Acórdão Nº 5029183-33.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 22-02-2022

Número do processo5029183-33.2020.8.24.0018
Data22 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5029183-33.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: IVETE MARIA MACAGNAN CLARO (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Ivete Maria Macagnan Claro interpôs Recurso de Apelação (Evento 39) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó que, nos autos da "ação declaratória c/c com repetição de indébito e indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", ajuizada em face de Banco Pan S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

3. ISTO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora em face da parte requerida, resolvendo o feito, com julgamento de mérito, na forma prevista no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da requerida arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa. A exigibilidade das verbas devidas pela parte autora ficarão sobrestadas, na forma do art. 98, §3º do Código de Processo Civil, pois beneficiária da justiça gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, tudo cumprido, arquivem-se.

(Evento 33)

Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em suma, que: (a) "a operação de cartão de crédito limitou-se a emprestar o nome ao instrumento contratual, notadamente porque disponibilizado de imediato os valores associados à contratação e, paralelamente, não desbloqueado e não utilizado o cartão pela parte autora Recorrente"; (b) "analisando-se a inicial e documentos juntados durante a instrução processual, ao buscar junto ao Recorrido um empréstimo consignado em seu benefício previdenciário, o Autor / Recorrente restou vítima método comercial desleal e violador da justa expectativa do consumidor onde o Réu, BANCO PAN S.A., em manobra comercial escusa, travestiu o empréstimo em uma operação de cartão de crédito, desvirtuando completamente a natureza do contrato para equipará-lo a um empréstimo bancário consignado"; (c) "após a parte Recorrente solicitar a contratação de um empréstimo pessoal consignado INSS, restou por constatar que o Recorrido estava realizando descontos nos montantes de R$ 95,22 (noventa e cinco reais e vinte dois centavos), referente a cobrança do valor mínimo de fatura de cartão de crédito - dentro da margem consignável denominada RMC - a qual tem vértice em cartão que lhe foi enviado sem solicitação e sem que tenha sido desbloqueado."; (d) "no suposto Termo de Adesão e na Cédula de Crédito anunciados pela Recorrida inexiste qualquer menção acerca de quantas parcelas foram contratadas e seriam pagas pelo Recorrente, constando unicamente a informação das datas de vencimento. Imperativo reconhecer ainda, que não se vislumbra a comprovação de remessa de faturas à apelante a fim de que seja realizada a amortização ou a liquidação do débito, tendo o banco Recorrido acostado somente a segunda via dos documentos"; (e) "a instituição financeira não se desincumbiu de demonstrar que a Recorrente detinha conhecimento sobre os meandros da contratação, em especial de que a contratação de empréstimo pela modalidade de saque via cartão de crédito possuía encargos muito superiores ao de empréstimo consignado pessoal"; (f) "Em que pese os inúmeros indícios apontados acima que demonstram que o contrato realizado entre as parte foi totalmente desvirtuado, verifica-se que o contrato apresentado pelo Requerido, que permite o desconto de débito oriundo de cartão de crédito diretamente no benefício previdenciário, é nulo, já que tal cláusula coloca a parte autora em exagerada desvantagem perante a instituição financeira, além de não preencher os requisitos legais"; (g) "A atendente passa a informar sobre as condições do cartão de crédito, ficando bem claro no áudio que a Autora só tomou conhecimento de que tal modalidade se tratava de um empréstimo vinculado ao cartão de crédito consignado após a realização da suposta pactuação do contrato. Desta forma, o áudio não é prova suficiente para atestar a lisura da contratação."; e (h) "indiscutível que os descontos dos valores relativos ao cartão de crédito consignado no benefício previdenciário da parte Recorrente é prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, e representa ato ilícito passível de indenização, à luz do preceituado nos arts. 186 e 927, ambos do Código Civil".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 43), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.

É o necessário escorço.

VOTO

Ab initio, cumpre gizar que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em outubro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Requerente ajuizou "ação declaratória c/c com repetição de indébito e indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" em face de Banco PAN S.A., argumentando que a Instituição de Crédito impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Exsurge da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

A Magistrada a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

2. Versam os autos sobre ação na qual pretende a parte autora a declaração de inexistência de débito, com a repetição de indébito e indenização por danos morais, sob a alegação de contratação abusiva de contrato de cartão de crédito consignado.

Antecipo o julgamento da lide em razão de não se fazer necessária a produção de outras provas além das documentais já acostadas aos autos, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. De mais a mais, "'não se caracteriza o cerceamento de defesa quando há nos autos elementos suficientes à formação do convencimento do juiz, permitindo-lhe o julgamento antecipado da lide' (TJSC, AC nº 99.020182-1, de São Domingos, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. 28.08.2001)" (TJSC, Apelação Cível nº 2009.046138-4, de Mondaí, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 02-10-2009).

Possível a juntada dos documentos após a apresentação de contestação, pois não se verifica má-fe ou intenção de causar prejuízo à parte autora, a quem aliás foi devidamente oportunidade o contraditório e ampla defesa.

A propósito:

(...) ALEGADA A JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE PROVA DOCUMENTAL PELA RECORRIDA (CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES). EVIDENTE PRECLUSÃO TEMPORAL. NÃO ACOLHIMENTO. CASA BANCÁRIA DEMANDADA QUE ACOSTOU O CONTRATO AOS AUTOS NO PRAZO ESTIPULADO PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. INTELIGÊNCIA DO ART. 435, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015, O QUAL AUTORIZA A JUNTADA POSTERIOR DE DOCUMENTOS QUE SE TORNAREM ACESSÍVEIS OU DISPONÍVEIS APÓS A CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO DIANTE DA OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ PELA PARTE REQUERIDA. TESE AFASTADA. (...) (TJSC, Apelação Cível n. 0303917-96.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Rejane Andersen, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 26-11-2019).

O exame do conjunto probatório, especialmente da ouvida do áudio juntado com a peça defensiva, através da qual a autora autorizou saque complementar, permite concluir que o negócio jurídico foi validamente celebrado e que foram prestadas as devidas informações acerca da natureza do contrato firmado e da forma de pagamento do débito assumido.

No áudio apresentado (áudio 1, Evento 28), a autora autorizou expressamente o depósito em sua conta bancária de R$ 758,00, como também foi cientificada de que se tratava de cartão de crédito, que o valor mínimo da fatura seria consignado em seu benefício previdenciário e o valor remanescente deveria ser pago através das faturas a serem enviadas em sua residência.

Segue transcrição do diálogo constante da gravação:

Atendente: Motivo do meu contato é para lembrar que a senhora possuí um limite de crédito disponível para saque no valor de R$ 758,00, para saque no seu cartão de crédito do Banco Pan, que poderá ser creditado na sua conta corrente poupança. A senhora confirma o interesse nesse valor?

Ivete: Sim.

Atendente: Peço apenas que a senhora me informe alguns dados, o seu CPF?

Ivete: 743.988.909-63

Ivete: Sua data de nascimento por favor?

Ivete: 02 de dezembro.

Atendente: A senhora confirma que o ano é 1964?

Ivete: Sim, 64.

[...]

Atendente: Os seus dados bancários são Banco 104- Caixa Econômica Federal, agência 0414, conta poupança 177387-1, a senhora confirma?

Ivete: Sim.

Atendente: Confirma esses dados Bancários?

Ivete: Sim.

Atendente: Informo que sobre o valor do saque incidirá taxa de juros de 2,7 % ao mês, correspondente a 37,67% ao ano, sendo assim, o custo efetivo total é de 2,7% ao mês e 37,67% ao ano, a serem cobrados a partir da próxima fatura a ser fechada nos termos do regulamento do cartão de crédito consignado do Banco Pan. A senhora confirma a contratação do saque no valor de até R$ 758,00, que será creditano na sua conta poupança, de sua titulariedade Banco 104- Caixa Econômica Federal, agência 0414, conta poupança 177387-1, a senhora confirma?

Ivete: Sim

Atendente: Ok, a senhora confirma?

Ivete: O que você leu ali?

Atendente: Deixa eu lhe explicar, tudo que eu estou lendo aqui nesta formalização, é o que seu desconto atual já cobre, então a aposentadoria permancce o mesmo valor, entendeu?

Ivete: Vai permanecer o mesmo valor?

Atendente: Isso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT