Acórdão Nº 5026579-85.2022.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 01-11-2022

Número do processo5026579-85.2022.8.24.0000
Data01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5026579-85.2022.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) AGRAVADO: PEDRO ORLANDO MUNIZ (RÉU) AGRAVADO: ALTERMED MATERIAL MEDICO HOSPITALAR LTDA (RÉU) AGRAVADO: BIODENTE MATERIAIS ODONTOLOGICOS LTDA (RÉU) AGRAVADO: PAULO CORREIA (RÉU) AGRAVADO: RIOMED DISTRIBUICAO LTDA (RÉU) AGRAVADO: ARISTORIDES MENDES (RÉU) AGRAVADO: DENILSON NOVAK (RÉU) AGRAVADO: METROMED COM DE MATERIAL MEDICO HOSPITALAR LTDA (RÉU) AGRAVADO: PLANALTO COMERCIO DE MATERIAIS CIRURGICOS LTDA (RÉU) INTERESSADO: MUNICÍPIO DE RIO DO CAMPO (INTERESSADO)

RELATÓRIO

O Ministério Público de Santa Catarina interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Rio do Campo que, nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n. 0900023-12.2015.8.24.0143, movida em desfavor de Pedro Orlando Muniz, Biodente Materiais Odontológicos Ltda, Paulo Correia, Riomed Distribuição Ltda, Aristorides Mendes, Denilson Novak, Metromed Comércio de Material Médico Hospitalar Ltda e Planalto Comércio de Materiais Cirúrgicos Ltda, julgou parcialmente extinto o feito, pelo reconhecimento da prescrição intercorrente, quanto às sanções de improbidade administrativa (evento 273, DESPADEC1).

Em suas razões, alega "a inaplicabilidade das modificações trazidas com a vigência da Lei nº 14.230/21 aos processos ajuizados anteriormente à sua publicação, por força do princípio da irretroatividade das leis estabelecidos no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)". Defende que a "recém criada prescrição intercorrente" deve se restringir aos processos deflagrados sob a égide da nova lei, de modo que "o prazo marcado em lei (4 anos) não poderá fluir de modo retroativo em relação às ações em curso". Assevera ainda, que o reconhecimento da prescrição intercorrente exige a paralização injustificada do processo, o que não ocorre nos presentes autos. Por fim, tece considerações a respeito dos prazos de tramitação das demandas de improbidade. Requer a reforma integral do decisum, com o afastamento da causa extintiva e o prosseguimento da demanda (evento 1, INIC1).

O recurso foi admitido (evento 3, DESPADEC1).

Os Agravados Biodente Materiais Odontológicos Ltda, Metromed Comércio de Material Médico Hospitalar Ltda, Pedro Orlando Muniz e Paulo Correa apresentaram contraminuta (evento 16, CONTRAZ1, evento 18, CONTRAZ1 e evento 19, CONTRAZ1).

Houve manifestação da PGJ.

Este é o relatório.

VOTO

A admissibilidade do recurso já foi realizada, sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, quando da apreciação do pleito de antecipação da tutela recursal.

Ab initio, registre-se que desnecessária a intimação de réu revel para apresentação de contrarrazões. Neste sentido: TJSC - Agravo de Instrumento n. 5030974-91.2020.8.24.0000, Rela. Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de Direito Público, data do julgamento: 07.07.2022).

Quanto ao mérito, o recurso comporta provimento.

Na origem, cuida-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público de Santa Catarina contra Pedro Orlando Muniz, Biodente Materiais Odontológicos Ltda, Paulo Correia, Riomed Distribuição Ltda, Aristorides Mendes, Denilson Novak, Metromed Comércio de Material Médico Hospitalar Ltda e Planalto Comércio de Materiais Cirúrgicos Ltda.

A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos (evento 273, DESPADEC1):

"[...] A Lei n. 14.230, promulgada no dia 25 de outubro de 2021, alterou significativamente a Lei de Improbidade Administrativa, ao ponto de podermos afirmar que se trata de uma legislação completamente nova.

O rol de condutas que configuram atos de improbidade administrativa passou a ser taxativo, e não mais exemplificativo; extinguiram-se condutas culposas e exigiu-se dolo específico (vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado e obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem ou entidade); alteraram-se prazos prescricionais; limitou-se a legitimidade para a propositura da demanda; modificaram-se as sanções e os requisitos para indisponibilidade de bens; entre outras situações.

A polêmica que surge, porém, tal qual se verifica nos presentes autos, é se tais modificações, em especial aquelas relativas ao direito material, são aplicáveis às ações de improbidade administrativa já propostas.

Tenho que se deve partir da premissa de que a Lei de Improbidade Administrativa é regida pelos princípios do Direito Administrativo Sancionador, o que, inclusive, apesar de aceito pela doutrina antes da modificação legislativa, foi positivado no § 4º do art. 1º da Lei n. 8.429/92 ("§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador").

O Direito Administrativo Sancionador, basicamente, trata do estudo da sanção administrativa. E para entender melhor o tema, importante trazer o conceito elaborado por Fábio Medina Osório:

Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo. A finalidade repressora, ou punitiva, já inclui a disciplinar, mas não custa deixar clara essa inclusão, para não haver dúvidas (Direito Administrativo Sancionador. 6ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 105).

Todavia, como toda sanção, há necessidade de limitações, que podem ser materializadas por meio de princípios. E é aqui que ocorre a aproximação principiológica entre o Direito Penal e o Direito Administrativo, como lembram Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Flávio Amaral Garcia:

O Direito Punitivo estatal, tanto no Direito Penal como no Direito Administrativo, se funda sobre um conjunto de princípios e regras garantidoras de direitos dos administrados e dos cidadãos que, apesar das diferentes formas de aplicação, a depender de se tratar de infração penal ou administrativa, informa o ius puniendi estatal. Sem a observância de tais normas a atividade punitiva estatal se torna ilegítima e arbitrária (...) Com efeito, é no conceito de Estado Democrático de Direito e no de legitimidade da ação estatal que o Direito Administrativo Sancionador encontra o seu núcleo fundamental, com a necessária e indispensável preocupação de contenção do poder aplicado pelo Estado (A principiologia no direito administrativo sancionador. Revista eletrônica de direito administrativo econômico, Salvador, n. 28, nov./jan. 2011/2012).

Deveras, é inegável o caráter sancionador da das ações civis públicas fundadas na Lei de Improbidade Administrativa a aproximá-las analogicamente das ações penais, como, aliás, já reconhecido pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ACP PROMOVIDA PELO MPF COM SUPORTE EM ALEGADOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA TIPIFICADOS NO ART. 9, I E VII (PROVEITO PESSOAL ILÍCITO), E 11 (OFENSA A PRINCÍPIOS REITORES ADMINISTRATIVOS) DA LEI 8.429/1992. SUPOSTA CONDUTA ÍMPROBA PRATICADA POR AGENTES PÚBLICOS, PARTICULARES E EMPRESAS, QUE TERIAM ATUADO PARA AMPLIAR AS MARGENS CONSIGNADAS DE SERVIDORES PÚBLICOS, O QUE INSUFLARIA AS CONTRATAÇÕES DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS, RAZÃO PELA QUAL MERECERIAM AS REPRIMENDAS DA LEI 8.429/1992. PRETENSÃO DO RECORRENTE DE QUE A AÇÃO SEJA EXTIRPADA EM SEU PÓRTICO. CONTUDO, AS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DEIXARAM EXPRESSAMENTE REGISTRADO QUE A CAUSA POSSUI ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 17, § 8o. DA LEI 8.429/1992. AGRAVO INTERNO DO IMPLICADO DESPROVIDO.[...]2. Efetivamente, as Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa, por possuírem o peculiar caráter sancionador estatal, assemelham-se às ações penais e exigem, dessa maneira, um quarto elemento para o preenchimento das condições da ação - e consequente viabilidade da pretensão do autor: a justa causa, correspondente a um lastro mínimo de provas que comprovem materialidade e indícios de autoria do recorrente.[...]4. Agravo Interno do Implicado desprovido.(AgInt no AREsp 1148753/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 09/12/2020)

No que interesse ao presente caso será abordado especificamente o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", e também na art. 9º da Convenção Americana sobre...

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