Acórdão Nº 5025780-13.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 16-03-2022

Número do processo5025780-13.2020.8.24.0000
Data16 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5025780-13.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis ADVOGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA RÉU: Prefeito - MUNICÍPIO DE XANXERÊ - Xanxerê RÉU: Câmara de Vereadores - MUNICÍPIO DE XANXERÊ - Xanxerê ADVOGADO: ANA CECILIA SIRINO (OAB SC021820) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: MUNICÍPIO DE XANXERÊ

RELATÓRIO

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina com o objetivo de obter a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 4.075, de 17.04.2019, do Município de Xanxerê, a qual criou cargos de provimento em comissão violando os artigos 16, caput, e 21, incisos I e IV, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina, os quais guardam consonância com o art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal.

Para tanto, sustentou que a criação de cargos comissionados é excepcional, destinando-se apenas às atribuições de chefia, direção e assessoramento, e desde que seja necessária uma relação de inequívoca confiança e fidelidade ideológica entre nomeante e nomeado, conforme já foi definido pelo STF no julgamento do Tema n. 1010.

Narrou que a referida norma criou os cargos em comissão de 'Diretor de Plenário', 'Diretor de Planejamento e Compras' e 'Diretor de Gestão de Pessoas e Patrimônio' na estrutura do Poder Legislativo Municipal, inserindo-os no Anexo II da Lei Complementar n. 2.957/2007. Contudo, tais cargos foram criados em desconformidade com os preceitos constitucionais, uma vez que se destinam ao desempenho de atividades técnicas e/ou burocráticas.

Explicou que "O Anexo II da LCM n. 2.957/2007, na sua redação original, já foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 8000441-06.2017.8.24.0000, julgada procedente pelo Tribunal de Santa Catarina, para declarar a inconstitucionalidade da parte em que definiu como comissionados, entre outros, os cargos de Coordenador Contábil, Chefe de Serviços Operacionais e Diretor de Comunicação Digital" (evento 1, petição inicial 1, fl. 7).

Alegou que a lei ora impugnada reproduziu as funções que já haviam sido declaradas inconstitucionais, "embora empregando denominação diversa e conjunto de tarefas distintos", porém, atribuiu funções coincidentes.

Explicou que o cargo antes declarado inconstitucional de 'Diretor de Comunicação Digital e Patrimônio', ora foi intitulado de "Diretor de Plenário", com atribuições semelhantes.

Prosseguiu assegurando que as funções dos cargos anteriores de 'Coordenador Contábil' e 'Chefe de Serviços Operacionais' declarados inconstitucionais, passaram a ser descritos para o cargo de "Diretor de Planejamento e Compras"; como também houve o agrupamento de tarefas dos cargos de 'Coordenador Contábil', 'Diretor de Comunicação Digital e Patrimônio' e 'Chefe de Serviços Operacionais' no novo cargo, ora intitulado "Diretor de Gestão de Pessoas e Patrimônio".

Assegurou que "da miscelânea de atribuições de três cargos declarados inconstitucionais, foram pinçadas tarefas que, embaralhadas, compõem três novos cargos, aos quais foram conferidas novas denominações. A 'reciclagem', porém, não tem o condão de tornar imaculado o que o Poder Judiciário já reconheceu como inconstitucional - tampouco os discretos acréscimos, revestidos de novidade, o têm" (evento 1, petição inicial 1, fl. 10).

Enfatizou que "a leitura das atribuições que recaem aos ocupantes destas cadeiras revela que a atividade que lhes recai não ultrapassa a ordem técnica, burocrática ou organizacional" (evento 1, petição inicial 1, fl. 10).

Por esse motivo, requereu a inconstitucionalidade dos cargos em comissão de 'Diretor de Plenário' (1 cargo), 'Diretor de Gestão de Pessoas e Patrimônio' (1 cargo), e 'Diretor de Gestão de Pessoas e Patrimônio' (1 cargo), criados pela Lei n. 4.075, de 17.04.2019 (evento 1, petição inicial 1).

Os autos vieram a mim distribuídos, oportunidade em que, na ausência de pedido de providência cautelar, determinei a notificação do Prefeito do Município de Xanxerê, bem como o Presidente da Câmara de Vereadores da Municipalidade para que prestassem informações no prazo de 30 (trinta) dias, nos moldes do que estabelece o art. 6º da Lei Estadual n. 12.069/01 e, após, a intimação do Procurador-Geral do Município, e do Procurador-Geral de Justiça, a teor do art. 8º da Lei Estadual n. 12.069/01 (evento 2, Despacho/decisão 1).

O Presidente da Câmara de Vereadores de Xanxerê prestou informações, defendendo a legalidade dos cargos, sob o argumento de que "possuem descrições e responsabilidades, não ferindo nenhuma norma constitucional" (evento 15, Petição 1, fl. 3).

Assegurou que há "a relação completa de descrições, obrigações e responsabilidade de seus cargos públicos sendo cargos de chefia, direção e assessoramento", porque "preveem suas descrições são de diretor - tendo na sua essência atribuições de assessoramento e coordenação - de necessária confiança com o agente nomeante" (evento 15, Petição 1, fl. 4).

Afirmou que se tratam de cargos de livre nomeação e exoneração e "as atividades a serem exercidas pelos servidores nomeados não serem meramente técnicas" (evento 15, petição 1, fl. 11).

Subsidiariamente requereu que a atribuição de efeitos ex nunc à decisão, como também, a declaração da "inconstitucionalidade parcial, ou seja, apenas na atribuição que lhe seria vedada, subsistindo suas demais pertinências" (evento 15, Petição 1, fl. 12).

O Município de Xanxerê prestou informações, ocasião em que afirmou ser desnecessária sua atuação em defesa da lei questionada, sobretudo porque se trata de lei de origem do Poder Legislativo, a qual criou cargos para a Câmara de Vereadores, além de já ter promovido a defesa da norma.

Prosseguiu relatando o trâmite do processo legislativo que deu origem à norma, inclusive afirmando que houve resistência de parlamentar ao Projeto de Lei apresentado, sob a justificativa de que foram descritas atribuições técnicas cujos cargos deveriam ser providos por concurso público. Concluiu informando que leis semelhantes do próprio Poder Executivo foram declaradas inconstitucionais na ADI n. 8000441-06.2017.8.24.0000 (evento 17, Informação 1, fl. 5).

O Procurador-Geral do Município defendeu a norma, sob o argumento de que "A estrutura de cargos atribuída é constitucional e legal pois se amolda ao previsto na Constituição Estadual e em simetria com a Constituição da República Federativa do Brasil" (evento 21, Petição 21, fl. 6). Subsidiariamente, requereu a atribuição de efeitos ex nunc e, "na hipótese de haver usurpação atribuída a cargos efetivamente técnicos (efetivos), que a declaração de inconstitucionalidade seja atribuída parcialmente apenas na atribuição que lhe seria vedada" (evento 21, Petição 21, fl. 8).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do eminente Procurador Davi do Espírito Santo, opinou pela (a) procedência do pedido a fim de que "seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 4075, de 17 de abril de 2019, do Município de Xanxerê, por violação aos artigos 16, caput e 21, incisos I e IV da Constituição do Estado de Santa Catarina" (evento 24, Parecer 1).

VOTO

O pedido, adiante-se, deve ser julgado procedente.

1. Do parâmetro de constitucionalidade:

A presente ação direta de inconstitucionalidade tem como parâmetro os seguintes dispositivos:

(a) art. 16, caput, da Constituição Estadual, que prevê que "Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade";

(b) art. 21, incisos I e IV, da Constituição Estadual, que estabelece que a investidura em cargos, empregos e funções públicas depende de prévia aprovação em concurso público, possibilitando, apenas de forma excepcional, a nomeação para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, nas condições e percentuais mínimos, e destinados tão somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

2. Da criação de cargos em comissão:

As seguintes premissas devem orientar a análise e julgamento do feito:

Primeira: a investidura nos cargos públicos depende da prévia aprovação em concurso público de prova ou de provas e títulos (art. 37, II, primeira parte, CRFB/88). O Constituinte optou pelo concurso público como o meio democrático e meritocratório de acesso aos cargos públicos (art. 37, II, CRFB/88 e art. 21, I, da CE).

Nos termos da doutrina, "cargo público é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente" (CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed., Rio de Janeiro : Editora Lúmen Juris, 2011, pág. 557).

A "criação de cargo significa sua institucionalização, com denominação própria, quantidade certa, atribuições e correspondente estipêndio. Ademais, deve-se indicar a natureza do provimento: efetivo (admissão só por concurso público) ou em comissão (livre escolha). Não se pode, pois, criar cargo de escrevente; o que se pode é criar dois cargos de escrevente, de provimento efetivo, com remuneração de R$ 700,00, por exemplo, cujos titulares desempenharão as funções tais e quais" (GASPARINI. Diogenes. Direito Administrativo. 16ª ed., São Paulo : Saraiva, pág. 319).

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