Acórdão Nº 5026734-23.2021.8.24.0033 do Quarta Câmara Criminal, 28-04-2022

Número do processo5026734-23.2021.8.24.0033
Data28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5026734-23.2021.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

RECORRENTE: JUCIANO MARINHO GOMES (ACUSADO) ADVOGADO: NELVANI APARECIDA DE SOUZA (OAB SC028029) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: SANDRA APARECIDA GOMES DE OLIVEIRA (ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO) ADVOGADO: MARCELO AUGUSTO CORDEIRO

RELATÓRIO

Na comarca de Itajaí, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Juciano Marinho Gomes, imputando-lhe a prática dos delitos capitulados no art. 121, § 2º, I, IV e VI, c/c o § 2º-A, II, do Código Penal e art. 306, caput, da Lei n. 9.503/97, na forma do art. 69 do CP, pois, segundo consta na inicial:

No dia 10 de outubro de 2021, por volta das 21h30min, na Rua José Luiz Marcelino, bairro Cordeiros, Itajaí, a vítima Vanessa Tamyres de Oliveira Machowski conversava na via pública com seu namorado Thiago Linhares da Veiga, que se encontrava na cabine de seu caminhão, estacionado em frente à sua residência.

Em determinado momento, o denunciado Juciano Marinho Gomes, que passava por ali conduzindo o seu automóvel da marca Hyundai, modelo Tucson, placas HYD0J96, com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, parou ao lado da jovem vítima e assediou-a verbalmente, chamando-a de "gostosa" e outras palavras desrespeitosas.

Insatisfeito com a situação, Thiago Linhares da Veiga deixou a cabine do seu caminhão, momento em que o denunciado parou alguns metros à frente e desceu de seu carro, iniciando-se uma discussão entre os dois.

Encerrada a discussão, o denunciado deixou o local conduzindo o seu veículo, ainda com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, sem demonstrar qualquer preocupação com a vida alheia.

Alguns minutos depois, o denunciado Juciano Marinho Gomes retornou ao local conduzindo o seu veículo em alta velocidade e, agindo com evidente animus necandi, acelerou em direção à vítima, prensando-a contra o caminhão e causando-lhe as lesões descritas no laudo pericial de n. 2021.08.11084.21.002-00, as quais foram a causa eficiente de sua morte.

Registre-se que o crime aconteceu por motivo torpe, já que se tratou de um revide do denunciado por ter a vítima ignorado seu assédio.

Ademais, o denunciado utilizou de recurso que dificultou a defesa da vítima, ao retornar inesperadamente ao local em alta velocidade com seu automóvel para atropelá-la, colhendo-a de surpresa enquanto conversava com seu namorado.

Por fim, o crime se deu contra mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio), tendo em vista o menosprezo pelo denunciado à condição de mulher da vítima (Evento 1, DENUNCIA1).

Finalizada a fase do judicium accusationis, o Magistrado a quo julgou admissível o pedido formulado na denúncia, para, com fulcro no art. 413 do Código de Processo Penal, pronunciar o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, I, IV e VI c/c o § 2º-A, II, do CP e art. 306, caput, do CTB, e submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri (Evento 160, SENT1, autos originários).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso em sentido estrito, mediante o qual postulou a impronúncia quanto ao delito contra a vida, tendo em vista a insuficiência de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação para a conduta prevista no art. 302 do CTB. Pugnou, ainda, pelo afastamento das qualificadoras do motivo torpe, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio, "por falta de animus necandi e pelo fato de que foi baseado em meros indícios que foram refutados pelo réu". Por fim, quanto ao crime previsto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, pediu a absolvição por ausência de provas da materialidade delitiva (Evento 171, RSE1, autos originários).

Apresentadas as contrarrazões (Evento 177, CONTRAZ1 e Evento 184, CONTRAZ1), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso e, nessa extensão, pelo seu não provimento (Evento 13, PROMOÇÃO1).

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1 Inicialmente, o acusado postula a impronúncia por insuficiência de provas, alegando que o episódio consistiu em um infeliz acidente de trânsito que resultou no óbito da vítima.

Razão, contudo, não lhe assiste.

De partida, convém registrar que, como é cediço, em se tratando do procedimento criminal de competência do Tribunal do Júri, para a pronúncia do acusado é suficiente que se constate prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria (art. 413 do Código de Processo Penal).

Isso porque se trata de uma decisão interlocutória, de caráter processual que, encerrando a fase de formação da culpa, tem por objetivo simplesmente julgar a admissibilidade da imputação para fins de submissão do acusado a julgamento popular.

Para tanto, nessa etapa do procedimento escalonado, quanto à prova produzida, procede-se a uma operação cognitiva não exauriente, já que não se pode exigir a formação de um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade fundada.

Como consequência de seu caráter meramente declaratório, logicamente, não se pode exigir prova plena acerca da autoria delitiva, até porque, havendo dúvida razoável a respeito, uma vez presente prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, deverá ela ser solucionada pelo juízo natural dos crimes contra a vida.

Acerca do tema, Fernando da Costa Tourinho Filho explica:

Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual (mesmo porque não faz coisa julgada), em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento (Código de processo penal comentado. v. 2. 15. ed. Saraiva: São Paulo, 2014. p. 80).

Na mesma linha de raciocínio, assinala Renato Brasileiro de Lima:

Assim, se o juiz sumariante estiver convencido da existência do crime e da presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve pronunciar o acusado, de maneira fundamentada. Há na pronúncia um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência (Manual de Processo Penal. 4. ed., Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1336).

A decisão de impronúncia, por sua vez, somente subsiste no caso de o magistrado não se convencer "da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 414 do Código de Processo Penal).

Justamente pelo seu caráter terminativo, que implica no afastamento de competência constitucional, a impronúncia é medida excepcional, que deve ser reservada às hipóteses em que sequer é possível reconhecer a probabilidade de sucesso da pretensão acusatória.

No caso, a despeito da argumentação defensiva, destaca-se que a materialidade delitiva está comprovada suficientemente por meio dos documentos que compõem o inquérito policial n. 5026500-41.2021.8.24.0033 (Evento 1, P_FLAGRANTE1), dos quais se extraem o auto de prisão em flgrante (fl. 2), boletim de ocorrência (fls. 3-7), auto de exibição e apreensão (fl. 12), termo de entrega (fl. 13), as filmagens registradas por câmera policial (Evento 36, OUT1-OUT5); pelos documentos acostados aos autos originários, laudo pericial cadavérico (Evento 1, PROMOÇÃO2) e laudo pericial em veículo automotor (Evento 21, LAUDO1); e pela prova oral coligida ao longo da instrução processual.

De igual maneira, extraem-se dos autos elementos de convicção que indicam a existência de indícios suficientes quanto à autoria.

O policial militar Guilherme Augusto Bonafin, responsável pelo atendimento à ocorrência, declarou na fase judicial (depoimento audiovisual, Evento 99, VÍDEO1, autos originários):

[...] Na data, a guarnição foi acionada via Central de um suposto atropelamento com vítima, em que a vítima estaria muito ferida ou já estaria em óbito, e que o motorista do veículo havia se evadido do local; nós estávamos uns cinco minutos de onde tudo aconteceu o fato, quando faltava umas duas quadras pra chegar, a gente cruzou com o ASU; aí, o militar que estava dirigindo a viatura já falou assim, "Ela está em estado bem grave! Foi um atropelamento, e o namorado dela está ali na próxima quadra, ele estava junto na situação, e viu o que aconteceu."; se deslocamos até ali, e se não me engano o nome dele era Thiago - o namorado da vítima, e em conversa com ele, o que foi relatado foi o seguinte, que o cidadão passou com a Tucson num primeiro momento na rua ali, e o Thiago estava dentro da cabine do caminhão porque ele é caminheiro, e estava discutindo com a namorada que estava fora da cabine, conversando sobre o relacionamento ou alguma coisa assim; nessa, passou essa Tucson, parou do lado da feminina/da vítima, abaixou o vidro e mexeu com ela; pelo que eu lembro, na época, o Thiago utilizou a palavra "gostosa", acho que ele chamou ela de "gostosa", tentou passar a mão na bunda, alguma coisa assim, ele falou; nessa ele desceu do caminhão, o Thiago desceu do caminhão, e ele falou que a Tucson foi um pouco pra frente, foi até a esquina, foi uns vinte metros pra frente assim; aí desceu para tirar satisfação, para conversar, "Que isso cara, você parou aí pra mexer com minha namorada e tal!", e nessa o motorista da Tucson, ele desceu do veículo com sinais fortes de embriaguez, estava com dificuldade de parar em pé, e querendo discutir; aí que o Thiago disse que ele falou assim, "Não!, Eu vi que o cara estava muito embriagado, não ia levar em nada a discussão, a gente ir para agressão física, e eu falei assim pra ele: "Cara, entra no carro e vai embora que é...

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