Acórdão Nº 5025691-07.2019.8.24.0038 do Quarta Câmara de Direito Público, 27-10-2022

Número do processo5025691-07.2019.8.24.0038
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5025691-07.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: IPREVILLE - INST DE PREVID SOCIAL DOS SERV PUBL DO MUNIC DE JOINVILLE (RÉU) APELADO: TEREZINHA SAFFI DIAS DE CASTRO (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, Terezinha Saffi Dias de Castro ajuizou "ação declaratória de inexistência de débito c/c obrigação de não fazer e indenização por danos morais e repetição de indébito c/c pedido de tutela de urgência" contra o Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Joinville - IPREVILLE.

À luz dos princípios da economia e celeridade processual, por sintetizar de forma fidedigna, adoto o relatório da sentença (Evento 68, 1G):

TEREZINHA SAFFI DIAS DE CASTRO propôs ação contra INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE - IPREVILLE, ambos devidamente qualificados, contando que, ante o falecimento de seu cônjuge, Sr. Luiz Antônio Dias de Castro, passou a receber duas pensões por morte nas matrículas nºs 51.087 e 1700-1, sendo que, na primeira, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina identificou irregularidades na concessão do benefício percebido, notadamente a percepção de valor maior que o devido, motivo pelo qual o Ipreville revisou o valor da pensão e passou a efetuar desconto de 30% sobre os seus proventos, a fim de ser ressarcido dos valores pagos a maior, cujo montante perfaz a quantia de R$ 87.679,02.

Entende que recebeu os montantes de boa-fé e por isso não pode ser cobrada pela devolução desses valores, requerendo a declaração de inexistência de débito dos valores recebidos a maior e a condenação do Ipreville na restituição dos valores descontados em folha de pagamento, bem como a indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00.

Postulou, em sede de tutela de urgência, que o réu restabeleça o pagamento do benefício previdenciário em sua integralidade, bem como realize os repasses dos valores contratados a título de empréstimo consignado à instituição financeira com o qual contratou o mútuo.

Foi concedida a gratuidade de justiça e deferido o pleito de tutela de urgência (Ev. 19), nos seguintes termos: "(...) defiro o requerimento de tutela de urgência determinando que, até decisão ulterior, o réu suspenda os descontos do benefício de pensão por morte percebido pela beneficiária para fins de compensação o que outrora ela recebeu a maior, bem como restabeleça os repasses referentes ao empréstimo consignado contratado pela autora junto à Caixa Econômica Federal.".

Devidamente citado, o Ipreville apresentou resposta na forma de contestação, impugnando, preliminarmente, o deferimento da gratuidade judiciária. No mérito, afirma que não há ilegalidade no ato administrativo que culminou na revisão dos valores da pensão por morte porque a Administração Pública tem o dever de proceder a correção e a restituição dos valores pagos indevidamente aos cofres públicos (Ev. 28).

Houve réplica (Ev. 32).

O representante do Ministério Público disse inexistir interesse em intervir neste processo (Ev. 36).

O feito foi sobrestado até que julgado o REsp 1.381.734/RN, representativo da controvérsia afetada pela Corte Superior sob o Tema n. 979.

Os autos vieram conclusos.

Devidamente instruída, a lide foi julgada nos termos retro (Evento 68, 1G):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para:

a) Declarar a inexistência da dívida apurada pela ré IPREVILLE no montante de R$ 87.903,25 em razão do pagamento a maior de pensão à parte autora (benefício n. 51.087);

b) Confirmar a decisão do Ev. 19 e determinar a suspensão definitiva dos descontos procedidos junto ao benefício n. 51.087, e também o restabelecimento definitivo dos repasses à CEF para adimplemento do contrato de empréstimo firmado pela autora e averbado junto ao benefício em questão;

c) Condenar a parte ré a restituir a quantia que tenha sido descontada indevidamente, na forma simples, corrigida pelo IPCA-E desde cada desconto e juros aplicados à caderneta de poupança a contar da citação, nos termos do art. 1º-F, da Lei n. 9.494/97 (Tema 810 do STF); e

c) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos pelo IPCA-E desde o arbitramento, e juros aplicados à caderneta de poupança a contar da citação.

Deixo de condenar a parte ré ao pagamento de custas antes a isenção legal.

Condeno a parte demandada ao pagamento de honorários advocatícios que ora fixo em 10% do valor da condenação (CPC, art. 85, §§ 2º e 3º).

Irresignado, a autarquia recorreu (Evento 76, 1G). Argumentou que: a) "ao constatar o pagamento de valores a maior em decorrência de erro material, a Administração Pública tem o dever de proceder a correção e a restituição dos valores pagos indevidamente"; b) há "expressa disposição legal de autorizar o ente público de realizar o desconto na folha de pagamento de seus aposentados ou pensionistas dos valores pagos indevidamente, sem aferir se o recebimento pelo beneficiado deu-se de boa-fé ou de forma dolosa"; c) "o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação n. 6512 ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra o Superior Tribunal de Justiça, manifestouse no sentido que não se pode afastar a aplicação do art. 115, da Lei n. 8.213/1991 enquanto não declarada a sua inconstitucionalidade"; d) "não restou configurado qualquer ilícito na atitude do IPREVILLE, eis que agiu amparada por uma excludente de ilicitude, tornando-se, assim, inadmissível cogitar qualquer indenização a título de danos morais"; e e) "e a quantia arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, encontra-se demasiadamente oneroso e sem resguardo de nosso ordenamento jurídico".

Com contrarrazões (Evento 81, 1G), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela ausência de interesse na causa (Evento 10, 2G).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual merece conhecimento.

Recebo-o em seus efeitos legais.

O reclamo, em breve cotejo, cinge-se ao à possibilidade de restituição de valores pagos indevidamente à título de pensão por morte de servidor público, decorrentes de erro administrativo operacional, bem como a existência de abalo anímico indenizável pelo desconto sobre os seus proventos efetuados pelo réu.

O Superior Tribunal de Justiça já analisou a controvérsia no Recurso Especial n. 1769306/AL e firmou a consecutiva tese jurídica vinculante (Tema 1009):

Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

O acórdão paradigma restou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SERVIDOR PÚBLICO.ARTIGO 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/1990. TESE DEFINIDA NO TEMA 531-STJ. AUSÊNCIA DE ALCANCE NOS CASOS DE PAGAMENTO INDEVIDO DECORRENTE DE ERRO DE CÁLCULO OU OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO. SALVO INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.1. Delimitação do Tema: A afetação como representativo de controvérsia e agora trazido ao colegiado consiste em definir se a tese firmada no Tema 531/STJ seria igualmente aplicável aos casos de erro operacional ou de cálculo, para igualmente desobrigar o servidor público, de boa-fé, a restituir ao Erário a quantia recebida a maior.2. No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.244.182/PB (Tema 531/STJ), definiu-se que quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, de boa-fé, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, o que está em conformidade com a Súmula 34 da Advocacia Geral da União - AGU.3. O artigo 46, caput, da Lei n. 8.112/1990 estabelece a possibilidade de reposições e indenizações ao erário. Trata-se de disposição legal expressa, plenamente válida, embora com interpretação dada pela jurisprudência com alguns temperamentos, especialmente em observância aos princípios gerais do direito, como boa-fé, a fim de impedir que valores pagos indevidamente sejam devolvidos ao Erário.4. Diferentemente dos casos de errônea ou má aplicação de lei, onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o servidor recebeu o valor de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, na hipótese de erro operacional ou de cálculo, deve-se analisar caso a caso, de modo a averiguar se o servidor tinha condições de compreender a ilicitude no recebimento dos valores, de modo a se lhe exigir comportamento diverso perante a Administração Pública.5. Ou seja, na hipótese de erro operacional ou de cálculo não se estende o entendimento firmado no Recurso Especial Repetitivo n. 1.244.182/PB, sem a observância da boa-fé objetiva do servidor, o que possibilita a restituição ao Erário dos valores pagos indevidamente decorrente de erro de cálculo ou operacional da Administração Pública.6. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.7. Modulação dos efeitos: Os efeitos definidos neste representativo da controvérsia, somente devem atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da...

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