Acórdão Nº 5028502-20.2020.8.24.0000 do Primeira Câmara Criminal, 16-12-2020

Número do processo5028502-20.2020.8.24.0000
Data16 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5028502-20.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: GUILHERME HAUGG (Impetrante do H.C) PACIENTE/IMPETRANTE: MADONA DE FATIMA VIEIRA (Paciente do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca de Florianópolis

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Guilherme Haugg Teixeira de Carvalho em favor de Madona de Fátima Vieira, em que alega constrangimento ilegal por parte do Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis.

Em síntese, a peça vestibular informa que a paciente, juntamente com seu companheiro e outros 82 indivíduos, teve decretada a prisão temporária (depois foi convertida em prisão preventiva), e foi denunciada pela suposta participação na prática de crime de pertencer a organização criminosa (art. 2º, §§ 2º e 4º, I e IV, da Lei n. 12.850/2013). A prisão temporária foi decretada em 23 de junho de 2020, e a Paciente está presa desde o dia 25 de junho de 2020.

O Impetrante argumenta que a Paciente sofre constrangimento ilegal porque a decisão que decretou a prisão preventiva carece de fundamentação, além de que, inexiste justificação válida do periculum libertatis.

Sustenta que a Paciente, diante dos predicados pessoais (primária, com residência fixa no distrito da culpa e ocupação lícita) e negar as acusações que lhe são atribuídas, não oferece perigo à ordem social, não havendo fundamentos jurídicos quanto à insuficiência da aplicação de medidas cautelares autônomas.

Após outras considerações, requer o deferimento da liminar, com a posterior concessão definitiva da ordem, para imediata revogação da prisão preventiva do Paciente, ou subsidiariamente, sua substituição por medidas cautelares diversas da clausura (evento 1).

A medida liminar foi indeferida (evento 9).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do procurador de justiça Ernani Dutra, opinou pela denegação da ordem (evento 14).

Em 01-12-2020, a ação foi remetida para este relator, em regime de substituição, em razão da ausência de titular no Gabinete 04 - 1ª Câmara Criminal (cargo vago), conforme portaria GP 2283, de 26 de novembro de 2020.

VOTO

A ordem deve ser denegada.

Inicialmente, destaca-se que o pedido de concessão de prisão domiciliar à paciente, por ser genitora de crianças menores de 12 anos, não foi submetido ao crivo do Juízo a quo, de modo que a análise da questão diretamente por este Órgão Fracionário acarretaria em supressão de instância.

Em situações semelhantes, os precedentes desta Corte de Justiça:

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. PRÁTICA, EM TESE, DO DELITO DE ROUBO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PRISÃO DOMICILIAR. PEDIDO NÃO ANALISADO PELA AUTORIDADE DITA COATORA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. (HC 4015346-16.2019.8.24.0000, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, j. 06-6-2019, v.u.).

HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. PLEITO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA EM LIBERDADE OU EM PRISÃO DOMICILIAR. GRAVIDEZ AVANÇADA E DE ALTO RISCO. INVIABILIDADE DE CONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. Não se conhece do habeas corpus se idêntico pleito nele postulado também foi oficializado no primeiro grau e, naquele juízo, aguarda apreciação, sob pena de ocasionar supressão de instância. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (HC 4014415-13.2019.8.24.0000, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 28-05-2019, v.u.).

Vale ressaltar que, apesar de ter sido apresentado pedido de revogação da prisão preventiva da paciente ao Juízo a quo (evento 418 dos autos 5059149-26.2020.8.24.0023), a peça continha apenas a informação de que a paciente é genitora de quatro crianças, mas sem demonstração ou alegação de que ela seria indispensável para o cuidado de seus filhos, tanto que o os pedidos finais que constam na petição são de revogação da prisão pela ausência dos requisitos do art. 312 do CPP e/ou substituição da segregação, nos termos do art. 319 do CPP.

De igual forma, o pedido de revogação constante no evento 822 dos autos 0007942-10.2019.8.24.0023 não contém nem sequer alegação relativa ao tema em questão.

Destarte, tal discussão não será conhecida neste momento.

Superada essa questão, extrai-se que o feito originário apura principalmente o crime de organização criminosa armada e majorada, imputado à paciente Madona de Fátima Vieira e a outros 49 denunciados (além dos crimes do Estatuto do Desarmamento, de tráfico de drogas e de manutenção em depósito para a venda de medicamento de procedência ignorada, estes imputados a apenas alguns dos denunciados), em razão dos seguintes fatos narrados na denúncia do evento 1 dos autos 5059149-26.2020.8.24.0023:

[...]

Em data a ser apurada durante a instrução processual, porém 1 certo que em período antecedente ao mês de maio de 2019, os denunciados [...] ROGÉRIO LUÍS DA SILVA JUNIOR, vulgo "Tampa ou RJ", [...] LUCAS LIMA KONS, vulgo "Cidi, "LM ou Limão", RAFAEL FERNANDO DE SOUSA MUNIZ, vulgo "UBER NEGÃOGUGA", [...] GABRIEL BITENCOURT, vulgo "Biel da Tapera, Ntapera", WALMIR DE OLIVEIRA DUARTE JUNIOR, vulgo Gordo, "Gordoantenor", [...] MADONA DE FÁTIMA VIEIRA, [...] KAYAN CORREA AZEVEDO, [...] NATHAN RENATO PEREIRA DE LIMA, promoveram e integraram, pessoalmente, a organização criminosa PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE (PGC), associando-se com outras pessoas, de forma hierarquizada, estruturalmente ordenada pela divisão de tarefas, de modo permanente, com o fito de obter, direta ou indiretamente, vantagens ilícitas mediante a prática habitual de crimes diversos - sobretudo o tráfico de drogas, comércio ilegal de armas de fogo e posse/porte ilegal de armas de fogo -, todos voltados aos interesses e ao fortalecimento da referida facção.

A facção criminosa PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE (PGC) foi fundada em 3/3/2003 por detentos da ala de segurança máxima da Penitenciária desta Capital, com o objetivo primeiro de obter melhorias e condições mais favoráveis aos reclusos.

Em 30/5/2003 os segregados de alta periculosidade do Estado foram transferidos à Penitenciária de São Pedro de Alcântara, episódio em que se agruparam e formaram o órgão de cúpula da organização criminosa, denominado "Ministério", passando a difundir suas ideias aos interessados.

Para formalizar e esclarecer o propósito da facção, o "Ministério " elaborou seu próprio "estatuto", com noções gerais sobre a estrutura da "irmandade", objetivos e, principalmente, forma de difusão das ordens dentro e fora das prisões, já que com o progressivo desenvolvimento da societas criminis seu raio de atuação suplantou o interior dos presídios, estendendo-se extramuros.

Um dos primeiros procedimentos criminais instaurados para desarticular a organização criminosa em comento foi deflagrado na 3ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau (autos n. 0001206-31.2013.8.24.0008, com numeração antiga 008.13.001206-5) e resultou na condenação de diversos integrantes do chamado "Primeiro Ministério", sendo os apontados líderes do grupo criminoso transferidos para Penitenciárias Federais; fato que teria modificado seu "Segundo Conselho" e estabelecido/reafirmado o requisito de que os detentores desta patente deveriam estar, necessariamente, detidos na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, chamados por eles de "TORRE".

A sentença condenatória foi mantida pelo Tribunal de Justiça Catarinense, no julgamento da paradigmática Apelação Criminal n. 2014.091769-8, sendo este o momento do reconhecimento formal da facção criminosa, embora sua existência já fosse pública e notória em razão das ondas de violência em massa que afetaram o Estado Catarinense a partir do ano de 2011, como amplamente noticiado pelos meios de comunicação do país.

Por meio de suas lideranças - 1º e 2º Ministérios -, o PGC emitiu comandos, conhecidos por "SALVE", com o intuito de implantar o caos social. Assim, determinaram a execução de atos criminosos contra os agentes das forças de segurança pública, na nítida intenção de enfraquecer a soberania e o Estado Democrático de Direito.

Em cada onda de violência, vários atos de vandalismo e de dano ao patrimônio público foram registrados em diversos municípios do Estado, como Florianópolis, Palhoça e São José, além de Joinville, Tubarão, Itajaí, Lages, Blumenau, Camboriú, Criciúma, Porto Belo, Guaramirim, São Francisco do Sul, Luis Alves, Itapema, entre outros.

Ante as apurações ocorridas, as principais lideranças foram transferidas e espalhadas pelo Sistema Prisional Federal, especialmente em Mossoró/RN e Porto Velho/RO, e vários integrantes da sociedade delituosa foram responsabilizados individualmente.

Porém, como um de seus Ministérios, especificamente o 2º, composto pelos denominados "Conselheiros", é necessariamente formado apenas por presos recolhidos na Penitenciária de São Pedro de Alcântara (SPA), a facção mantém-se ativa.

O objetivo do grupo criminoso, em apertada síntese, vem estampado em seu "Estatuto", consistente em "fazer o crime de modo correto"...

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