Acórdão Nº 5027295-32.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo5027295-32.2021.8.24.0038
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5027295-32.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: PROCOPIO ANTONIO SILVA CARVALHO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

PROCOPIO ANTONIO SILVA CARVALHO interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Yhon Tostes, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato jurídico e indenizatória por danos morais ajuizada por PROCOPIO ANTONIO SILVA CARVALHO em face de BANCO BMG S.A.

A parte autora sustenta, em apertada síntese, que pretendia firmar com a instituição financeira ré um contrato de empréstimo consignado, porém, acabou contratando sem saber um cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) em sua pensão/aposentadoria.

Afirma que jamais solicitou tal cartão de crédito e que sequer fez uso dele, tendo sido vítima de uma fraude.

Pleiteia, ao final, a declaração de nulidade da contratação do RMC e do cartão de crédito, a devolução dos valores descontados em seu benefício previdenciário sob a rubrica de RMC e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Embora ausente a determinação de citação, a ré compareceu espontaneamente ao feito (evento 9).

Contestação no evento 9, através da qual a instituição financeira ré sustenta que a parte autora realizou a contratação do RMC vinculado a cartão de crédito e, por isso, refutou integralmente os argumentos contidos na inicial e os pedidos nela formulados.

Decisão deferindo a justiça gratuita ao autor e determinando a sua intimação acerca da contestação e documentos apresentados pela parte ré (evento 20).

Réplica no evento 25.

Vieram os autos conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

DAS PRELIMINARES

Registro, desde logo, a impertinência de análise das preliminares suscitadas pela parte ré, uma vez que possível a resolução de mérito em seu favor.

Com efeito, nesse sentido dispõe o art. 282, § 2º, do CPC:

"§ 2o Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta."

Comentando tal dispositivo, Marinoni e Mitidiero ressaltam o seguinte:

"A forma dos atos processuais serve à segurança jurídica e à liberdade das partes. Serve, nesse sentido, à observação de um processo justo (art. 5º, LIV, CRFB). Quando puder decidir de mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da invalidade, o juiz não a pronunciará, não mandará repetir ou retificar o ato, nem tampouco ordenará suprir-lhe a falta. Todo e qualquer vício processual é superável pela possibilidade de prolação de sentença de mérito favorável à parte a quem aproveite a decretação de invalidade (STJ, 1ª Turma, REsp 122.344/MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 01.09.1998, DJ 05.10.1998)." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 294-295).

Trilhando o mesmo norte, é a lição de Didier Jr.:

"Admite-se que o magistrado possa, não obstante um defeito do procedimento (falta de um 'pressuposto processual' de validade), em certos casos (ressalvados o impedimento/suspeição, se a parcialidade ocorrer em favor do réu, e a incompetência absoluta), ignorando-o, avançar no mérito e rejeitar a pretensão do demandante. Isso não causaria qualquer prejuízo ao demandado, muito ao contrário. Assim, por exemplo, o magistrado poderia julgar improcedente o pedido do autor mesmo diante de um defeito da sua petição inicial, como a falta de juntada de documentos indispensáveis, ou a da falta de comprovação do pagamento das custas processuais. Note-se que, mesmo diante de um defeito que gera a nulidade do processo (nulidade absoluta, na linguagem comum dos doutrinadores), o juiz está autorizado a desconsiderá-lo, evitando a nulidade, se puder aproveitar o ato sem causar prejuízo à parte que se beneficiaria com na nulificação. Trata-se de aplicação direta do disposto no art. 282, § 2º, do CPC." (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 408-409) - Destaquei.

O entendimento jurisprudencial do STJ não destoa, cabendo anotar que o art. 249, § 2º, do CPC/73 corresponde ao art. 282, § 2º, do CPC/15:

"TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - PARCELAMENTO - CONVERSÃO DO DEPÓSITO EM RENDA - BLOQUEIO DETERMINADO POR JUÍZO DO TRABALHO - PRELIMINARES SUPERADAS - PRECLUSÃO.

1. Preliminar de inconstitucionalidade da Lei n. 10.684/2003 significa inovação processual, uma vez que não houve pedido neste sentido no Agravo de Instrumento. Preliminar rejeitada.

2. Demais preliminares superadas, sob os auspícios do art. 249, § 2º do CPC.

3. Mérito. Aditamento a recurso é impossível, ante a ocorrência de preclusão.

Recurso especial improvido." (REsp 721.683/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2006, DJ 03/04/2007, p. 217)

Por ocasião do julgamento do REsp 721.683/RN acima mencionado, o Min. Humberto Martins ainda consignou que "a regra involucrada no art. 249, § 2º do CPC aplica-se inteiramente à hipótese dos autos, deixa-se de se apreciar as preliminares em comento, a mercê do mérito do presente recurso ser favorável à Recorrente".

Nesses moldes, cabível analisar as teses meritórias.

Da representação processual

A hipótese suscitada pelo Banco réu se enquadra no inciso IX, do art. 337 do CPC, mais precisamente, a hipótese de defeito de representação ou falta de autorização.

Sobre o ônus da prova, dispõe o art. 373, II, do CPC que incumbe a parte ré quanto "à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

A concentração de um tipo de ação num escritório de advocacia não encontra vedação legal, mas tão somente a captação indevida de cliente, que é uma infração ético-disciplinar, não gerando mácula processual de per si.

Todavia, vale destacar que não é obrigação deste Juízo suspender o curso de uma ação com base em alegação perfunctória despida de maiores fundamentos, acrescido o fato que o próprio Banco réu tem o poder-dever ético e profissional, através de seus representantes legais, de se dirigirem a subseção da OAB e formalizarem as acusações que entenderem pertinentes perante o Conselho de Ética.

E, se acharem que há ocorrência de algo mais grave, caracterizador de figura típica penal, também devem se dirigir ao representante do Ministério Público ou Autoridade Policial competente, lembrando sempre que essa omissão pode ser considerada penalmente relevante (CP, art. 13, § 2º.), quando o agente assumir a responsabilidade de impedir o resultado. Se sabem e possuem documentação configuradora de crime, devem efetuar a comunicação as autoridades competentes criminais, não do cível.

Vale registrar, que há mais de dois mil anos os romanos já diziam que "allegatio et non probatio quasi non allegattio", ou seja, não basta simplesmente sair dizendo algo, mas há que se apresentar um mínimo de prova indiciária do que se está afirmando com a intenção de produzir algum resultado útil legalmente.

No caso, seria a juntada de documentos apontando a existência de ações da parte autora em outros foros de forma fraudulenta; a indicação precisa de como está sendo feita a captação indevida de clientes (num exercício de imaginação, podem ter sido irregularmente localizados até por alguma falha na proteção de dados individuais dos consumidores de serviços bancários da própria instituição financeira) ou apresentação de algo que indique que a parte autora efetivamente não tem o menor conhecimento da procuração outorgada e da ação em andamento.

O Judiciário não pode ser incitado à função de columbofilia, destarte, por completa ausência de prova da ocorrência de crime, rejeito o pedido de expedição de ofício a terceiros.

DO JULGAMENTO DE MÉRITO

Cuida-se de mais uma "ação de massa", qual seja, uma ação anulatória sobre a operação bancária conhecida por "reserva de margem consignada" (RMC), em que a parte autora sustenta de forma bastante genérica ter sido realizado o negócio jurídico eivado de vício de consentimento por não ter compreendido o pacto eis que é aposentada, idosa e acreditava estar diante de um singelo empréstimo consignado.

Se alguém duvida da escalada dos litígios dessa natureza basta verificar o número de novas ações envolvendo RMC, que só no trimestre de mar/mai de 2021, na antiga 1a. VDB, alcançaram quase 200 (duzentas) por mês, gerando um número total de entrada de novas ações de quase 600 (seiscentas), incluídas as redistribuídas (que giram em torno de 30/40 por mês). Isso deve implicar em repensar cautelosamente até mesmo o inovador projeto de estadualização das varas bancárias pois não temos estrutura para suportar tamanha quantidade de litígios, uma vez que os números previstos nos relevantes estudos que foram brilhantemente apresentados não comportavam essa mudança de cenário que nada tem a ver com a Pandemia (jurimetria ajuda e é importantíssima, mas devemos observar à realidade e tomar cuidado com aquilo que os estudiosos da economia comportamental chamam de "viés de confirmação"). Alerto que a média anual de 2020 na 1a. VDB de Joinville foi de 259 novas ações por mês, incluídas ações de todos os tipos.

A inicial faz um pedido específico de nulidade de um negócio jurídico e, em réplica, reclama de abusividade contratual sobre a questão de juros. Por conseguinte, deixo de conhecer referida formulação uma vez que a lide é delimitada de acordo com os pleitos realizados na petição inicial (art. 319, IV, c/c art. 342, ambos do NCPC), não podendo ser alterada subjetiva nem objetivamente após a citação da parte ré, sob pena de inovação processual (art. 329 c/c 492, ambos do NCPC).

Para tornar mais eficiente e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT