Acórdão Nº 5026568-70.2020.8.24.0018 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 24-03-2022

Número do processo5026568-70.2020.8.24.0018
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5026568-70.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: MARIA FRANCISCA DE QUADROS VEBER DO NASCIMENTO (AUTOR) ADVOGADO: MATHEUS FERNANDO REGINATO (OAB SC025859) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 31), em atenção aos princípios da celeridade e da economia processuais, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

Cuida-se de ação de rito comum, em que são partes as acima indicadas, ambas já qualificadas nos autos.

Como fundamento da pretensão, aduziu a parte autora, em suma: a) formalizou com o requerido contrato de empréstimo consignado, com descontos das parcelas diretamente de seu benefício previdenciário; b) não obstante, constatou que estavam sendo descontados valores a título de reserva de margem de cartão de crédito, diferentemente do que acreditava ter contratado; c) somente posteriormente tomou conhecimento da natureza do instrumento firmado, produto que, entretanto, não solicitou ou quis contratar na realidade; d) houve simulação de contratação de cartão de crédito consignado, sem que pudesse escolher a margem que seria reservada; e) da forma como contratada, a dívida é impagável; f) a conduta do banco réu foi arbitrária e houve na espécie prática de ato ilícito, o que acarretou danos morais e materiais. Com base em tais premissas, postulou pela declaração de invalidade da contratação, restituição dos valores pagos indevidamente, com posterior abatimento do montante por ela recebido, além de condenação em danos morais.

O réu contestou, arguindo, igualmente em resumo: a) houve regular e livre contratação de cartão de crédito consignado, tendo havido saque do limite do cartão, cujo montante restou creditado na conta bancária da parte demandante; b) nessa modalidade há o desconto diretamente do benefício do valor mínimo da fatura do cartão, sendo que deve a diferença de tal montante com o valor da fatura deveria ser liquidado regularmente pelo tomador do empréstimo; c) todas as informações a respeito foram devidamente feitas à parte autora, não havendo falha nesse sentido, decorrendo disso que todos os encargos incidentes são legítimos; d) é lícita a reserva da margem consignável para cartão de crédito, nos termos da legislação em vigor; e) não há, por conseguinte, se falar em dano moral ou restituição do indébito; f) caso haja desfazimento do contrato firmado, há necessidade de devolução do valor do crédito recebido referente ao saque, sob pena de enriquecimento ilícito da parte autora. Ponderou, portanto, pela rejeição do pedido inaugural, com a condenação da parte autora nos ônus da sucumbência. Também juntou documentos.

Seguiu-se réplica.

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. MAIRA SALETE MENEGHETTI, da 4ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, julgou improcedentes os pedidos iniciais, por entender válido o contrato firmado entre as partes, cujo excerto dispositivo transcrevo abaixo (Evento 31):

Assim sendo, rejeito os pedidos formulados na inicial e, com fundamento no inciso I do artigo 487 do CPC, decido o processo com apreciação do mérito.

Via de consequência, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais arbitro equitativamente em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja execução deverá observar o disposto no § 3º do artigo 98 do Novo Código de Processo Civil, uma vez que é beneficiária da justiça gratuita.

Publique-se. Registre-se e intimem-se.

Transitada em julgado, arquive-se.

Da Apelação

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, a parte Autora, ora Apelante, interpôs recurso de Apelação (Evento 36), no qual reedita os argumentos lançados à petição inicial, ressaltando que, após a celebração de contrato de empréstimo consignado, foi surpreendido com os descontos de reserva de margem consignável (RMC) de cartão de crédito.

Pugna a reforma da decisão recorrida, uma vez que a conduta perpetrada pelo Apelado é contrária às regras de proteção ao consumidor, por violar o direito à informação expresso no art. 6º, III, do CDC.

Argumenta que há prática abusiva do Apelado, a qual está comprovada pela ocorrência de onerosidade excessiva.

Por conta disso, pretende o reconhecimento da ilegalidade da contratação, com a consequente declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes, com a condenação do Apelado à restituição dos valores indevidamente descontados na forma simples.

No que se refere ao dano moral, sustenta que o ato ilícito está configurado, diante da ilicitude praticada pelo Apelado, sendo o abalo moral, portanto, presumido.

Por fim, requer a reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial, reconhecendo a fraude contratual existente na presente relação jurídica, aliada com a falta de informação prestada, ausência de utilização do cartão de crédito e descontos indevidos do benefício previdenciário do Apelante, o qual utiliza para sua subsistência. Pleiteia a condenação do Banco ao pagamento de dano material das parcelas mensais descontadas, bem como dano moral pelo ato ilícito cometido. Ainda, pugna para condenar a Instituição Financeira ao pagamento das custas e dos honorários sucumbenciais.

Das contrarrazões

Devidamente intimado, o Apelado apresentou contrarrazões (Evento 41).

Ascenderam os autos ao Tribunal de Justiça.

Após a redistribuição, vieram-me conclusos para julgamento.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

II - Do julgamento do recurso

Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA FRANCISCA DE QUADROS VEBER DO NASCIMENTO, contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na presente ação condenatória ajuizada em desfavor do BANCO PAN S.A., ora Apelado.

a) Da nulidade contratual

Inicialmente, imperioso destacar que a relação existente entre as partes está sob o albergue do Código de Defesa do Consumidor, subsumindo-se Apelante e Apelado aos conceitos de consumidor e fornecedor prescritos nos artigos 2° e 3°, ambos do Diploma Protetivo.

Ademais, quanto à aplicabilidade das normas consumeristas às instituições financeiras, incide na espécie a Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Superada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, passo à análise da discussão vertida nos autos.

No caso em comento, a parte Apelante alega que firmou contrato de empréstimo consignado, com desconto direto em seu benefício previdenciário, tendo sido surpreendido, porém, com desconto diverso, atinente à reserva de margem consignável de cartão de crédito (RMC).

Por seu turno, em contestação, defende a Instituição Financeira a regularidade da contratação, a legalidade na reserva de margem consignável (RMC), além da inexistência de dano moral indenizável.

Pois bem.

Pois bem, da análise da documentação constante nos autos, verifico que a parte Apelante celebrou com o Apelado, na data de 09/11/2015, "Termo de Adesão ao Regulamento pra Utilização do Cartão de Crédito Consignado PAN" (Evento 23 - OUT2), sob o n. 708151904, acompanhado de "Solicitação de Saque", no valor de R$ 1.063,80 (Evento7 -FATURA2 - fl. 01), acreditando, segundo alega, ter contratado empréstimo consignado com descontos mensais em seu benefício previdenciário.

Da documentação colacionada pela parte Apelante, denoto que, além de outros empréstimos consignados, consta o desconto sob a rubrica "Reserva de Margem para Cartão de Crédito, no valor de R$ 46,85, referente ao pacto entabulado (Evento 1 - OUT6 e OUT7).

Em que pese o Banco Apelado tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa de reserva consignável, tal fato, por si só, não comprova a sua validade. É inconteste o defeito na prestação de serviço, pois, decorre da análise detida dos autos, que não foram prestadas informações claras e suficientes pela Instituição Financeira acerca da modalidade de tomada de crédito que estava sendo pactuada e as suas consequências, o que fez com que o Apelante contratasse operação mais onerosa e diversa daquela que pretendia.

Aliás, a controvérsia "cinge-se à falta de informação da operação bancária ao adquirente do crédito: se este detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais" (TJSC, Apelação Cível n. 0308281-70.2017.8.24.0020, de Meleiro, rel. Des. MONTEIRO ROCHA, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 21/02/2019).

Em caso análogo, este Órgão Julgador entendeu que:

Em que pese tal documentação conferir substrato à celebração de negócio jurídico entre as partes, as circunstâncias do caso evidenciam a existência de vício de consentimento do consumidor, decorrente da ausência de informação clara e adequada, e a ocorrência de prática abusiva perpetrada pela casa bancária, contexto que enseja a nulidade contratual.

Isso porque, muito embora as avenças de cartão de crédito e de empréstimo consignado sejam modalidades contratuais distintas, a forma como a instituição financeira realizou a contratação de cartão de crédito consignado na presente hipótese...

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