Acórdão Nº 5029544-36.2022.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Público, 06-12-2022

Número do processo5029544-36.2022.8.24.0000
Data06 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5029544-36.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

AGRAVANTE: ANTONIO MANOEL DE SOUZA AGRAVANTE: ELIANA ALBINO SERAFIM AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Antônio Manoel de Souza e Eliana Albino Serafim à decisão interlocutória proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 5003140-94.2021.8.24.0189 ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na qual foi deferida a tutela de urgência para determinar que os requeridos se abstenham de realizar atos de transferência e divulgação dos lotes pertencentes ao Loteamento Balneário Pérola ou Pé de Pano, em Passo de Torres/SC, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (e. 20 dos autos de origem).

Nas suas razões, sustentam, em sede preliminar, que o referido loteamento foi constituído há mais tempo do que alega o Ministério Público e que, portanto, a pretensão relativa à ação civil pública encontra-se prescrita. Dizem, ainda, que cabia à administração pública ter exercido juízo fiscalizatório, e que, em respeito ao princípio da segurança jurídica, deve ser reconhecida a decadência do direito de promover a demolição das construções realizadas no local. Também suscitam a ilegitimidade passiva, pois não são proprietários do imóvel objeto da ação de origem, visto que a agravante Eliana é titular de direitos possessórios cedidos por Bento Manoel de Souza, posseiro da área, e que a parcela do imóvel que ocupam corresponde a apenas 25% da gleba total. Asseveram, ainda, que a petição inicial deve ser declarada inepta, pois da narrativa dos fatos não se extrai conduta imputada aos recorrentes. No mérito, referem que o fato de exercerem posse mansa, pacífica e ininterrupta no local afasta a pretensão do Ministério Público, e que o imóvel pode ser regularizado por meio da implementação de Reurb, uma vez que dispõe de infraestrutura adequada, tendo-se comprometido o Município de Passo de Torres/SC, em acordo firmado com o Ministério Público Federal e homologado pelo juízo federal da 4ª Vara Federal de Criciúma, a promover a regularização da área. Alegam que o provimento de primeiro grau contradiz a decisão proferida pelo mesmo juízo nos autos da ação de obrigação de fazer n. 5001634- 83.2021.8.24.0189, movida pela Associação de Moradores do Balneário Pérola, a qual reconheceu que os posseiros possuíam justo título e garantiu a manutenção da ligação de energia elétrica no local. Afirmam que, nos autos de origem, o magistrado a quo já se manifestou no sentido de reconhecer que os agravantes possuem direitos possessórios em relação ao imóvel, o que corroboraria a tese de usucapião ordinária veiculada por Bento Manoel de Souza nos autos n. 0007385-46.2000.8.24.0069. Aduzem que a vegetação local vem sendo preservada e que, ao contrário do que sustenta o agravado, o imóvel não se localiza em área de preservação ambiental permanente. Acrescentam que o bem está situado em zona rural e não se sujeita à regulamentação por meio da Lei n. 6.766/1979, o que evidencia a inadequação da via eleita pelo requerente. Negam, ainda, terem praticado os atos de loteamento imputados pelo autor, devendo ser isentos de responsabilidade civil e criminal. Argumentam, por fim, que os primeiros posseiros passaram a ocupar a área em 1977, e que o inquérito civil foi instaurado pelo Ministério Público tão somente em 2016, o que descaracteriza o requisito de perigo de dano para a concessão da tutela de urgência, além de não ter sido comprovada degradação ambiental, afastando-se, também, a probabilidade do direito do requerente. Referem, em sentido inverso, que são eles que sofrem risco pelo deferimento da medida, pois a área estará sujeita à invasão e esbulho por parte de terceiros. Nesses termos, requereram a atribuição de efeito suspensivo à decisão de primeiro grau e, ao fim, a reforma do decisum.

O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso foi indeferido (e. 11). Os agravantes opuseram embargos de declaração (e. 18).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (e. 24).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, opinou pela manutenção do decidido (e. 32).

Vieram os autos à conclusão para julgamento.

VOTO

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade. Passa-se à análise das suas razões.

Inicialmente, destaca-se que o exame do agravo cinge-se ao exame do acerto ou desacerto da decisão agravada, sem adentrar no mérito da questão.

A decisão agravada tem o seguinte teor (e. 20 da origem):

Trata-se de "ação civil pública para cumprimento de obrigação de fazer com pedido liminar" ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de Maria Gorete Alves de Souza, Lenir Alves de Souza, Jocerlei Brizolla de Brizola, Deroni Alves de Souza, Benoni Alves de Souza, Município de Passo de Torres/SC, Mampituba Compra e Venda de Imóveis LTDA., Antônio Manoel de Souza, Alcioni Alves de Souza e Eliana Albino Serafim.

Aduziu, em síntese, como causa de pedir, que a presente ação civil pública teve início a partir da instauração do inquérito civil n. 06.2016.00008899-3, do qual se extrai, em suma, que em 1980 a empresa Mampituba Compra e Venda de Imóveis LTDA. (CNPJ n. 90.757.733/0001-68) iniciou o loteamento denominado Balneário Miraflores, no imóvel de área total de 426.277,00 m2 (ou 42,6 ha), que se encontra registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Sombrio/SC sob o n. 12.932, registro geral de matrícula n. 1.404. Somado a isso, o projeto de loteamento restou devidamente aprovado pelo Município de São João do Sul/SC (em momento prévio ao desmembramento do Município de Passo de Torres/SC), sendo que tal projeto previa a existência de 44 (quarenta e quatro) quadras, o que totaliza 984 (novecentos e oitenta e quatro) lotes. Em 2016, a seu turno, a Promotoria de Justiça tomou conhecimento de que Bento Manoel de Souza e Alcione Alves de Souza tomaram posse de parte da terra não habitada onde se encontrava o loteamento em apreço, mais especificamente nas coordenadas UTM 22J 627366,6E / 6759804,65N, sendo que parte da área era de preservação permanente, e deram início a um loteamento clandesdino, inclusive realizado a venda de lotas, sem que possuíssem qualquer autorização para tanto. Em 2018, instaurou-se inquérito policial para apurar a eventual prática do crime elencado no art. 50, inc. I, da Lei n. 6.766/79, sendo que, atualmente, a área irregular do loteamento é composta por aproximadamente 186 (cento e oitenta e seis) residências. Mais especificamente no que toca à dinâmica da propriedade do imóvel litigioso, colhe-se dos autos que, em 11.12.2000, Bento Manoel de Souza ajuizou ação para usucapião do imóvel situado à Estrada Geral da Barra Velha, entre os quilômetros 05 (cinco) e 06 (seis), bairro Bella Torres, no município de Passo de Torres/SC, como se pode extrair dos autos n. 0007385-46.2000.8.24.0069. Nessa ação judicial, alegou que desde março/1997 exercia de forma mansa e pacífica a posse do imóvel. Pelo fato de o imóvel em comento ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Sombrio/SC sob o n. 12.932, registro geral de matrícula n. 1.404, de 07.11,1979, de propriedade da empresa Mampituba Compra e Venda de Imóveis LTDA., esta, em 01.03.2001, após ter sido devidamente citada, ofertou contestação na ação de usucapião. Com o falecimento de Bento Manoel de Souza, em 19.11.2012, os seus herdeiros Maria Gorete Alves de Souza, Deroni Alves de Souza, Beroni Alves de Souza, Lenir Alves de Souza, todos representados pelo irmão Alcioni Alves de Souza, pugnaram pela sua habilitação nos autos de usucapião. Pouco depois, Eliana Albino Serafim, junto de seu esposo, Antônio Manoel de Souza, também pleitearam a habilitação nos autos da ação de usucapião, o que foi deferido após o manejo de agravo de instrumento junto ao TJSC. Elucidou que Eliane, na ocasião, defendeu ter desenvolvido trabalho jurídico para o falecido no processo de usucapião, onde teria restado acordado o pagamento dos serviços advocatícios por intermédio da cessão de 25% (vinte e cinco por cento) dos direitos possessórios do imóvel litigioso, área inclusive sobre a qual já exercia a posse. Ante o litígio, determinou-se a vedação de início de novas construções no imóvel usucapiendo, assim como a proibição de promoção de alienação de lotes por qualquer das partes, sob pena de multa. Ao que defendeu o Ministério Público, o litígio permanece até então, pois não houve sentença para atestar a propriedade do bem. Somado a isso, pelo fato de não ser possível constatar qual o núcleo familiar que efetivamente deu início à implementação clandestino, faz-se necessária a inclusão de todos os proprietários/posseiros/interessados no polo passivo desta ação civil pública. Apontou o Ministério Público, ademais, a existência de fortes indícios de que o Loteamento Pérola/Balneário Pérola (ou Pé de Pano) está sobreposto, de modo total ou parcial, ao Loteamento Balneário Miraflores. Mais especificamente no que toca ao Loteamento Pérola, narrou que, no ano de 2016, cerca de 63 (sessenta e três) autores ajuizaram a ação n. 0301207-74.2016.8.24.0189, com o fito de obterem o reconhecimento e o registro do domínio dos seus lotes por intermédio do Projeto Lar Legal. No entanto, por se tratar da mesma área pertencente ao Loteamento Balneário Miraflores, a empresa Mampituba Compra e Venda de Imóveis também requereu a sua habilitação no feito. Por sua vez, no corrente ano de 2021, a Associação de Moradores do Balneário Pérola ajuizou ação em busca da obrigação de fazer c/c antecipação de tutela, em face do Município de Passo de Torres/SC e Cooperativa de Eletricidade Praia Grande - CEPRAG (autos n. 5001634-83.2-21.8.24.0189) com o fito de obterem o fornecimento da energia elétrica no imóvel, que na esfera administrativa recebeu uma negativa pelo fato de que o imóvel se encontrava localizado em parcelamento irregular/clandestino...

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