Acórdão Nº 5028754-21.2020.8.24.0033 do Quarta Câmara de Direito Civil, 24-03-2022

Número do processo5028754-21.2020.8.24.0033
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5028754-21.2020.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

APELANTE: BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: TERESA DA SILVA PEREIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, bem como para melhor explanar a situação fática, adoto o relatório elaborado na sentença, por delinear com precisão os contornos da lide [evento 28 - EPROC1]:

"Trata-se de ação declaratória de nulidade de negócio jurídico com pedido de reparação por danos materiais e morais proposta por Teresa da Silva Pereira contra Banco Ficsa S/A, partes qualificadas nos autos.

A parte autora alegou, na peça inaugural, que constatou um desconto não autorizado em seu benefício previdenciário pertinente ao contrato n. 010011540372, o qual foi realizado pela ré.

Informou, ainda, que nem sequer autorizou o referido desconto, muito menos assinou qualquer contrato para tal, desse modo, ingressou com a presente ação a fim de buscar a tutela jurisdicional.

Citada (Evento 8), a ré ofereceu contestação (Evento 11). No mérito, rejeitou integralmente as pretensões da parte autora, sob o argumento, em síntese, ausência de ato ilícito.

Houve réplica (Evento 15).

Saneado o feito, as partes foram intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir (Evento 17), de modo que a ré pugnou pelo julgamento antecipado do pedido (Evento 23)".

Sentenciando, o Togado de primeiro grau, julgou os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

"[...] 4. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para:

4.1 DECLARAR a inexistência de relação jurídica entre as partes no que tange ao contrato de empréstimo n. 010011540372 (Evento 11, Documento 2);

4.2 CONDENAR a ré a restituir em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC os valores indevidamente descontados no benefício previdenciário n. 152.235.770-7 da parte autora, corrigidos monetariamente pelos índices do INPC a partir de cada desconto e acrescidos de juros moratórios a partir da citação (art. 219, caput, do CPC c/c art. 405 do CC), no patamar de 1% ao mês (art. 406 do CC);

4.3 CONDENAR a ré ao pagamento do valor de R$ 10.450,00 (dez mil quatrocentos e cinquenta reais), a título de danos morais, corrigidos pelo INPC a partir desta data e acrescidos dos juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso, a saber, o primeiro desconto indevido, devendo ser deduzido do valor da condenação o montante de R$ 1.903,47 (um mil novecentos e três reais e quarenta e sete centavos), que foi indevidamente creditado na conta bancária da parte autora (Evento 11, Documento 4).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

Opostos Embargos de Declaração pela Requerida, restaram rejeitados [evento 33 e 35 - EPROC1].

Inconformada, a instituição bancaria interpôs Recurso de Apelação [evento 44 - EPROC1], defendendo: a) regularidade da contratação, autorizando os descontos do valor do prêmio em seu beneficio previdenciário; b) não cabimento da devolução em dobro dos valores descontados; c) inexistência de dano moral, ou subsidiariamente sua minoração;

Contrarrazões [evento 49 - EPROC1].

Este é o relatório.

VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada e sua publicação ocorreram sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

O recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento, passando-se a analise das teses recursais.

Pretende a Requerida/Apelante a reforma da sentença, aduzindo em síntese a regularidade e validade jurídica da contratação de empréstimo consignado, sustentando a inocorrência de conduta ilícita, hábil a ensejar a sua condenação a restituição de valores e indenização.

Pois bem.

De plano, cumpre consignar que a relação jurídica havida entre as partes é tipicamente de consumo, compreendendo-se a parte autora e a demandada aos conceitos de consumidor e fornecedor estabelecidos, respectivamente, nos artigos e , do Código de Defesa do Consumidor, e, por essa razão, deve o caso ser analisado sob a ótica da legislação consumerista.

Nesse viés, tem-se que a sistemática adotada pelo CDC, no que se refere à responsabilidade civil, é a de que responde o fornecedor pela reparação dos danos a que der causa, independentemente da existência de culpa, ou seja, objetivamente, a teor do art. 14 do aludido Diploma Legal, e, só pode ser afastada se demonstrada a existência de uma das causas excludentes previstas no § 3º do citado artigo, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Logo, cabe ao consumidor, tão somente, demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a lesão para resultar configurado o dever do fornecedor de indenizar.

A respeito da responsabilidade civil, destaca-se a incidência do art. 186 do Código Civil de 2002, que dispõe que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Já a obrigação de indenizar encontra-se prevista no art. 927 do CC/02, segundo o qual "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". E ainda, "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (parágrafo único do citado artigo).

Ressalta-se, por oportuno que "ato lesivo é toda ação ou omissão voluntária que viola direito ou causa prejuízo a outrem. Dano é toda lesão a bens ou interesses juridicamente tutelados, sejam de ordem patrimonial, sejam de ordem puramente moral. Nexo causal é um liame jurídico que se estabelece entre causa (fato lesivo) e consequência (dano), de uma tal maneira que se torne possível dizer que o dano decorreu daquela causa (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, Saraiva, 1972, p. 172)" (TJSC, Apelação n. 0306443-15.2019.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 10-06-2021).

Dito isto, a controvérsia reside na pactuação ou não de contrato entre as partes que autorizasse a realização de descontos mensais do benefício previdenciário da Requerente.

E, aplicando-se os ensinamentos no caso concreto, como se sabe, nas ações que visam à declaração de inexistência de débito, em que o consumidor defende desconhecer o negócio que originou a dívida, compete à parte demandada comprovar a efetiva existência de relação jurídica, pois não há como se exigir da parte demandante prova de fato negativo, especialmente por se tratar de relação consumerista.

Em outras palavras, significa dizer que o ônus da prova é atribuído à parte Requerida, a quem compete comprovar a validade do negócio jurídico e a sua exigibilidade, a teor do art. 373, II, do Código de Processo Civil.

No caso dos autos, a fim de comprovar que houve a contratação do empréstimo consignado que deu origem os descontos no benefício previdenciário da suplicante, a instituição bancária juntou ao feito fotocópia do contrato firmado entre as partes, celebrado em 22/10/2020, no valor de R$ 1.903,47, a...

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