Acórdão Nº 5029316-95.2021.8.24.0000 do Grupo de Câmaras de Direito Público, 22-09-2021

Número do processo5029316-95.2021.8.24.0000
Data22 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoGrupo de Câmaras de Direito Público
Classe processualAção Rescisória (Grupo Público)
Tipo de documentoAcórdão
Ação Rescisória (Grupo Público) Nº 5029316-95.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

AUTOR: MARIA MADALENA DE OLIVEIRA (Representado) RÉU: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Maria Madalena de Oliveira, representada por sua genitora, Olinda Cardoso de Oliveira, deflagrou ação rescisória com o intuito de desconstituir o acórdão lavrado nos autos da ação ordinária n. 2012.059211-5, que moveu em face do Estado de Santa Catarina. Sustentou que deve haver a alteração do índice relativo à correção monetária, porquanto julgada inconstitucional a Taxa Referencial. Disse que "O julgado determinou a aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, para fins de correção monetária. Contudo, o referido artigo foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Tema 810 (RE 870.947), transitado em julgado em 31/03/2020 [...], motivo pelo qual se aplica o IPCA-E" (evento 1, fl. 2). Clamou a procedência do pedido inicial para que se afaste a incidência da TR e, em substituição, se aplique para a atualização monetária o IPCA-E.

Ofertada contestação, pugnou o ente público, em preliminar, a falta de legitimidade da autora para propor a ação rescisória, porquanto "a legitimação [...], na hipótese do art. 535, § 8º, CPC, é própria do executado" (evento 11, fl. 11); e a aplicação da Súmula n. 343 do STF, pois não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. No mérito, afirmou que se operou a preclusão, uma vez que "a parte autora se conformou com os critérios de atualização monetária fixados pelo juízo [...], não podendo a presente via rescisória servir de instrumento substitutivo da via recursal própria, que não foi manejada no momento oportuno" (evento 11, fl. 8). Alternativamente, defendeu que deve ser "considerada a data do julgamento do plenário do Recurso Extraordinário n. 870.947, para fins de termo inicial da incidência do Tema 810" (ibidem, fl. 12). Por fim, requereu o prequestionamento de normas legais (evento 11).

Houve réplica (evento 15).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva, opinou pela procedência do pedido formulado na inicial (evento 18).

Vieram os autos à conclusão para julgamento.

VOTO

A ação atende aos requisitos genéricos de admissibilidade. Passa-se à análise da quaestio.

A celeuma cinge-se à análise da aplicação do novo posicionamento firmado pelo STJ e STF (temas 905 e 810, respectivamente) quanto à incidência da correção monetária nas causas de natureza administrativa.

Em precedente acerca do tema - Ação Rescisória n. 5030109-34.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 25-8-2021 -, este relator assim tem se manifestado, mutatis mutandis:

Apresentei voto escrito no qual julgava procedente o pedido formulado nesta ação rescisória.

Todavia, após a manifestação de substancioso voto divergente elaborado pelo Exmo. Sr. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, resolvi aderir ao seu entendimento, também compartilhado pela maioria deste Grupo de Câmaras, ressalvada a posição pessoal contrária do Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos que acompanha a maioria.

Adotam-se, como razão de decidir, as pertinentes ponderações lançadas no voto divergente do Exmo. Sr. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, in verbis:

2. Da ação rescisória:

2.1. Do fundamento do pedido rescisório:

A rescisória foi ajuizada com o intuito de desconstituir decisão de mérito que "violar manifestamente norma jurídica" (art. 966, V, do CPC/15).

Segundo a doutrina, o CPC/15 alterou a 'violação literal a lei' prevista no art. 473, V, do CPC/73, substituindo o "termo 'lei' pelo termo 'norma jurídica'". A "a norma jurídica violada pode ser de qualquer natureza, desde que seja uma norma geral", a concluir que a rescisória "serve, enfim, para corrigir um error in procedendo ou um error in judicando", que viole o ordenamento jurídico (Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha - 16. ed. reform. Salvador : Ed. JusPodivum, 2019, v. 3, págs. 591 e 596, respectivamente).

Prosseguindo, os autores dissertam: "Quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso". No entanto, "a mudança revela uma alteração de parâmetro ou de paradigma, mas não houve uma modificação da 'natureza' do inciso V, apenas da sua abrangência" (obra citada, pág. 597, respectivamente - grifou-se).

Entretanto, "a hipótese de cabimento da ação rescisória prevista no inciso V do art. 966 do CPC não se confunde com a prevista no § 15 do art. 525 e no § 8º do art. 535 do mesmo diploma legal. Os pressupostos e a contagem do prazo para exercício do direito à rescisão são diversos. Se o órgão jurisdicional decide contrariamente a entendimento já firmado pelo STF, será possível ao executado, no posterior cumprimento de sentença, apresentar impugnação para invocar a inexibilidade do título (art. 525, § 12, e art. 535, § 5º, do CPC). (...) A impugnação não visa desfazer ou rescindir a decisão sob cumprimento; destina-se apenas a reconhecer sua ineficácia, sua inexigibilidade, impedindo que se prossiga com o cumprimento da sentença. Para desfazer ou rescindir a decisão, é preciso ajuizar a ação rescisória. Em tal hipótese, a rescisória terá por fundamento o inciso V do art. 966, pois terá havido manifesta violação a norma jurídica: o órgão julgador decidiu contrariando a norma construída pelo STF ao interpretar o correspondente texto ou enunciado constitucional. (...). Se, porém, a desarmonia entre a decisão e o entendimento do Supremo Tribunal Federal vier a ocorrer depois da coisa julgada, aí a ação rescisória não terá fundamento no inciso V do art. 966 do CPC. Isso porque, nesse caso, quando fora proferida a decisão, não existia ainda pronunciamento do STF. Logo, não houve manifesta violação a norma jurídica. O órgão julgador não contrariou entendimento do Supremo Tribunal Federal, inexistente à época da decisão. Na hipótese de o Supremo Tribunal Federal vir a proferir decisão contrária após o trânsito em julgado da decisão rescindenda, a rescisória terá por fundamento o § 15 do art. 525 ou o § 8º do art. 535 do CPC" (Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha. Curso de Direito Processual Civil. Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Volume 3. 13ª ed., Editora JusPodivm, 2016, págs. 497/498 - grifou-se).

Assim sendo, o primeiro aspecto a ser observado é que não se está diante de rescisória fundada no art. 966, V, do CPC/15, como equivocadamente apontado pela parte autora.

O único fundamento legal apto a autorizar o manejo da ação rescisória neste caso seria o art. 525, § 15, ou o art. 535, § 8º, ambos do CPC/15.

No entanto, o equívoco na indicação do fundamento legal não impede o conhecimento da presente ação rescisória, uma vez que, segundo os princípios 'Iura novit curia' e 'Da mihi factum, dabo tibi ius', o juiz conhece o Direito, sendo suficiente que lhes sejam dados os fatos. Significa dizer que o julgador aplica o direito a partir dos fatos narrados, ainda que o dispositivo de lei invocado pelo autor seja diverso.

Essa é a orientação do STJ ao afirmar que "Os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito)" REsp 1637375/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17.11.2020).

Por conseguinte, "O julgador tem liberdade para fazer as classificações jurídicas dos fatos que lhe são apresentados conforme o direito aplicável ao caso concreto. Incidem na espécie os brocardos latinos iura novit curia e da mihi factum, dado tibi ius, admitidos pela legislação processual. Portanto, a referência errônea a dispositivo legal revogado pelo novel Código de Processo Civil não macula a Ação Rescisória" (STJ, REsp. n. 1.822.029/PE, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 26.11.2019).

Essa constatação inicial é relevante para se identificar o ponto crucial da questão: o fundamento que viabilizou o ajuizamento da ação.

E, ao contrário do que se pode imaginar, o motivo da rescisória não é o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, na redação dada pela Lei n. 11.960/09, mas, sim, o julgamento que recaiu sobre o referido dispositivo.

Isto é, o fundamento da rescisória é a interpretação dada ao referido artigo da lei.

Mitidiero lembra que a interpretação da lei é 'valoração', na qual o intérprete "opta racionalmente entre um dos resultados interpretativos possíveis, de modo que a interpretação-resultado, em vez de ser declaração, é atribuição de sentido à lei" (Marinoni., Luiz Guilherme. Mitidiero. Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 926 ao 975. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, v. 15, 2016, pág. 385).

Consequentemente, o fato jurídico da rescisória é a interpretação da norma, não o mero dispositivo de lei.

À vista disso, denota-se que a razão de ser da rescisória é a "decisão proferida" pelo STF. É este o fundamento dessa nova possibilidade da rescisória prevista § 8º do art. 535 do CPC/15. Dito de outro modo: a possibilidade da rescisória surge a partir da "decisão proferida" pelo Supremo. A existência de uma 'decisão' é a exigência prevista na lei processual para permitir o seu ajuizamento.

E esse fato jurídico pressuposto para a rescindibilidade do §...

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