Acórdão Nº 5025535-64.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Público, 20-10-2020

Número do processo5025535-64.2019.8.24.0023
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5025535-64.2019.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


APELANTE: GILVAN DE SOUZA (IMPETRANTE) APELADO: PRESIDENTE DA BANCA EXAMINADORA FUNDAÇÃO DE ESTUDO DE ESTUDOS E PESQUISA SÓCIO-ECONOMICO - FEPESE L (IMPETRADO) APELADO: FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO ECONÔMICAS - FEPESE (INTERESSADO)


RELATÓRIO


GILVAN DE SOUZA impetrou mandado de segurança contra ato do Sr. PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO-ECONÔMICAS - FEPESE.
Alegou que: 1) se inscreveu em concurso público para o cargo de agente penitenciário (Edital n. 01/2019-SAP/SC) e 2) a prova continha questões objetivas que extrapolaram o edital (são elas: 7, 31, 33, 36, 40, 88 e 91), enquanto que outras tiveram seu gabarito preliminar alterado (são elas: 66, 68, 82 e 87), sem que houvesse previsão editalícia.
Postulou, em sede liminar e no mérito, a anulação das questões.
A medida liminar foi parcialmente deferida apenas para anular a questão 33 (autos originários, Evento 3).
Em informações, o Sr. Presidente da Fepese sustentou, em síntese, que: "não se verifica a presença do direito líquido e certo violado por ato ilegal, uma vez que as questões impugnadas e seus gabaritos estão em perfeita sintonia com o Edital n. 01/2019-SAP/SC" (autos originários, Evento 7, INF MAND SEG1).
Sobreveio sentença julgando extinto o feito, sem resolução de mérito, com relação à questão 33 e denegando a ordem quanto às demais proposições (autos originários, Evento 15).
O autor, em apelação, argumentou a necessidade de: 1) anular a questão 7 por erro na diagramação, as questões 31, 33, 36 e 40 por extrapolarem o conteúdo previsto no edital e a questão 91 por divergência doutrinária; 2) manter o gabarito preliminar das questões 66, 68, 82 e 87, pois ilegais as alterações ocorridas, ou, subsidiariamente, anulá-las e 3) modificar o gabarito da questão 88 para a alternativa "b", ou, subsidiariamente, anulá-la (autos originários, Evento 24).
Com as contrarrazões (autos originários, Evento 28), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo parcial provimento do recurso apenas para anular a questão 7, em parecer do Dr. Basílio Elias De Caro (Evento 6)

VOTO


1. Admissibilidade
O impetrante postulou a anulação, dentre outras, da questão 33.
Ocorre que ela já foi anulada pela banca, razão por que o apelante não tem interesse processual.
Assim, conhece-se em parte do recurso.

2. Mérito
A prova objetiva do concurso para o cargo de agente penitenciário, regido pelo Edital n. 01/2019-SAP/SC, foi alvo de várias demandas judiciais.
Há alguns precedentes que formam a jurisprudência da Corte sobre o tema. Não há razão para dissentir.
Colhe-se do voto proferido pelo e. Des. Hélio do Valle Pereira como razão de decidir, uma vez que há identidade de teses jurídicas sobre as questões 36, 66, 68 e 88:
1. Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há antecipado veto ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por mera valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados.
A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados em concursos públicos. Foi a posição assumida pelo STF, tal como se tornou notório.
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto.
A partir daí, existem fronteiras bem demarcadas em que a solução parece transparecer nítida pela necessidade de revisão. São situações nas quais a interpretação adotada pelo avaliador fuja de uma razoabilidade mínima, de um sentimento de justiça evidente. Outras, quando se verifica a cobrança de matéria não prevista na relação listada pelo edital, o qual, naturalmente, não ostenta papel figurativo e deve ser seguido na elaboração das provas.
Há, porém, casos em que não se pode afirmar que a banca tomou decisão manifestamente extravagante - aquelas deliberações desarrazoadas, que rumem para a teratologia. Nesses situações deve ser prestigiada a decisão encampada pela Administração. O ato administrativo, afinal, presume-se legítimo e não deve ser desacreditado como se fosse um obstáculo menor.
Essas, aliás, foram as bases firmadas pelo STF na repercussão geral conferida ao RE 632.853, de relatoria do Min. Gilmar Mendes. A tese fixada foi: "Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário". Os fundamentos, contudo, são melhores explicitados pelo teor dos votos, sinteticamente deduzido pelo Min. Fux (e que aparenta ter sido seguido pelos demais): "em todo caso, não compete ao Poder Judiciário interpretar a doutrina prevista no edital para avaliar o acerto das questões formuladas pela banca examinadora, reservando-se a anular questões evidentemente teratológicas ou flagrantemente incompatíveis com o conteúdo previsto no Edital".
A propósito, há de se obedecer estritamente à ideia que governou o julgamento realizado pelo STF. Não se pode, dito de outra forma, dizer que se está sendo rente àquela compreensão, mas simultaneamente criar tamanha abertura que vá de encontro à deliberação - à sua ratio decidendi, para usar de chavão.
Além disso, ao interferir em resultados de concurso fora dos estritos limites possíveis, não se estará apenas beneficiando um candidato, mas simultaneamente prejudicando outros.
There´s no such thing as a free lunch, notabilizou Milton Friedman. (A parábola leva em conta restaurantes que forneciam refeições gratuitas, mas salgadas. O lucro vinha da venda de bebidas!). Ao se prestigiar uma visão distinta, trazida a juízo por um candidato, estar-se-á simultaneamente prejudicando um outro, malgrado ele (o concorrente) tenha sido, sob os critérios de correção a todos aplicados, melhor posicionado no concurso.
Já decidimos assim nesta 5ª Câmara de Direito Público:
CONCURSO PÚBLICO - PROCURADOR DO ESTADO - PROVA OBJETIVA - ANULAÇÃO DE QUESTÃO - INVIABILIDADE - AUSÊNCIA DE FUGA DO EDITAL OU ERRO GROSSEIRO - LIMITES À ATUAÇÃO JUDICIAL - AUTOCONTENÇÃO.
Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há veto apriorístico ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.
Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados. A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.
Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados dos certames. Foi a posição assumida pelo STF em repercussão geral, ainda que se possam ressalvar as avaliações quanto à fuga dos temas editalícios e os caminhos desarrazoados (que se aproximem da teratologia).
Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto. "Não compete ao Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a eles atribuídas", disse o STF, não se podendo criar compreensão que se afaste da essência do julgado. Além disso, ao interferir em resultados de concurso fora dos estritos limites possíveis, não se estará apenas beneficiando um candidato, mas simultaneamente prejudicando outros.
No caso concreto, ainda que se possa fazer crítica à formulação do enunciado n. 40 da prova objetiva do concurso para o cargo de Procurador do Estado/2018, não se pode dizer que houve ali erro grosseiro, apto a permitir a intervenção judicial: a legitimidade dos prefeitos para o ajuizamento de ADI em face de lei estadual, ao contrário do afirmado pelo impetrante, não está categoricamente proclamada na assertiva - que até admite interpretação mais ampla e, por...

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