Acórdão Nº 5026859-73.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 09-06-2022

Número do processo5026859-73.2021.8.24.0038
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5026859-73.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: FREDOLINO PAULINO (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

FREDOLINO PAULINO e BANCO BMG S.A interpuseram recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Fernando Seara Hickel, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória, em curso perante o juízo da 2º Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, que julgou procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

I - FREDOLINO PAULINO propôs ação conhecimento submetida ao procedimento comum contra BANCO BMG S.A por meio da qual requer a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a repetição em dobro do montante descontado indevidamente; e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Para tanto, alegou que i) contratou um empréstimo consignado com a parte ré; ii) por meio do pacto, vem sofrendo descontos excessivos em seu benefício previdenciário, sob a denominação "reserva de margem consignável"; iii) referida cobrança está relacionada a suposto cartão de crédito; iv) não contratou a aquisição de cartão de crédito da parte ré, tampouco autorizou os descontos; v) a cobrança é ilícita e configura a prática de venda casada.

Recebida a petição inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça.

Na contestação, BANCO BMG S.A arguiu, em preliminar, as teses aventadas, conforme resposta do réu. No mérito, alegou que i) a parte autora, diversamente do que alega, não firmou contrato de empréstimo consignado, mas sim "termo de adesão cartão de crédito consignado"; ii) ela estava ciente de todas as cláusulas e especificações contratuais; iii) está comprovada a formalização do contrato de cartão, bem como a expressa autorização para a reserva de margem consignável de acordo com o limite de 5% estabelecido para beneficiários do regime geral de previdência; iv) por se tratar de um cartão consignado, o banco realiza o desconto mínimo em folha, cabendo ao cliente o pagamento do restante via fatura enviada para o seu endereço; v) o não pagamento do valor integral da fatura do cartão acarreta a incidência de encargos sobre o saldo devedor, conforme previsão contratual; vi) não praticou ato ilícito, sendo indevidos os pedidos de indenização por danos morais e de repetição do indébito. Requereu a rejeição do pedido com a inversão dos ônus sucumbenciais.

Ambas as partes juntaram documentos.

Houve réplica.

É o relatório.

II - Fundamento e decido.

1. É desnecessária a produção de outras provas além das documentais já materializadas nos autos (art. 443, inc. I, do CPC). Assim, julgo antecipadamente o pedido (art. 355, inc. I, do CPC).

2. A parte ré arguiu a preliminar de ausência de interesse processual por meio da qual defende a ausência de demonstração do dano.

O interesse processual (que é secundário) tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para a obtenção da satisfação do interesse substancial (primário). Nesse sentido: LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v. 1, p. 154-5.

O seu exame passa pela verificação de duas circunstâncias: utilidade e necessidade. Quanto à primeira, "[a] providência jurisdicional reputa-se útil na medida em que", em tese, se revele "apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente". Em tais casos, é comum referir-se a "perda do objeto" (ex.: obrigação cumprida "antes da citação do réu"). Relativamente à "necessidade da jurisdição", esta se fundamenta "na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada como última forma de solução de conflito". Nas ações condenatórias, a propósito, "o autor deve afirmar a existência do fato constitutivo do seu direito (causa ativa), bem como o fato violador desse direito", uma vez que a "existência [do direito] é questão de mérito" (Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011. v. 1: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. p. 218-9).

Dessa maneira, a ocorrência ou não de dano é questão de mérito, bastando, para que se configure a presença do requisito do interesse processual, a narração da ocorrência do fato (desconto em seu benefício previdenciário) e do fundamento (ausência de contratação de cartão de crédito).

Não bastasse, o acionamento do Poder Judiciário era mais do que necessário, nos termos do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição, sobretudo diante do oferecimento de contestação por meio da qual se pugnou pela rejeição do pedido.

Por tais razões, afasta-se a preliminar.

3. A parte ré arguiu, ainda, a preliminar de falta de interesse processual por ausência de pretensão resistida, diante da não utilização de meio extrajudicial para solução da demanda.

Ocorre que não há necessidade de prévio requerimento administrativo para a solução da presente lide.

Outrossim, o interesse de agir é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro binômio "necessidade da tutela jurisdicional" e "adequação do provimento pleiteado".

Logo, percebe-se que desde que a demanda seja necessária, configurado está o interesse de agir.

Pela análise da inicial infere-se que não há qualquer elemento que demonstre a desnecessidade da tutela jurisdicional. A parte autora pretende a análise do contrato efetuado com a instituição financeira ré, demonstrando ser acertada a propositura de ação judicial para tanto.

Por tais razões, afasta-se a preliminar.

4. A instituição bancária arguiu em sua contestação que a exordial é inepta.

A irresignação não merece prosperar. Isso porque a exordial preenche os requisitos previstos nos arts. 319 e 320 do CPC, apresentando coerência entre os fatos, o fundamento jurídico e o pedido.

Assim, não há falar em inépcia da peça pórtica.

5. A parte ré sustenta que o patrono da parte autora possui inúmeras ações ajuizadas contra ela apenas neste estado, o que caracteriza indício da infração disciplinar regulada pelo art. 34, inc. IV, da Lei n. 8.906/94.

Todavia, não se tratando de infração penal, não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se na atividade profissional alheia, porque a punição administrativa é de competência exclusiva dos Órgãos de Classe, mediante denúncia dos interessados.

Além disso, entendo que é completamente desprovido de fundamento o argumento de que o procurador da parte autora ajuíza repetidas ações idênticas à presente demanda, identificadas como demandas fraudulentas e predatórias. O advogado simplesmente atua defendendo uma tese combatida diariamente em todas as unidades bancárias do Brasil.

Ademais, se assim for, o prejudicado seria o consumidor, que não poderia levar à juízo a presente demanda porque o advogado já teria ações idênticas tramitando. Ações estas que ordinariamente são procedentes, em todo o país.

Outrossim, a petição inicial foi instruída com instrumento de mandato (evento 1, procuração 2), cuja assinatura não foi especificamente impugnada pela parte ré, o que afasta a tese de desconhecimento da parte autora acerca da propositura da presente ação.

Por esse motivo, indefiro o requerimento formulado pela demandada para expedição de ofícios, cabendo à própria parte, caso seja de seu interesse, levar os fatos, com as provas de que disponha, ao conhecimento das autoridades competentes, sendo desnecessária a intervenção do Juízo.

Ainda, indefiro o pedido de condenação do procurador da parte autora em litigância de má fé, porquanto não restaram configuradas nenhuma das hipóteses ensejadoras do seu reconhecimento, previstas no art. 80 do CPC.

6. Passo ao exame do mérito.

6.1. Como de conhecimento, o postulado da segurança jurídica deve guiar a atividade forense, proporcionando aos jurisdicionados estabilidade nos posicionamentos da unidade de forma a evitar constantes alterações de entendimento.

No meu sentir, assegurar um posicionamento estável, íntegro e coerente, além de constituir um norte para todos os graus de jurisdição, permite em certa medida que o Magistrado contribua na solidificação da jurisprudência do Tribunal ao qual está vinculado, ainda que o tema guarde suas controvérsias.

E sob essas premissas, julgo ser este o momento mais adequado para rever a posição da unidade acerca das ações que versam sobre o cartão de crédito com reserva de margem consignável, afinal, a questão clama por uma solução mais alinhada ao entendimento exarado pela maioria das Câmaras de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

6.2. Superada essa breve explanação, destaca-se que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie é medida que se impõe, não só pela menção aos serviços "de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária" (art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90) -- cujo trecho foi considerado constitucional pelo STF (ADI 2591, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 7/6/2006, DJ 29/9/2006, p. 31) --, mas também pelo disposto no Enunciado n. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Consequentemente "é cabível a inversão do ônus da prova", uma vez que, sendo "direito básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que se apresentem abusivas, impõe-se se lhe assegure a "facilitação da defesa de seus direitos" (art. 6º, V e VIII, do CDC). (TJSC, Apelação Cível n. 2004.036107-2, de Tubarão, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 28/2/2008).

6.3. Compulsando os autos, restou comprovado que a parte autora vem sofrendo descontos mensais em seus proventos a título de "reserva de margem consignável" por ato da parte ré (cf. evento n. 1).

A parte autora alega que tencionava contrair um empréstimo consignado comum, sem esboçar qualquer intenção de obter um cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Pois bem...

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