Acórdão Nº 5027267-81.2021.8.24.0000 do Órgão Especial, 21-07-2021

Número do processo5027267-81.2021.8.24.0000
Data21 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão










Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5027267-81.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador RICARDO FONTES


AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis


RELATÓRIO


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra a Lei n. 18.114, de 13 de maio de 2021, do Estado de Santa Catarina, por violação aos artigos 1º, inciso IV; 10, inciso XV; 32, caput; 50, § 2º, inciso IV; 71, inciso IV, alínea "a"; 123, inciso I; 187; e 188, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, que guardam consonância com os artigos 1º, inciso IV; 24, inciso XV; 2º; 61, § 1º, inciso II, alínea "a"; 84, inciso VI, alínea "a"; 167, inciso I; e 227, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Sustenta o órgão ministerial, em síntese, que "o objeto da presente ação é a declaração de inconstitucionalidade das previsões constantes na Lei n. 18.114/2021, que violam a iniciativa do Chefe do Poder Executivo Estadual para deflagrar processo legislativo sobre servidores públicos e não previsto no orçamento anual (artigos 32, caput; 50, § 2º, inciso IV; 71, inciso IV, alínea "a"; 123, inciso I, todos da CESC/89); usurpam a competência da União para editar normas gerais sobre infância e juventude (10, inciso XV, da CESC/89); afrontam, em tese, o princípio republicano da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CESC/89) e da proteção integral da criança e do adolescente (artigo 187 e 188, da CESC/89).".
Alega que a referida legislação, porquanto não observa a competência constitucional legislativa, carece de vício formal - a matéria da norma consiste em tema reservado à iniciativa do Chefe do Poder Executivo:
Ao editar lei impondo obrigações diretamente à Administração Pública Estadual, disciplinando: (a) a organização e funcionamento das unidades socioeducativas do Estado; (b) permissão e o uso de esquipamentos de proteção individual e instrumentos de menor potencial ofensivo pelos Agentes de Segurança Socioeducativos; e (c) a responsabilidade destes servidores pelo excesso de seus atos; o Poder Legislativo Catarinense acabou por ultrapassar o seu campo normativo, interferindo na disciplina da organização administrativa, regime jurídico dos servidores, além de criar despesas sem prévia dotação orçamentária, ao impor a aquisição de equipamentos. Isto porque dispôs sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo Estadual, contrariando o disposto no artigo 50, § 2º, inciso IV (fixa as matérias cuja iniciativa compete exclusivamente ao Governador do Estado), combinado com o artigo 716 , inciso IV, alínea "a", (trata das atribuições privativas do Governador do Estado) e artigo 123, inciso I 7 , (veda o início de projeto não previsto no orçamento anual) todos CESC/89.
Aduz que se verifica, ainda, ofensa à competência concorrente - normas gerais à União e regras suplementares ao Estado - para legislar sobre proteção à infância e juventude:
A Lei n. 18.114/2021, do Estado de Santa Catarina, subverte esta ordem, esquecendo o foco da norma: a proteção integral da criança e do adolescente, aqui incluídas as integridade física e psicológica dos adolescentes segregados. Em um leitura sistemática da lei federal que disciplinou a proteção da infância e juventude não se encontra a permissão para o "uso protetivo da força dentro das unidades de atendimento do sistema sócioeducativo", ainda que estejam norteados pelos princípios da "legalidade, necessidade e razoabilidade e proporcionalidade", nos termos do artigo 6º, da lei questionada. Não existe "legalidade", que legitime o uso instrumentos de "menor potencial ofensivo", que possuem "menor indícios" de causar o evento morte ou lesões permanentes, ou mesmo de "risco de debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas", ainda que segundo expressado na norma seja de "baixa probabilidade". A possibilidade da ocorrência destes eventos, morte, lesão corporal e sequelas físicas ou psicológicas existe, e a própria lei tenta torná-los legalizados, contrariando todo intuito e princípios que regem a proteção dos adolescentes.
Sustenta existir, enfim, violação a princípios constitucionais e direitos fundamentais - lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção integral da criança e do adolescente; circunstância que configura vício de ordem material.
Requer, por isso, liminarmente, o deferimento do pedido cautelar de suspensão da Lei Estadual n. 18.114/2021. No mérito, pleiteia "a procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 18.114, de 13 de maio de 2021, do Estado de Santa Catarina, por violação aos artigos 1º, inciso IV; 10, inciso XV; 32, caput; 50, § 2º, inciso IV; 71, inciso IV, alínea "a"; 123, inciso I; 187; e 188 todos da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989.".
Na sequência, foi deferido, ad referendum do Órgão Especial, a medida cautelar, para suspender, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei Estadual n. 12.069/2001, a eficácia da Lei Estadual n. 18.114, de 13 de maio de 2021, até o julgamento definitivo da presente ação direta de inconstitucionalidade. Em razão da relevância do tema, determinou-se, na mesma oportunidade, a aplicação do rito previsto no art. 12 da Lei Estadual n. 12.069 de 27-12-2001.
O Governador do Estado de Santa Catarina informou que
no uso das atribuições que lhe conferem a Constituição Estadual e com fundamento na inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, vetou integralmente o referido projeto de lei, uma vez que compete ao Chefe do Poder Executivo legislar sobre o regime jurídico de servidores públicos e a organização e o funcionamento da Administração Pública, além de ser vedada a criação de despesa sem a prévia consignação na lei orçamentária anual, ofendendo, assim, o disposto no art. 50, §2º, IV e VI, no art. 71, IV, "a", e no art. 123, I, da CE/SC.
O Chefe do Poder Executivo Estadual, ainda, declarou que, com relação ao projeto de lei que deu início à lei ora em questão,
[...] a Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Administração opinou pelo veto do projeto de lei, justificando que a proposição estaria em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Parecer nº 28/2021/COJUR/SEA/SC, SCC 294/2021).
[...] Outrossim, a Procuradoria-Geral do Estado recomendou o veto, no Parecer nº 28/2021, por verificar vícios de inconstitucionalidade pelas seguintes razões: a) Iniciativa legislativa privativa do Governador do Estado sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 50, §2º, IV e VI, da CE/SC); b) Matéria privativa afeta à organização e ao funcionamento da Administração Pública Estadual (art. 71, IV, "a", da CE/SC); c) Violação à separação dos poderes (art. 60, §4º, III, da CRFB); d) Competência da Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa na implementação da política estadual de atendimento socioeducativo, planejamento, formulação, normatização e execução e defesa dos direitos dos adolescentes infratores (art. 30 da Lei Complementar nº 741/2019); e) Criação de despesa pública sem prévia dotação na Lei Orçamentária Anual (art. 123, I da CE/SC).
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, por sua vez, manifestou-se, no sentido que
[...] o Parlamento não invadiu a competência privativa do Governador para deflagrar processo legislativo sobre servidores públicos, tampouco usurpou a competência da União para editar normas gerais sobre infância e juventude. Isso porque a lei em disquisição contempla mera autorização prévia ao Chefe do Poder Executivo Estatal para dispor, mediante decreto, da regulamentação da utilização de equipamentos. Logo, não há nas previsões legais sob invectiva quaisquer imposição de obrigação ou criação de despesa. [...] a norma objeto da presente ação é totalmente cônsona com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5243, proposta em face de lei estadual também de iniciativa...

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