Acórdão Nº 5029375-93.2020.8.24.0008 do Segunda Câmara de Direito Civil, 15-12-2022

Número do processo5029375-93.2020.8.24.0008
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5029375-93.2020.8.24.0008/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5029375-93.2020.8.24.0008/SC

RELATORA: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF

APELANTE: MARIA MARLI RONCAGLIO TRIERWEILER (AUTOR) ADVOGADO: DAVID EDUARDO DA CUNHA (OAB SC045573) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: FELIPE BARRETO TOLENTINO (OAB SC057388A) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Maria Marli Roncaglio Trierweiler ajuizou a ação declaratória de inexistência de débito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais n. 5029375-93.2020.8.24.0008, em face de Banco BMG S.A., perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Blumenau.

A lide restou assim delimitada, consoante relatório da sentença da lavra do magistrado Orlando Luiz Zanon Junior (evento 35, SENT1):

MARIA MARLI RONCAGLIO TRIERWEILER propôs demanda em face de BANCO BMG S.A, objetivando a desconstituição de débito, a reparação de danos morais e a restituição dos valores cobrados, sob o argumento de que houve desconto indevido em seu benefício previdenciário, com comprometimento da Reserva de Margem Consignável (RMC).

A parte acionada, em contestação, refutou os argumentos deduzidos na petição inicial, apresentando o instrumento contratual em discussão posteriormente (eventos 10 e 13).

Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos.

Na parte dispositiva da decisão constou:

Do exposto, resolvo o mérito julgando parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, I, do CPC), para:

a) desconstituir o débito questionado em juízo;

b) rejeitar o pedido de reparação de danos morais; e,

c) condenar a parte acionada à devolução dos valores comprovadamente debitados, na forma simples, devidamente corrigidos pelo INPC/IBGE desde a data dos descontos indevidos até o dia da citação (04.11.2020 - evento 8), a partir de quando passa a incidir isoladamente a Taxa Selic; e,

Está autorizada a compensação dos valores depositados pela instituição financeira na conta bancária da parte ativa com o montante da condenação. O valor a ser compensado deve ser atualizado pelo INPC/IBGE até o dia do pagamento da condenação.

Condeno as partes ao pagamento das despesas processuais pendentes, na proporção de 1/3 devidos pelo(s) integrante(s) do polo ativo e de 2/3 a ser(em) arcado(s) pelo(s) do lado passivo, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Fixo os honorários sucumbenciais devidos aos advogados no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda e com juros moratórios de 1% ao mês não capitalizados a partir do trânsito em julgado), observada a mesma proporção antes fixada, vedada a compensação, conforme art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à(s) parte(s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei n. 1.060/1950.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Irresignado, o requerido interpôs recurso de apelação (evento 41, APELAÇÃO1) aduzindo, em síntese, que: a) as partes celebraram contrato de cartão de crédito consignado, com autorização para desconto do valor mínimo das faturas em folha de pagamento; b) a autora utilizou do limite para saque, e os valores foram lançados nas faturas, além de ter realizado diversas compras em estabelecimentos distintos; c) apresentou o contrato assinado pela autora, sendo certo que seu objeto é lícito, possível e determinado, sem que constatado nenhum vício; d) a operação contratada se assemelha ao cartão de crédito convencional, com a peculiaridade de que o pagamento mínimo da fatura é consignado de forma automática na folha de pagamento do titular; e) o cartão pode ser utilizado para realização de compras ou para saque, que independe da emissão do plástico; f) diante da natureza da operação, não é possível a indicação do número de parcelas ou do prazo de quitação de eventual saque realizado, eis que a cada mês o titular tem a oportunidade de quitar integralmente o débito; g) também não se mostra possível indicar a taxa de juros; h) a reserva de margem e a utilização do cartão para saque são lícitas; i) não logrou a autora comprovar a existência de vício de consentimento; j) eventual declaração de inexistência de débito enseja o enriquecimento sem causa da autora; k) inexistem os danos morais pretendidos; l) ante a regularidade da contratação, não há que se falar em restituição de valores; e m) caso mantida a condenação, os valores recebidos pela autora em razão dos saques devem ser devolvidos, com correção monetária, ou ao menos autorizada sua compensação.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso, bem como o prequestionamento dos dispostivos legais aventados nas razões recursais.

Igualmente insatisfeita, a autora também interpôs recurso de apelação (evento 48, APELAÇÃO1), suscitando, em resumo, que: a) deve ser levado em consideração o entendimento firmado na ação civil pública n. 0010064-91.2015.8.10.0000, em que se decidiu que a modalidade de cartão de crédito consignado, apesar de lícita, torna o contrato impagável pelo consumidor; b) nunca contratou nenhum cartão; c) faz jus ao recebimento de indenização por danos morais; d) o réu averbou contrato impagável e gerador de uma dívida sem fim sem qualquer autorização da autora; e) a averbação do cartão de crédito ocorreu em 12-12-2019 e os descontos persistem por mais de dois anos, com descontos que chegam a R$ 2.737,00 (dois mil setecentos e trinta e sete reais), quantia equivalente ao que receberia em dois meses a título de benefício previdenciário; f) a autora, em razão da característica do cartão de crédito consignado, jamais conseguiria quitar o débito; g) há anos tem sua fonte de renda comprometida pelo réu; h) o montante indenizatório deve ser arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais); i) deve ser observado o cunho pedagógico da indenização por danos morais; j) sobre o valor a ser restituído, os juros de mora devem incidir desde o evento danoso, nos termos da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça; k) além disso, faz jus à repetição em dobro do indébito, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor; e l) decaiu em parte mínima do pedido, e o pleito principal, relativo à inexistência de relação jurídica, foi acolhido, devendo ser redistribuído o ônus de sucumbência.

Postulou o conhecimento e provimento do apelo.

A autora apresentou contrarrazões defendendo que o recurso do réu não respeita o princípio da dialeticidade. No mérito, requereu o desprovimento do apelo (evento 53, CONTRAZ1).

O réu, por sua vez, pleiteou o desprovimento do recurso da autora (evento 54, CONTRAZ1).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

1 Do recurso de apelação do requerido

Antes de adentrar no mérito do apelo, imperioso analisar a presença dos requisitos de admissibilidade.

Neste particular, em suas contrarrazões, a autora aduziu que o apelo não respeita o princípio da dialeticidade, se limitando a reproduzir trechos da contestação sem atacar os fundamentos da decisão hostilizada (evento 53, CONTRAZ1).

Todavia, a preliminar não se sustenta.

Com efeito, em seu recurso, o requerido defendeu expressamente a licitude da contratação, relativa a contrato de cartão de crédito consignado, razão pela qual pleiteou a reforma da sentença para que julgados improcedentes os pedidos iniciais.

Implica dizer, há vinculação mínima entre a motivação recursal e a ratio decidendi, satisfazendo-se os pressupostos encartados nos art. 1.010 do Código de Processo Civil.

A despeito disso, o recurso merece ser conhecido tão somente em parte.

Isso porque, apesar de defender a inexistência de abalo anímico indenizável e postular a devolução do valor disponibilizado à autora ou sua compensação, é certo que a sentença recorrida sequer condenou o réu ao pagamento de indenização por danos morais, além de ter autorizado "a compensação dos valores depositados pela instituição financeira na conta bancária da parte ativa com o montante da condenação".

Assim, ante a ausência de interesse recursal, inviável o conhecimento do recurso nos pontos.

Quanto ao mérito, verifico tratar-se de ação declaratória de inexistência de relação contratual cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais cuja causa de pedir está relacionada à realização de descontos indevidos no benefício previdenciário da autora em razão de contrato de cartão de crédito consignado que alega não ter contratado.

Neste particular, imperioso ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor resta plenamente aplicável ao caso, enquadrando-se a autora no conceito de consumidora, sendo o destinatária final do serviço, e o requerido no conceito de fornecedor.

Sobre o tema, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular n. 297, segundo o qual "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Por consequência, responde o réu de forma objetiva pelos danos causados à consumidora, somente podendo se eximir de sua responsabilidade caso demonstre a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

É o que dispõe o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.[...]§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso, defende o réu a regularidade das...

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