Acórdão Nº 5028617-24.2020.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 03-03-2022

Número do processo5028617-24.2020.8.24.0038
Data03 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5028617-24.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: EDSON LUIS DE SOUZA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Edson Luis de Souza, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por vinte vezes, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (evento 1, Denúncia 3):

"O denunciado, na condição de sócio-administrado de 'GLOBAL BOLSAS E ACESSÓRIOS LTDA', CNPJ n. 04.618.241/0002-30 e Inscrição Estadual n. 25.467.110-1, estabelecida na Avenida Rolf Wiest, n. 333, Loja 77, Bairro Bom Retiro, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 253.653,29 (duzentos e cinquenta e três mil seiscentos e cinquenta e três reais e vinte nove centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locuplentando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2016 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018, documentos geradores das Dívidas Ativas n. 17001786509, de 22/05/2017, 17001469368, de 28/04/20017, 17001474876, de 28/04/2017, e 19044011106, de 04/07/2019.

É de se registrar que os débitos referentes às Dívidas Ativas n. 17001786509, 17001469368 e 17001474876 foram objetos do Parcelamento n. 171100118610, o qual foi cancelado por inadimplemento, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 26/12/2017 a 03/10/2019, conforme o ... 2ª. do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com a nova redação dada pelo art. 6ª. da Lei n. 12.382/11".

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (evento 61):

"Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar EDSON LUIS DE SOUZA ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por vinte vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

Custas pelo acusado (art. 804, CPP).

Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca)".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, preliminarmente, requereu a nulidade do feito por ausência de justa causa para a propositura da ação penal e na inépcia da denúncia, por não descrever os fatos praticados pelo acusado. No mérito, pugnou pela sua absolvição ao defender a insuficiência probatória em comprovar a materialidade e autoria delitiva; a atipicidade da conduta por entender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal evidenciando-se, tão somente, mera inadimplência fiscal por falta de condições financeiras, o que revelaria a excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) e ausência de dolo. Por fim, defendeu o afastamento da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal (evento 74).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 79).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo manejado (evento 9 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Edson Luis de Souza, contra a decisão de primeira instância que o condenou à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, no regime aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, substituída por prestação de serviço à comunidade pelo mesmo prazo da pena privativa, em razão da prática do delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por vinte vezes).

1. Preliminares.

Ab initio, aduz o apelante ausência de justa causa para a propositura da ação penal, sob o argumento de que: "não existe nos autos nenhum indício de que o Apelante teve a intenção - dolo - de deixar de recolher o ICMS em questão".

No mesmo trilhar, alega a inépcia da denúncia, já que não houve a individualização da conduta do agente na peça acusatória, sendo, portanto, genérica.

Com efeito, a denúncia e seu recebimento estão vinculados ao preenchimento dos requisitos elencados nos arts. 41 e 395, ambos do Código de Processo Penal, bem como na existência de elementos seguros que demonstrem a perpetração do crime e meros indícios da autoria.

Justifica-se a justa causa na existência de elementos de convicção que demonstrem a viabilidade da ação penal, e que haja, no mínimo, probabilidade de que o réu seja o seu autor.

Na realidade, para fins de oferecimento da denúncia, e consequente recebimento da exordial acusatória, não se exige um juízo de certeza dos fatos, bastando a mera possibilidade, indícios até, de que os fatos tenham ocorrido e tenham sido praticados pela pessoa denunciada.

Assim, "para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Mister se faz consignar que provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal". (STJ - RHC 62.029/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 09/11/2016).

E, ainda, sobre o assunto, a doutrina preleciona:

"consiste na obrigatoriedade de que exista, no momento do ajuizamento da ação, prova acerca da materialidade delitiva e, ao menos, indícios de autoria, de modo a existir fundada suspeita acerca da possível existência de uma infração penal e indicações razoáveis do sujeito que tenha sido o autor desse delito. (CORRÊA, Plínio de Oliveira. Teoria da Justa Causa: análise do sistema processual penal brasileiro com vista à ordem jurídica dos países da América Latina. Apud SILVA, p. 23)

[...]

Este suporte probatório mínimo [o conteúdo da justa causa] se relaciona com os indícios de autoria [...] Não basta que a denúncia impute ao réu uma conduta típica, ilícita e culpável. Isto satisfaz o aspecto formal da peça acusatória, mas para o regular exercício da ação pública se exige que os fatos ali narrados tenham alguma ressonância na prova do inquérito ou constantes das peças de informação. A acusação não pode resultar de um ato de fé ou de adivinhação do autor da ação penal. (JARDIM, Afrânio Silva. Apud BADARÓ, op. cit., p. 107, e RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 22ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 97.)

No contexto apresentado, importante frisar a distinção entre fumus commissi delicti (condição para a ação penal) e a justa causa. Enquanto na primeira necessita-se de um conjunto de aparência da tipicidade, ilicitude e culpabilidade da conduta imputada; na segunda, necessita-se, apenas, a essencialidade de um suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal, composto por elementos que demonstram a existência da infração penal e a sua provável autoria.

Neste interim, compulsando-se os autos, verifica-se que a materialidade se encontrou consubstanciada na juntada das notícias-crimes ns. 1760000040142, 1760000040144, 1760000040148, 196000026608; nos termos de inscrição em dívida ativa ns. 17001786509, 17001469368, 17001474876, 19044011106; e nos DIMEs correspondentes (evento 1, Notícia Crime 1 e 2 - autos originários).

Os indícios de autoria delimitaram-se no fato de que o denunciado estaria como gestor da empresa à época do cometimento dos delitos tipificados na denúncia.

Isso porque, através dos documentos apresentados em evento 1, Notícia Crime 2 - autos originários (contratos sociais), verifica-se que o não recolhimento dos tributos consumaram-se entre 05/2016-11/2016 e 01/2018-12/2018, períodos estes em que o denunciado era o gestor responsável da empresa Global Bolsas e Acessórios LTDA.

Portanto, os fatos aqui expostos, e que ao meu ver foram levados em consideração pelo togado singular, são conclusivos pela existência de justa causa para apontar Edson Luis de Souza, como suposto autor do crime contra a ordem tributária, lastro probatório suficiente para o recebimento da denúncia.

Outro tanto, não se deve desconsiderar que no caso vertente, o dolo da conduta é o genérico, o que já basta para a configuração do crime contra a ordem tributário, tópico este que terá maior abrangência de argumentação no mérito deste voto.

Mutatis mutandis, verifica-se que a peça acusatória trouxe a exposição do ato...

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