Acórdão Nº 5028423-93.2022.8.24.0930 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 26-10-2023

Número do processo5028423-93.2022.8.24.0930
Data26 Outubro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5028423-93.2022.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO


APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) APELADO: EMILIA ORAIDE DOS SANTOS (AUTOR)


RELATÓRIO


BANCO BRADESCO S.A. interpôs recurso de apelação cível contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", ajuizada por EMILIA ORAIDE DOS SANTOS. O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos (evento 20, SENT1):
Procedem os pedidos autorais.
Declara-se a validade contratual, mas, todavia, converte-se-a para "empréstimo consignado", com a incidência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para empréstimos dessa modalidade, devendo o número de parcelas respeitar a margem consignável eventualmente disponível.
Condena-se a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (10/07/2020, Evento 1, EXTR7).
Declara-se a legalidade da repetição de indébito na forma dobrada, com compensação.
Condena-se o réu, ainda, à restituição das quantias que eventualmente tenham sido pagas a maior pela parte autora, as quais deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, compensando-se com eventual débito, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso.
Determina-se ao banco que se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.
Condena-se a parte ré, por fim, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, tendo em vista a sua simplicidade aliada à ausência de produção de provas em audiência (art. 85, § 2º, do CPC).
Em suas razões recursais (evento 29, APELAÇÃO1), o banco réu/apelante sustentou, em síntese: a impossibilidade de conversão da modalidade contratual; a legalidade do contrato firmado entre as partes, com a reserva de margem consignável (RMC) no benefício da parte autora; que houve cumprimento do dever de informação; a inexistência de valores a restituir; a ausência de ato ilícito, e a necessidade de afastamento da multa fixada ou a alteração da sua periodicidade. Defendeu a inexistência de danos materiais indenizáveis. Por fim, postulou o provimento do apelo e a reforma da sentença para julgar totalmente improcedentes os pedidos autorais.
Sem contrarrazões (1G, ev. 31 e 33), os autos ascenderam a esta Corte.
É o relatório necessário

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
1 Do contrato de cartão de crédito consignável
Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.
Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008). E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:
Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
[...]
§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Tratando-se de beneficiário da previdência social, os procedimentos concernentes à consignação de descontos em benefícios previdenciários para pagamento de empréstimos e de cartão de crédito encontram-se previstos na Instrução Normativa INSS n. 28, de 16-5-2008, que estabelece em seu art. 3º:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
[...]
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
[...]
§ 1º Os descontos de que tratam o caput não poderão exceder o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor da renda mensal do benefício, considerando que o somatório dos descontos e/ou retenções não exceda, no momento da contratação, após a dedução das consignações obrigatórias e voluntárias:
I - até 30% (trinta por cento) para as operações de empréstimo pessoal;
II - até 5% (trinta por cento) para as operações de cartão de crédito. [...]
O ajuste ofertado à parte consumidora, portanto, encontra respaldo na legislação em vigor.
No que toca à alegação da parte autora de que teria sido induzida em erro no momento da contratação, registra-se que esta Câmara passou a adotar novel entendimento após o julgamento, pelo Grupo de Câmaras de Direito Comercial, da Apelação cível (causa-piloto) n. 5000297-59.2021.8.24.0092 no IRDR n. 5040370-24.2022.8.24.0000.
De acordo com referido julgamento, a existência de previsão contratual expressa acerca da modalidade da contratação (cartão de crédito consignado) e das características da operação (constituição da margem consignável, forma de pagamento e encargos incidentes), torna válida a avença devidamente subscrita pela parte consumidora, ensejando a regularidade dos descontos efetivados em seu benefício previdenciário.
Cabe colacionar a ementa do aludido julgado, de relatoria do eminente Desembargador Rogério Mariano do Nascimento:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DANO MORAL DECORRENTE DA DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA CONTRATAÇÃO. DEBATE QUANTO À NECESSIDADE DE PROVA DO ABALO EXTRAPATRIMONIAL OU À CONFIGURAÇÃO DO DANO IN RE IPSA. RECONHECIMENTO DE QUE A MERA INVALIDAÇÃO CONTRATUAL, DE PER SI, NÃO TRAZ EM SUAS ENTRANHAS POTENCIAL PARA AGREDIR OU ATENTAR A DIREITO DA PERSONALIDADE, CAPAZ DE DEFORMAR O EQUILÍBRIO PSICOLÓGICO DO INDIVÍDUO POR UM LAPSO DE TEMPO NÃO RAZOÁVEL. ENTENDIMENTO QUE GUARDA ÍNTIMA SINTONIA COM A SINALIZAÇÃO DA CORTE DA CIDADANIA SOBRE O TEMA, QUE É CLARA NO SENTIDO DE EXIGIR, DE COMUM, A COMPROVAÇÃO DO DANO, E SÓ EXCEPCIONALMENTE DE ADMITIR A INCIDÊNCIA IN RE IPSA. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE DE DEMANDAS REPETITIVAS PARA FIXAR A TESE JURÍDICA NO SENTIDO DE QUE "A INVALIDAÇÃO DO CONTRATO, EFETIVAMENTE REALIZADO, DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, DANO MORAL IN RE IPSA". CASO CONCRETO (CAUSA-PILOTO: 5000297-59.2021.8.24.0092): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO BANCO RÉU. DEFENDIDA A LEGALIDADE DA AVENÇA SUB JUDICE, MORMENTE PORQUE LIVREMENTE PACTUADA. TESE ACOLHIDA. EVIDENCIADO O PLENO CONHECIMENTO ACERCA DOS TERMOS E CARACTERÍSTICAS DA CONTRATAÇÃO PELA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. SENTENÇA REFORMADA. MODIFICAÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ACOLHIDO PARA FINS DE FIXAR A TESE JURÍDICA E CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO E DAR-LHE PROVIMENTO. (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Grupo Civil/Comercial) n. 5040370-24.2022.8.24.0000, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. 14-6-2023).
Extrai-se do corpo do acórdão:
[...] veio aos autos o "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG S.A e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", devidamente assinado pela parte autora, datado de 26.6.2018. Neste termo foram explicitadas as características da operação (cartão de crédito consignado), bem como, restou indicado o "valor consignado para pagamento do valor mínimo indicado na fatura" de R$ 52,54 (cinquenta e dois reais e cinquenta e quatro centavos) (evento 10, doc. 4, pp. 1/2).
Logo, a natureza da contratação - qual seja, cartão de crédito consignado e não empréstimo pessoal consignado -, encontra-se devidamente especificada nos documentos subscritos pela parte demandante, inclusive tendo esta declarado, de...

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