Acórdão Nº 5028613-95.2021.8.24.0023 do Segunda Câmara Criminal, 25-05-2021

Número do processo5028613-95.2021.8.24.0023
Data25 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5028613-95.2021.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: GABRIEL DA CUNHA (AGRAVADO) ADVOGADO: Daniel Deggau Bastos (DPE)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de agravo de execução penal intentado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, não conformado com o teor da decisão do Sequencial 12 do PEP 5004978-53.2020.8.24.0045 (SEEU), por meio da qual o Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital aplicou retroativamente a Lei 13.964/19 e readequou para 2/5 a fração de progressão de regime referente ao crime equiparado a hediondo em favor de Gabriel da Cunha.
Sustenta o Agravante que "a lei é clara ao firmar que merece ser atendido o percentual de 40% quando o condenado por crime hediondo ou equiparado for primário, contrário a reconhecida reincidência do agravado em sede condenatória", de modo que, tendo sido "o delito cometido [...] anteriormente à vigência da nova Lei citada, bem como não sendo caso de reformatio legis in mellius, [...] é de ser mantido a aplicação do quantum de 3/5 para progressão de regime".
Aponta, assim, "não estar satisfeito o critério objetivo, o qual será alcançado apenas em 2023".
Sob tais argumentos, requer "o provimento do presente recurso, para os fins de revogar o decisum a quo e determinar a manutenção da aplicação da fração de 3/5 para fins de progressão de regime" (eproc, Evento 1 do agravo na origem).
Gabriel da Cunha ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc, Evento 8 do agravo na origem).
A Doutora Juíza de Direito manteve a decisão resistida (eproc, Evento 10 do agravo na origem).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pela Excelentíssima Procuradora de Justiça Cristiane Rosália Maestri Böell, posicionou-se pelo provimento do agravo (Evento 13)

VOTO


Em 23.2.21, esta Segunda Câmara Criminal modificou seu posicionamento, até então consolidado, para passar a entender que "é passível de conhecimento o recurso de agravo interposto contra os cálculos de previsão de direitos realizados em sede de execução penal" (Rec. de Ag. 5023961-39.2020.8.24.0033), de modo que o recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
O Agravado Gabriel da Cunha, em razão de condenação imposta na Ação Penal 5009912-88.2019.8.24.0045, cumpre pena de 5 anos e 10 meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, ocorrido em 23.11.19, trânsito em julgado dia 2.9.20 (SEEU, Sequencial 1, doc1.7 e 1.13-1.16).
Foi reconhecida a reincidência porque, anteriormente, o Agravado havia sido condenado na Ação Penal 0007663-02.2012.8.24.0045, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c seu § 4º, da Lei 11.343/06, ocorrido em 11.7.12, trânsito em julgado dia 12.8.13 e, na Ação Penal 0001200-73.2014.8.24.0045, pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, II, com redação anterior à Lei 13.654/18, ocorrido em 7.3.14, trânsito em julgado dia 21.1.15. As penas de tais condenações foram extintas, respectivamente, por indulto, em 25.12.13, e pelo integral cumprimento em 13.11.19 (SAJ/PG5, PEP 0001061-24.2014.8.24.0045).
Assim, à época do delito pelo qual ora cumpre pena, Gabriel da Cunha ostentava condenações por crimes comuns não violento e violento, mas não por delitos hediondos ou equiparados, não sendo reincidente específico nesta categoria de crimes.
Vigia, na época do crime equiparado a hediondo pelo qual Gabriel da Cunha cumpre pena, o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, que dispunha que "a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo (hediondos e equiparados), dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente".
Especificamente quanto a estas frações da progressão de regime o Superior Tribunal de Justiça orienta que, "ante a unificação das penas, a condição de reincidente do apenado determina o cumprimento de 3/5 sobre o total", de modo que "não há falar em aplicação do percentual de 2/5 para a progressão de regime, em relação à primeira condenação, pois, unificadas as penas, conforme determina o art. 111 da LEP, a reincidência deve incidir sobre o somatório das penas e não apenas na segunda condenação", pois "pacificou entendimento no sentido de que a Lei dos Crimes Hediondos não faz distinção entre a reincidência comum ou específica. Assim, havendo reincidência, ao condenado deverá ser aplicada a fração de 3/5 da pena cumprida para fins de progressão do regime" (HC 427.803, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 4.10.18).
O posicionamento é adotado pelas cinco Câmaras Criminais deste Tribunal de Justiça: Recursos de Agravo de Execução 0001652-65.2018.8.24.0038, Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 2.8.18; 0004136-53.2018.8.24.0038, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. Norival Acácio Engel, j. 5.6.18; 0006122-76.2017.8.24.0038, Terceira Câmara Criminal, Rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 31.10.17; 0003438-18.2016.8.24.0038, Quarta Câmara Criminal, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 20.10.16; e 0009795-58.2018.8.24.0033, Quinta Câmara Criminal, Rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, j. 27.9.18.
Todavia, em 23.1.20, entrou em vigor a Lei 13.964/19, que expressamente revogou o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 (art. 19) e fixou novos percentuais para a progressão de regime na Lei de Execução Penal, a qual passou a centralizar a matéria.
Dispõe o atual art. 112 da Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.
Diante disso, ainda que não tenha havido recrudescimento do montante de pena a ser cumprido, uma vez que 60% e 3/5 são duas formas distintas de referência a uma mesma porção, a Legislação atual prevê essa fração "se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado", o que deu início ao debate quanto à natureza da recidiva ali tratada, pois a interpretação literal do dispositivo indica que se trata da reincidência específica em delitos desta natureza. Afinal, reincide "na prática de crime hediondo ou equiparado" aquele que foi condenado definitivamente por crime desta natureza e, antes do prazo depurador do art. 64 do Código Penal, volta a praticar infração penal da mesma categoria. Adotada essa tese, estaria superada a interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, de que basta a reincidência genérica para a incidência da maior fração.
O imbróglio, aliás, não se limita aos crimes hediondos e equiparados, uma vez que se pode conferir essa interpretação a todos os demais incisos que tratam da reincidência, porque, em vez da fórmula "se for primário, se for reincidente", que...

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