2022

Número do processo5025423-33.2020.8.24.0000
Data10 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5025423-33.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

AGRAVANTE: ROSY PESSOA OLIVET AGRAVADO: GLAUSIO RAFAEL BUENO TELLES (Inventariante) AGRAVADO: GABRIEL JOSE BUENO TELLES AGRAVADO: GLAUSIO BUENO TELLES (Espólio)

RELATÓRIO

Rosy Pessoa Olivet interpôs agravo de instrumento de decisão do juiz Felippi Ambrosio, da 1ª Vara Cível da comarca de São Francisco do Sul, que, nos eventos 68 e 83 dos autos da ação de inventário nº 0300516-51.2019.8.24.0061, aberto em virtude do falecimento de Glausio Bueno Telles, considerando que o valor recebido pela agravante (companheira supérstite) a título de doação importa em adiantamento herança, determinou que a quantia seja trazida à colação, a fim de que os herdeiros necessários possam dividir de forma igualitária a legítima. Além disso, ordenou à recorrente que junte aos autos, no prazo de 15 dias, o contrato de compra e venda celebrado com a empresa Projete Engenharia.

Argumentou: "Consoante se depreende dos autos, torna-se necessária dilação probatória, tal como em relação a necessária apuração de despesas ordinárias e extraordinárias suportadas pela cônjuge supérstite [...]. Além disso, a cônjuge repele a existência e conhecimento a respeito de suposto contrato de compra e venda com a empresa Projete. São questões que demandam dilação probatória. Entretanto, o presente rito processual (inventário) não comporta a dilação probatória necessária ao deslinde da divergência [...]. Assim, com espeque no art. 612 do CPC, requer seja dado provimento para determinar que a discussão do feito seja processada em via ordinária".

Em seguida, arguiu: "A decisão vergastada tratou da questão como pura e simples doação entre cônjuges. No entanto, consoante se depreende do documento que instruiu a contestação (evento 29 - INF52), trata-se de instrumento particular de cessão de crédito [...]. São institutos jurídicos distintos. Não há, portanto, como confundir a doação com a cessão de crédito. Importa observar que o instrumento apresentado com a defesa possui redação com cláusula expressa obrigando herdeiros [...]. A cláusula obrigando herdeiros é compatível com a disposição de dispensa de colação. Assim, deve ser reformada a decisão que determinou a colação dos valores transferidos, eis que por se tratar de cessão de crédito e existente cláusula obrigando as partes e seus herdeiros, presente está a dispensa de colação [...]. Conforme consta dos autos, o de cujus celebrou um acordo nos autos n.º 0006024-17.2013.8.24.01 que lhe resultou a quantia líquida de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais). A integralidade do crédito foi objeto de cessão em favor da companheira supérstite, nos termos do instrumento particular de cessão de crédito supra referido. Entretanto, apenas parte do crédito cedido restou efetivamente transferido à companheira supérstite (R$ 300.000,00), respeitando a parte disponível. No momento da liberalidade, o autor da herança dispunha de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais). Dessa forma, nos termos da legislação aplicável, o de cujus poderia dispor da quantia de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) para transferir e doar à sua companheira supérstite ou a quem ele entendesse que deveria doar. [...] Embora a decisão atacada tenha observado que as transferências realizadas em vida pelo falecido, a favor do cônjuge supérstite, não ocorreram em prejuízo ao autor da herança, o decisum considerou que houve antecipação de legítima do numerário depositado em sua conta [...]. Entretanto, a quantia total transferida em vida à cônjuge supérstite integrou a parte disponível, razão pela qual estaria dispensada de colação [...]. Deste modo, os valores transferidos por liberalidade do de cujus em favor da Agravante e que totalizam R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), não devem compor a parte legítima, nos termos do art. 2.005, do Código Civil".

Aduziu, ainda: "Não se trata de antecipação de legítima e tampouco doação inoficiosa. De outro lado, caso houvesse nulidade da doação, o que se admite apenas para argumentar, esta teria efeito apenas na parte excedente a parte disponível, a teor do art. 549 do Código Civil 'Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento'. A legislação é clara no sentido que a nulidade só atinge a parte que superar a legítima. Cabe pontuar que o excesso, ou seja, aquilo que supera a parte disponível, deve ser apreciado no momento da doação [...]. Assim deve ser provido o presente recurso para reconhecendo que a integralidade das transferências percebidas pela Agravante integrou a parte disponível, afastar o dever de colação pela cônjuge supérstite".

Derradeiramente, sustentou: "em adendo a decisão que rejeitou os embargos de declaração, o magistrado de primeiro grau determinou a intimação da companheira supérstite para apresentar contrato de compra e venda celebrado com a Projete Engenharia [...]. No entanto, conforme razões de defesa constantes da contestação, a Agravante informou não possuir conhecimento de negócio celebrado a este respeito, supondo que as transferências se realizaram para pagamento de dívidas com a empresa ou seu respectivo sócio. Ora, não há como a Agravante trazer aos autos documento que não existe. Cumpre observar que o Inventariante sequer apresentou nos autos notificação ou documento hábil a demonstrar que tentou obter informação junto a empresa Projete. Evidente que a questão controvertida deve ser enfrentada na via ordinária mediante procedimento próprio. Ademais, a determinação contraria disposição anterior, conforme submerge da decisão (evento 68) [...]. Assim, deve ser provido o presente para reforma da decisão, de modo a afastar a determinação de intimação da Agravante para juntar aos autos contrato de compra e venda que informou desconhecer".

Reputando comprovado o perigo de dano em caso de manutenção da decisão de primeiro grau, pediu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, com fins a sobrestar os efeitos da decisão agravada até o julgamento pelo colegiado.

Ao final, postulou: "b) seja conhecido e provido o recurso, para: b.1) determinar a que a discussão do feito seja feita na via ordinária a teor do art. 612 do CPC (questão de alta indagação); b.2) reformar a decisão e afastar o dever, por parte da Agravante, de colação dos valores transferidos em vida pelo de cujus; b.3) afastar o dever da Agravante de juntar aos autos contrato de compra e venda que informou desconhecer" (evento 1 - INIC1).

Em contrarrazões, no evento 10, o inventariante requereu o desprovimento do recurso e a condenação da agravante em litigância de má-fé.

O Ministério Público, em parecer da lavra da procuradora de justiça Lenir Roslindo Piffer, afirmou ausente interesse a justificar a sua intervenção (evento 15).

VOTO

DECIDO.

1 Admissibilidade

O agravo é cabível a teor do artigo 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e estão preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.016 e 1.017 do mesmo diploma.

2 Mérito

Insurge-se a agravante (companheira supérstite) à decisão que: a) considerou que o...

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