Acórdão Nº 5027635-44.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Público, 04-10-2022

Número do processo5027635-44.2019.8.24.0038
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5027635-44.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: ALEXANDRE WALTRICK RATES (RÉU) APELADO: UDO DOHLER (RÉU) APELADO: JONAS DE MEDEIROS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Ministério Público Estadual em desfavor da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa n. 5027635-44.2019.8.24.0038, ajuizada pelo ora Apelante em desfavor de Alexandre Waltrick Rates, Udo Döhler e Jonas de Medeiros, na qual o Juiz de Direito Titular da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville, em adendo ao disposto no art. 17, §8º, da Lei n. 8.429/1992, rejeitou a inicial, ao entendimento de que os atos atribuídos aos réus - que, mediante ''termos públicos e atos de gestão'', transferiram processos de licenciamento ambiental que estavam sob a responsabilidade da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do Município de Joinville (SAMA) ao Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) - não configuram afronta aos princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa) (Evento 35, Eproc/PG).

O Apelante objetiva a reforma da sentença, a fim de que seja recebida a demanda de origem e, em consequência, determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para que se promova o prosseguimento do feito, nos termos do art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei n. 8.429/1992. Para tanto, asseverou, em suma, que o caderno processual possui indícios suficientes da prática do ato ímprobo atribuído aos réus, previsto no art. 11, caput e inc. I, da Lei 8.429/1992, ''uma vez que, dolosamente, arquitetaram o desmantelamento do sistema municipal de meio ambiente de Joinville e a facilitação na emissão de licenças ambientais, condutas frontalmente contrárias aos princípios administrativos - em especial ao Princípio da Legalidade, da Lealdade às Instituições, da Moralidade, da Publicidade e da Eficiência - e praticaram atos visando fins proibidos pela legislação ambiental pátria'' (Evento 44, fl. 4446, Eproc/PG).

Os Apelados apresentaram contrarrazões (Eventos 52, 53 e 54, Eproc/PG).

Após a ascensão dos autos a esta Corte Estadual de Justiça, o Apelante apresentou petição informando que o Tribunal de Contas desta Estado, ao julgar a Tomada de Contas Especial n. 18/00225390, que visava apurar eventual renúncia de receitas pelo Instituto de Meio Ambiente no tocante às Taxas de Prestação de Serviços dos processos de licença ambiental transferidos pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do Município de Joinville ao IMA, reputou regulares as contas apresentadas, ou seja, concluiu pela ausência de renúncia de receitas (Evento 6, Eproc/PG).

Na sequência, os Recorridos se manifestaram, aduzindo que a documentação apresentada pelo Autor reforça a conclusão do Juízo de origem, no sentido de que não houve a prática de qualquer ato ilegal ou irregular (Eventos 13, 15 e 17, Eproc/SG).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da eminente Procuradora de Justiça Dra. Sônia Maria Demeda Groisman Piardi, manifestou-se pelo retorno dos autos a este Subscritor ''para que decida acerca da (in)aplicabilidade do Tema/Repetitivo n. 1042, que determinou a suspensão de todos os processos em segunda instância'' que versam sobre remessa necessária de sentença de improcedência proferida em ação civil pública de responsabilidade pela prática de improbidade administrativa (Evento 23, Eproc/SG).

Ato contínuo, o réu Alexandre Waltrick Rates defendeu a desnecessidade de suspensão do feito, tendo em vista que a hipótese em epígrafe versa sobre recurso voluntário do Autor bem como que, após o advento da Lei n. 14.230/2021, a Lei de Improbidade Administrativa passou a prever, expressamente, a ausência de reexame necessário das sentenças que rejeitam a inicial ou julgam improcedentes as ações civis públicas de improbidade administrativa (Evento 25, Eproc/SG).

Este Subscritor, em adendo ao disposto no art. 10 do Código de Processo Civil, oportunizou a manifestação das partes acerca das possíveis implicações da Lei n. 14.230/21 ao caso em comento (Evento 26, Eproc/SG).

O Autor permaneceu silente (Evento 28, Eproc/SG).

O Apelado Udo Döhler defendeu a aplicação da Lei n. 14.230/2021 ao feito em análise bem como requereu, a título subsidiário, a suspensão do processo enquanto pende de julgamento o Tema 1199/STF (Evento 36, Eproc/SG).

Jonas de Medeiros, por seu turno, asseverou que as alterações da Lei de Improbidade Administrativa somente seriam aplicadas à presente hipótese no caso de ser acolhida a pretensão recursal do Ministério Público, após o retorno dos autos ao Juízo de origem (Evento 37, Eproc/SG).

Alexandre Waltrick Rates consignou que, a seu ver, o feito está apto ao imediato julgamento, ao argumento de que os réus não praticaram qualquer ato ímprobo bem como que há recurso voluntário, não havendo que falar em remessa necessária. Ademais, consignou que a alteração da LIA somente reforça a sentença vergastada, ao passo que ''a tipificação utilizada na inicial (art. 11, caput e § 1º) ou foi alterada ou foi expressamente revogada'' e ressaltou a conclusão do Tribunal de Contas de que os atos descritos na exordial não resultaram em prejuízo ao erário. Ao final, pleiteou que seja negado provimento ao recurso (Evento 38, fl. 5, Eproc/SG).

Sobreveio nova manifestação da Douta Procuradoria-Geral de Justiça, na qual a Dra. Sônia Maria Demeda Groisman Piardi reiterou o parecer anterior (Evento 23, Eproc/SG) no tocante à necessidade de ''pronunciamento sobre a incidência da remessa necessária'' da sentença de improcedência proferida na presente demanda e, subsidiariamente, pugnou ''pela inaplicabilidade das alterações promovidas pela Lei n. 14.320/2021 ao presente caso, dada à impossibilidade da norma retroagir para incidir sobre condutas ímprobas praticadas na vigência da Lei n. 8.429/1992, sob pena de retrocesso na tutela jurisdicional relativa à probidade administrativa'' (Evento 44, fl. 13, Eproc/SG).

É o relato necessário.

VOTO

1. Das alterações promovidas pela Lei n. 14.320/2021:

Antes de adentrar no julgamento do caso em epígrafe, necessário tecer considerações acerca da incidência, ao caso em comento, das alterações ocorridas na Lei n. 8.429/1992 após o advento da Lei n. 14.3208/2021, a qual alterou significativamente a redação anterior.

O art. 1º da Lei n. 8.429/1992, após as alterações introduzidas pela Lei n. 14.230/2021, passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

§ 5º Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 6º Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º deste artigo.

§ 7º Independentemente de integrar a administração indireta, estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. (Grifos nossos).

Tendo em vista a expressa previsão legal acerca da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador às ações civis públicas de responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa, após a entrada em vigor da nova Lei de Improbidade Administrativa, esta Corte Estadual de Justiça, majoritariamente, passou a adotar, na solução dos processos em curso, a redação dada pela Lei n. 14.320/2021.

No intuito de melhor elucidar o tema colacionam-se trechos de precedente desta Corte Estadual de Justiça:

[...] 1. A Lei 14.230/21 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa). As modificações foram tão representativas, alterando-se valorativamente o regramento anterior, que surge, pode ser dito, uma "Nova Lei de Improbidade Administrativa".Há tendência nas instâncias ordinárias de considerar que (a) a atual disciplina tem aplicação retroativa quanto ao direito material, se favorável ao acusado - derivação constitucional, que assim prega quanto ao direito penal, mas que vale identicamente ao direito administrativo sancionador; e

(b) a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado.Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos...

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