Acórdão Nº 5025546-60.2022.8.24.0000 do Órgão Especial, 16-11-2022

Número do processo5025546-60.2022.8.24.0000
Data16 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5025546-60.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: TRES BARRAS CAMARA DE VEREADORES E OUTRO INTERESSADO: MUNICÍPIO DE TRÊS BARRAS/SC

RELATÓRIO

Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por intermédio do Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON, em face da Lei n. 3.181, de 27 de abril de 2015, do Município de Três Barras, que "propõe a leitura bíblica nas escolas públicas e privadas do Município de Três Barras/SC e dá outras providências".

A parte autora argumenta que a disposição contida na referida norma malfere o direito fundamental à liberdade religiosa, o que representaria uma violação ao art. 5º, VI, da Constituição Federal, e ao art. 4º da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Acrescenta que o art. 19, I, da Constituição Federal, que estampa o princípio da laicidade, veda qualquer tipo de relação de dependência ou aliança entre o poder público e cultos religiosos ou igrejas, bem como aponta que o Estado deve atuar com "neutralidade e tolerância à diversidade religiosa".

Aduz que "o artigo 164, § 1º, da Constituição do Estado de Santa Catarina de 19894 , em necessária simetria com o disposto no artigo 210, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 19885, estabelece que a matrícula na disciplina de ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental é facultativa. Isso porque o Estado deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, coibindo condutas que importem proselitismo".

Discorre que o Estado "não deve interferir no exercício da liberdade religiosa, impondo ou proibindo crenças e cultos, como também não pode privilegiar determinada orientação religiosa em detrimento de outras, ainda que professadas majoritariamente no âmbito social".

Consigna, também, que a exaltação de uma única fé vai de encontro "aos princípios da isonomia e da impessoalidade", que estão positivados no art. 37, caput, da Lex Mater, e se encontram replicados no art. 16, caput, da Carta Estadual.

Com base nesses fundamentos, persegue que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 3.181, de 27 de abril de 2015, do Município de Três Barras, por violação aos arts. 4º, caput, 16 e 164, § 1º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que possuem simetria com os arts. 5º, VI, 19, I, 37, caput, e 210, § 1º, da Constituição Federal (Evento 1, INIC1).

Embora devidamente intimados, o Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Três Barras e o Chefe do Poder Executivo deixaram transcorrer in albis o prazo para oferecer manifestação (Eventos 14, 15 e 18).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Paulo de Tarso Brandão, manifestou-se pela procedência do pedido (Evento 21, PROMOÇÃO1).

VOTO

Como relatado, o representante do Órgão Ministerial pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 3.181, de 27 de abril de 2015, do Município de Três Barras.

O diploma normativo questionado é composto por apenas 4 (quatro) artigos, assim descritos:

Art. 1º Propõe a "Leitura Bíblica" nas escolas públicas e privadas do Município de Três Barras-SC, visando proporcionar conhecimento cultural, geográfico, científico e histórico dos textos Bíblicos às crianças e os tornar familiares.

Art. 2º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no que couber, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados de sua publicação.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Ficam revogadas as disposições em contrário

Segundo o signatário da peça recursal, a disposição contida na norma municipal, que impõe a leitura da bíblia nas escolas públicas e privadas de Três Barras, violaria o direito à liberdade religiosa, a laicidade do Estado, bem como os princípios da isonomia e da impessoalidade, norteadores dos atos praticados pela administração pública.

Razão lhe assiste.

O art. 4º da Constituição do Estado de Santa Catarina apregoa que "o Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte [...]".

A Constituição Federal, por seu turno, em seu art. 5º, VI, elenca a liberdade religiosa como um direito fundamental, porquanto estabelece que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

No ponto, importa esclarecer que o exercício da liberdade religiosa refere-se não só a necessidade de respeito aos diferentes sistemas de fé e à livre manifestação de crença, como também abarca a possibilidade de o indivíduo não aderir a religião alguma.

Sobre o tema, lecionam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

[...] Decerto que a liberdade importa também o direito de quem quer que seja de não aderir a alguma fé transcendental; mas, como concebido, o sistema constitucional não toma essa possibilidade como razão obstativa para que a ordem jurídica acolha positivamente a pluralidade de expressões religiosas dos demais.

[...] O reconhecimento da liberdade religiosa decerto que contribui para prevenir tensões sociais, na medida em que, por ela, o pluralismo se instala e se neutralizam rancores e desavenças decorrentes do veto oficial a crenças quaisquer. O reconhecimento da liberdade religiosa também tem por si o argumento de que tantas vezes a formação moral contribui para moldar o bom cidadão. Essas razões, contudo, não são suficientes em si para explicar a razão de ser da liberdade de crença. A Constituição assegura a liberdade dos crentes, porque toma a religião como um bem valioso por si mesmo, e quer resguardar os que buscam a Deus de obstáculos para que pratiquem os seus deveres religiosos (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 143).

Em complemento, o art. 19, I, da Carta da República traduz o conceito de Estado laico, porquanto veda que o poder público estabeleça relações de dependência ou aliança com cultos ou igrejas, ressalvadas as hipóteses de colaboração de...

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