Acórdão Nº 5026461-29.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 08-09-2022

Número do processo5026461-29.2021.8.24.0038
Data08 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5026461-29.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO

RECORRENTE: MARLON GRIMES (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia contra Marlon Grimes, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, caput, c/c art. 18, inciso I, segunda parte (dolo eventual), ambos do Código Penal, e art. 14 da Lei n. 10.826/03, pelos fatos assim narrados na denúncia, in verbis (Evento 1 dos autos da ação penal):

1 - Do crime de homicídio (dolo eventual)

No dia 7 de maio de 2021, por volta das 18 horas, durante uma confraternização entre amigos, no interior da residência situada na Rua Alvino Souza do Nascimento, s/n, Bairro Jardim Paraíso, o denunciado MARLON GRIMES, após ter ingerido bebida alcoólica e assumindo o risco de provocar o resultado morte (dolo eventual), passou a manusear diante de outras pessoas a pistola que portava ilegalmente, inclusive apontado-a para outros frequentadores (portanto com alta previsibilidade do resultado), ocasião em que acionou o gatilho e efetuou um disparo contra a cabeça da vítima José Osmar Antoniak, provocando-lhe a lesão descrita no Laudo Pericial de Exame Cadavérico (págs. 29/30 do evento 7.1 do IP), que determinou sua morte.

2 - Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Ademais, apurou-se que, apesar de o denunciado MARLON GRIMES possuir o registro da referida pistola (marca Taurus, modelo G2C, calibre .9mm), por ocasião do homicídio portava a arma de fogo em local distinto de sua residência ou local de trabalho, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Encerrada a primeira fase da instrução processual, a MMa. Juíza a quo, convencida da existência de prova da materialidade e de indícios suficientes da autoria do crime, pronunciou o acusado a fim de que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do art. 121, caput, do Código Penal, e art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (Evento 96 dos autos da ação penal).

Contra referida decisão, a defesa do acusado interpôs recurso em sentido estrito, por termo nos autos (Evento 103 dos atos da ação penal). Em suas razões recursais, apresentadas por intermédio de sua defesa constituída, sustentou, preliminarmente, a nulidade por cerceamento de defesa. No mérito, requereu a impronúncia do acusado e, subsidiariamente, a desclassificação para o delito de lesão corporal de natureza grave seguida de morte. Por fim, pleiteou que seja possível recorrer em liberdade (Evento 121 dos autos da ação penal).

Em contrarrazões, o representante do Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso defensivo (Evento 127 dos autos da ação penal).

Mantida a decisão recorrida (Evento 129 dos autos da ação penal), os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Pedro Sérgio Steil, opinado pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 22).

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Marlon Grimes, inconformado com a sua pronúncia pela prática, em tese, dos delitos tipificados no art. 121, caput, do Código Penal, e art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, os recursos merecem ser conhecidos (em que pese apenas parcialmente, conforme se verá adiante), passando-se à análise de seu objeto.

I - Da preliminar de nulidade por cerceamento de defesa

Prefacialmente, a defesa do réu/apelante pleiteia a nulidade processual por cerceamento de defesa, dado o indeferimento de perguntas que visavam demonstrar que a arma estava na residência em que se deu o crime para uma suposta/possível manutenção pelo armeiro.

Sabe-se que "[...] O art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal confere ao juiz do processo, destinatário final das provas, o poder de avaliar a necessidade e a conveniência da realização das diligências requeridas pelas partes, indeferindo aquelas que se revelem protelatórias ou impertinentes, ou seja, que no seu entender se mostrem irrelevantes para o deslinde da controvérsia". (STJ - RHC n. 53.116/PB, Quinta Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 15/12/2015).

Nesse sentido, embora caiba à parte definir as provas que pretende produzir, ao juiz, por sua vez, e somente a ele, cabe aferir a necessidade ou não de sua realização. A prova, ressalte-se, pertence ao processo-crime e, estando o juiz, destinatário final, convencido de que necessita de determinado elemento para a formação de sua convicção pessoal, pode ou não decidir pela sua produção.

Especialmente no tocante à produção de prova oral em audiência instrutória, o art. 212 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz não deve admitir aquelas perguntas "que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida".

In casu, compulsando os depoimentos da testemunha Edejanete Teixeira e do informante Laurindo de Oliveira, observa-se que a Magistrada a quo indeferiu as perguntas relacionadas ao suposto fato de Laurindo ser armeiro de forma clandestina e do acusado ter levado a arma à sua residência para manutenção.

Segundo ressaltou a Togada a quo ao indeferir os questionamentos, o processo em questão visa discutir a conduta delitiva do acusado, e não do Sr. Laurindo de Oliveira, o qual prestou depoimento na condição de informante, desassistido de advogado.

Em contrapartida, é certo que no direito processual brasileiro, o instituto da nulidade tem por fundamento, dentre outros, o princípio da instrumentalidade das formas, também identificado pelo brocardo francês "pas de nullité sans grief", o qual determina que a declaração de nulidade requer a efetiva comprovação de prejuízo - não demonstrado na hipótese em tela.

Assim, "[...] Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a nulidade referente à incorreta aplicação do art. 212, do CPP é relativa, demandando comprovação do prejuízo na primeira oportunidade em que a parte falar nos autos, sob pena de preclusão". (AgRg no REsp n. 1690808/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 05/06/2018).

Conforme bem consignou o douto Procurador de Justiça em seu parecer "[...] o motivo do artefato estar no local em que se deram os fatos é irrelevante, pois incontroverso que foi o próprio pronunciado recorrente que pegou a arma e a manuseou perante seus convidados". (Evento 22).

Em caso semelhante, já se manifestou este Sodalício:

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA. RETIRADA DOS ADOLESCENTES DA SALA DE AUDIÊNCIA DURANTE A OITIVA DA SUPOSTA VÍTIMA. POSSIBILIDADE. ART. 217 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRESENÇA DO DEFENSOR DOS REPRESENTADOS QUE NÃO IMPLICOU QUALQUER MÁCULA. INDEFERIMENTO DE PERGUNTAS PELA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO AO REPELIR ARGUIÇÕES QUE ENTENDA IRRELEVANTES. ART. 212 DO CPP. [...]. (Apelação n. 0012118-26.2015.8.24.0038, de Joinville, Quarta Câmara Criminal, Rel. Des. Rodrigo Collaço, j. em 19/05/2016).

Assim, afasta-se a nulidade aventada.

II - Dos pleitos de impronúncia e de desclassificação

O recorrente almeja a impronúncia, ao argumento de ausência de dolo eventual. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do crime para o de lesão corporal seguida de morte, sob a tese que não haveria demonstração do suposto ânimo homicida que teria guiado sua conduta.

É cediço que, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, tratando-se de procedimento criminal de competência do Tribunal do Júri, necessário, para proceder-se à pronúncia do acusado, apenas a prova da materialidade do delito e...

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