Acórdão Nº 5025829-37.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 04-08-2022

Número do processo5025829-37.2020.8.24.0038
Data04 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5025829-37.2020.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: JEAN CLEBER CANDO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de JEAN CLEBER CANDO pelo cometimento, em tese, do crime de apropriação indébita tributária, previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, em continuidade delitiva por 05 (cinco) vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 01, dos autos da Ação Penal):

"[...] O denunciado, na condição de sócio-administrador da empresa CANDOFER SERVIÇOS DE MOLDES LTDA, CNPJ n. 09.2019.109/0001-99, e Inscrição Estadual n. 25.551.681-09, estabelecida na Rua Cabo Frio, n. 260, bairro Floresta, Joinville/SC, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 103.116,19 (cento e três mil cento de dezesseis reais e dezenove centavos) a título de Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, cobrados de consumidores, locupletando-se ilicitamente, mediante este tipo de apropriação, de valores em prejuízo do estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declaração de ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de março, junho, julho, setembro e outubro de 2018, documentos geradores da Certidão de Dívida Ativa n. 19044005718, inscrita em 04/07/2019 [...]".

Encerrada a instrução e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio a sentença com o seguinte dispositivo (Evento 121, idem):

"[...] Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Jean Cleber Cando ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 8 (oito) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por 5 vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

Custas pelo acusado (CPP, art. 804).

Substituo a pena por restritivas de direito, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados, comunique-se à CGJ e à Justiça Eleitoral, efetue-se o cálculo e intimação para pagamento das custas e da pena de multa (art. 381 do CNCGJ), aguardando-se no último caso pela execução ministerial no prazo de noventa dias (v. Circular nº 121/2020 da CGJ), forme-se o processo de execução (art. 1º da Resolução nº 113/2010 do CNJ) e remeta-se ao r. juízo competente (art. 147 da LEP).

Em seguida, arquivem-se [...]".

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, nos termos do artigo 600, § 4º, do Código de Processo Penal, arguindo, em suas razões recursais (Evento 10, dos autos do Recurso de Apelação), nulidade do processo por ausência de oferecimento pelo Ministério Público de Acordo de Não Persecução Penal - ANPP (artigo 28-A, do Código de Processo Penal), ou suspensão condicional do processo (artigo 89, da Lei 9.099/95).

No mérito, pretendeu absolvição do réu por ausência de provas nos autos capazes de sustentar o édito condenatório imposto, alegando ainda atipicidade da conduta praticada, bem como ausência de dolo específico e contumácia delitiva, e também excludente de culpa diante da grave crise financeira enfrentada pela empresa na época dos fatos.

Em sede de dosimetria, pretendeu o afastamento da pena de multa aplicada ante a impossibilidade de indexá-la ao salário mínimo.

Por fim, quanto ao cumprimento da pena, colimou pela substituição da medida restritiva de direito aplicada por pena de multa, ou ainda a substituição da prestação de serviços à comunidade imposta por restrição de finais de semana.

Contrarrazões da acusação pela manutenção incólume da sentença recorrida (Evento 14, idem).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. JORGE OROFINO DA LUZ FONTES, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (Evento 17, idem).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa em face de sentença proferida pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville que, julgando procedente a pretensão acusatória, condenou JEAN CLEBER CANDO ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 08 (oito) meses de detenção, em regime inicialmente aberto, substituída por 01 (uma) medida restritiva de direito, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada qual fixado no valor mínimo legal, por infração ao previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8137/90, em continuidade delitiva por 05 (cinco) vezes, nos termos do artigo 71, do Código Penal.



1. Dos fatos sob recurso.

Conforme contido no incluso caderno processual, o apelante Jean Cleber Cando, na condição de sócio-administrador da empresa "CANDOFER SERVIÇOS DE MOLDES LTDA", sob o CNPJ n. 09.2019.109/0001-99, e Inscrição Estadual n. 25.551.681-09, estabelecida no município e comarca de Joinville, deixou de repassar aos cofres públicos, nos meses de março, junho, julho, setembro e outubro de 2018, o equivalente a R$ 103.116,19 (cento e três mil cento de dezesseis reais e dezenove centavos) a título de Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, devidamente cobrados de seus consumidores e subscritos nas Declarações do ICMS e do Movimento Econômico - DIMEs competentes, conforme Termo de Inscrição em Dívida Ativa n. 19044005718.



2. Da admissibilidade recursal.

Inicialmente, deixo de receber o presente recurso em relação ao pleito preliminar de nulidade do processo pela ausência de oferecimento por parte do órgão ministerial de proposta de acordo de não persecução penal, previsto no artigo 28-A, do Código de Processo Penal, bem como de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89, da Lei 9.099/95, tendo em vista que tal matéria não foi levada ao conhecimento do juízo de 1º grau, conforme se denota da defesa prévia e alegações finais apresentadas pelo réu (Eventos 79 e 119, dos autos originários).

Sendo assim, tal fato fere frontalmente o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que norteia o âmbito de cognição dos recursos no processo penal, não podendo o julgador agir de ofício para exercer atividade sem ter sido provocado, sob pena de proferir decisório ultra ou extra petita, ressalvadas as hipóteses de equívoco material ou flagrante ilegalidade, exceções estas que não se observa no caso em apreço.

Eugênio Pacelli de Oliveira leciona sobre o assunto:

"O efeito devolutivo diz respeito à identificação da matéria devolvida ao conhecimento da instância recursal, como tivemos a oportunidade de assinalar. Em princípio, a admissibilidade do recurso autorizara a conclusão no sentido da devolução, mínima que seja, das questões resolvidas na instância a quo. Como os recursos são voluntários, dependentes, então, do inconformismo do interessado, caberá a ele delimitar a matéria a ser objeto de reapreciação e de nova decisão pelo órgão jurisdicional competente.

Com efeito, ele poderá se satisfazer com parte do julgado e não concordar com o restante. Daí o tantum devolutum quantum appellatum, ou seja, a matéria a ser conhecida (devolutum) em segunda instância dependerá da impugnação (appellatum)" (Curso de Processo Penal. Lúmen Juris. 15. ed. Rio de Janeiro, 2011, p. 855).

Sobre o assunto, já decidiu a Corte Catarinense:

"HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELA PRÁTICA, EM TESE, DO CRIME DESCRITO NO ARTIGO 155, §4°, IV, C/C 14, II, DO CP. FLAGRANTE CONVERTIDO EM PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. ALEGADA NULIDADE EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO PACIENTE SOBRE A RECUSA DA ACUSAÇÃO EM OFERECER O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PLEITO NÃO REQUERIDO E POR CONSEQUÊNCIA NÃO ANALISADO PELO MAGISTRADO A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. [...] I - A AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO DE TESES PELA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA OBSTA O EXAME DIRETO POR ESTA CÂMARA A FIM DE EVITAR A SUPRESSÃO DE GRAU DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE EVIDENTE ILEGALIDADE APTA A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. [...]." (TJSC, Habeas Corpus Criminal n. 5060077-12.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 30-11-2021).

E mais:

"AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO À IMPETRAÇÃO POR SER MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL (ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL C/C ARTIGO 932, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 232, § 3° DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA). DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PLEITO PARA RETORNO DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A ANÁLISE DO OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO MANDAMUS DIRETAMENTE POR ESTE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ANÁLISE GLOBAL DAS LEIS PROCESSUAIS CIVIS, PENAIS E DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE PERMITE A NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE HABEAS CORPUS EM CASO DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. PROPOSTA DE ACORDO DE PERSECUÇÃO PENAL QUE NÃO CONSTITUI DIREITO SUBJETIVO DO INVESTIGADO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE AINDA DE REQUERIMENTO DE REMESSA DOS AUTOS A ÓRGÃO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM CASO DE RECUSA PELO REPRESENTANTE MINISTERIAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO". (TJSC, Habeas Corpus Criminal n. 5062132-33.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de...

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