Acórdão Nº 5028260-61.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 06-07-2022

Número do processo5028260-61.2020.8.24.0000
Data06 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5028260-61.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEIL

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: CÂMARA DE VEREADORES - MUNICÍPIO DE TAIÓ/SC - TAIÓ RÉU: PREFEITO - MUNICÍPIO DE TAIÓ/SC - TAIÓ

RELATÓRIO

A PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, representada pelo COORDENADOR DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - CECCON, e o PROMOTOR DE JUSTIÇA DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE TAIÓ, intentaram ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar n. 170, de 29 de dezembro de 2012, da Lei Complementar n. 189, de 21 de março de 2017, e da Lei Complementar n. 209, de 3 de abril de 2018, todas do Município de Taió.

Aduziram, em síntese, que: há inconstitucionalidade dos artigos 26, 37, 44, 53, 61, 65, 69, 79, 80, 81 e 82 da Lei Complementar n. 170/2012, do artigo 2º da Lei Complementar n. 189/2017 e do artigo 3º da Lei Complementar n. 209/2018, todas do Município de Taió, em virtude da previsão de cargos com atribuições incompatíveis com os requisitos para provimento em comissão constantes da Constituição do Estado de Santa Catarina; ainda há inconstitucionalidade de todas as funções gratificadas previstas na Lei Complementar n. 170/2012, conforme determina seu artigo 24; "a criação de cargos de provimento em comissão ocupa posição de exceção à regra do concurso público como principal forma de acesso ao serviço público, destinando-se apenas a atribuições de chefia, direção e assessoramento, e desde que haja uma relação de inequívoca confiança entre nomeante e nomeado"; os cargos de provimento em comissão previstos na Lei Complementar n. 170/2012 não exigem vínculo de confiança entre nomeante e nomeado, haja vista possuírem atribuições técnicas, burocráticas ou operacionais; a previsão dos referidos cargos em comissão "pressupõem a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e os servidores nomeados, em detrimento dos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, previstos no artigo 16, caput, e exigências do artigo 21, incisos I e IV, ambos da Constituição Catarinense"; por sua vez, "deve o cargo destinado ao Controle Interno possuir autonomia de suas funções, sem estar ligado por laços de confiança com o administrador público, sob pena de parcialidade em suas manifestações e decisões, exigindo-se, para tanto, o seu exercício por funcionário efetivo, aprovado em concurso público"; há inconstitucionalidade do estabelecimento de uma relação de fungibilidade entre cargos comissionados e funções gratificadas por violação à regra do concurso público; "na existência de normas que tenham sido revogadas por aquelas que são objeto desta ação direta, devem ser afastados os efeitos repristinatórios, de modo a evitar o ressurgimento de cargos comissionados e funções gratificadas que incorram nos mesmos vícios de inconstitucionalidade".

Pugnaram pela total procedência da ação, sustentando, a tal desiderato, violação aos arts. 16 e 21, incisos I e IV, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com os artigos 37, caput, e incisos II e V da Constituição da República.

Notificados, o Prefeito Municipal e o Presidente da Câmara de Vereadores do Município de Taió prestaram informações (eventos 17 e 18).

A Procuradora do Município apresentou defesa da norma impugnada (evento 22),

Ato contínuo, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, manifestou-se pela procedência dos pedidos (evento 25).

VOTO

O Procurador-Geral de Justiça, juntamente com o Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade, detém legitimidade para a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade, pois amparado no art. 2º, III, da Lei Estadual n. 12.069/01.

Nesta condição, atribui inconstitucionalidade material dos artigos 26, 37, 44, 53, 61, 65, 69, 79, 80, 81 e 82 da Lei Complementar n. 170/2012, do artigo 2º da Lei Complementar n. 189/2017 e do artigo 3º da Lei Complementar n. 209/2018, todos do Município de Taió, em virtude da previsão de cargos com atribuições incompatíveis com os requisitos para provimento em comissão constantes da Constituição do Estado de Santa Catarina. Ainda, imputa inconstitucionalidade de todas as funções gratificadas previstas na Lei Complementar n. 170/2012, conforme determina seu artigo 24. Por fim, alega que "deve o cargo destinado ao Controle Interno possuir autonomia de suas funções, sem estar ligado por laços de confiança com o administrador público, sob pena de parcialidade em suas manifestações e decisões, exigindo-se, para tanto, o seu exercício por funcionário efetivo, aprovado em concurso público".

A Constituição Estadual de Santa Catarina, repetindo ideia contida na Constituição Federal, impôs à Administração Pública, em nível estadual e municipal, a obrigatoriedade de contratação de servidores mediante concurso público.

A regra, portanto, é a indispensabilidade de concurso público.

A exceção diz respeito ao provimento de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração. Tal forma de preenchimento do cargo excepcional está prevista nas Cartas da República (art. 37, II e V) e do Estado de Santa Catarina (art. 21, I e IV), in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...]

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento [...]



Art. 21. Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, observado o seguinte:

I - a investidura em cargo ou a admissão em emprego da administração pública depende da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração; [...]

IV - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargos efetivos, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; e (NR).

Considerando a norma constitucional tem-se que "[...] a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais [...]" (ADI 5542, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2020 PUBLIC 03-02-2020).

A nomeação ao cargo em comissão demanda, ainda, indispensável vínculo de confiança entre o ocupante do cargo e seu superior hierárquico. Com efeito, "A criação de cargos em comissão referentes a funções para cujo desempenho não é necessária a confiança pessoal viola o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal. (STF, AI n. 309.399/SP-AgR, Primeira Turma, rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 20.3.12).

O assunto é tão recorrente que a controvérsia relativa aos requisitos constitucionais para a criação de cargos em comissão foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal em regime de repercussão geral - RE 1041210/SP - (TEMA 1010). Segue a ementa do paradigma:

Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. 1. A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. 2. Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria. 3. Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário. 4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a...

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