Acórdão Nº 5029546-06.2022.8.24.0000 do Órgão Especial, 21-09-2022

Número do processo5029546-06.2022.8.24.0000
Data21 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualMandado de Segurança Criminal (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Mandado de Segurança Criminal (Órgão Especial) Nº 5029546-06.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

IMPETRANTE: RAY ARECIO REIS IMPETRADO: Segunda Câmara Criminal - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis

RELATÓRIO

RAY ARECIO REIS impetrou mandado de segurança contra ato praticado pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a qual, nos autos do agravo em execução penal n. 5028336-27.2021.8.24.0008, ao proferir acórdão, aplicou a multa por abandono de causa prevista no art. 265 do CPP em desfavor do impetrante, no importe equivalente a 10 (dez) salários mínimos.

Alegou, em suma que: a) não houve efetivamente abandono da causa, mas apenas a perda de um único ato (contrarrazões ao agravo em execução penal); b) continuou atuando em favor de seu cliente após a perda do ato e à aplicação da penalidade; c) sua falta não acarretou prejuízos ao cliente, dado que o recurso não contra-arrazoado foi desprovido; d) a não apresentação da peça, naquela oportunidade, justifica-se na fundada dúvida que possuía acerca de possível incompatibilidade entre a advocacia privada e a função de Procurador-Geral da Câmara dos Vereadores de Blumenau que então exercia, o que inclusive ensejou a instauração Representação Disciplinar junto à OAB/SC, posteriormente arquivada.

Nesses termos, pugnou pela concessão liminar da segurança, suspendendo-se a aplicação da multa, com sua posterior confirmação.

A segurança foi liminarmente concedida (Evento 8).

Prestadas informações pela autoridade coatora (Evento 14).

A Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se para requerer que seja intimada de todos os atos processuais (Evento 25).

Lavrou Parecer pela 16ª Procuradoria de Justiça Criminal o Exmo. Dr. Francisco Bissoli Filho, que opinou pela denegação da segurança (Evento 28).

É o relatório.

VOTO

Trata-se, como relatado, de mandado de segurança impetrado por advogado em face de decisão colegiada proferida pela 2ª Câmara de Direito Criminal deste Tribunal de Justiça, que ao julgar o agravo em execução penal n. 5028336-27.2021.8.24.0008, condenou o impetrante ao pagamento de multa de dez salários mínimos (art. 265 do CPP) por ter pretensamente abandonado a causa.

O presente expediente tem como propósito, nesse contexto, a exclusão definitiva da multa, ante a suposta ilegalidade praticada pelo órgão colegiado aplicador da penalidade.

Adianto que, mesmo após um exame mais aprofundado das questões ora postas em discussão, não encontro elementos que permitam alcançar conclusão diversa daquela consignada na decisão unipessoal do Evento 8, que concedeu liminarmente a segurança, conforme pretendido pelo impetrante. Assim, mesmo para evitar desnecessária tautologia, reporto-me principalmente aos fundamentos alinhavados naquela ocasião para subsidiar o voto que segue.

Ao analisar os autos em que foi praticado o ato pretensamente ilegal (agravo em execução penal n. 5028336-27.2021.8.24.0008), observo que o impetrante, advogado constituído do apenado/agravado, não apresentou contrarrazões no prazo de lei (Evento 11 dos autos n. 5028336-27.2021.8.24.0008 - PG).

À vista dessa situação, o procurador impetrante foi intimado pessoalmente para justificar sua inação, sob pena de multa (Evento 17 dos autos n. 5029546-06.2022.8.24.0000 - SG).

Novamente, a intimação não foi atendida, o que motivou a nomeação de defensor dativo em favor do apenado/agravado para viabilizar o julgamento do recurso e a posterior aplicação da multa em face do impetrante quando da prolação do respectivo acórdão.

Apesar de reconhecer a falta praticada, o impetrante aduz, em suas razões, que houve justa causa para tanto: O receio de que poderia haver incompatibilidade entre o exercício de advocacia privada e o cargo de Procurador-Geral da Câmara dos Vereadores de Blumenau, que à época ocupava, o que teria inclusive ensejado a instauração de representação perante o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB em seu desfavor (Evento 1, Anexo 11, p. 01-08).

A argumentação, todavia, não convence.

Primeiro porque ao tempo da intimação do impetrante para apresentação de contrarrazões ao agravo em execução penal n. 5028336-27.2021.8.24.0008, em setembro de 2021, ele ainda não havia sequer sido notificado no procedimento disciplinar que tramitou perante a OAB/SC, o que só veio a ocorrer em março de 2022, inclusive após a prolação do acórdão que aplicou a multa ora questionada (Evento 1, Anexo 12, p. 10).

Segundo porque incompatibilidade entre cargos de fato não havia, até porque o procedimento da representação no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB restou ao final arquivado, conforme documentação colacionada aos mandamus (Evento 1, Anexo 16, p. 29).

De qualquer sorte, ainda que por algum motivo o impetrante estivesse em dúvidas quanto à regularidade do exercício da advocacia privada durante sua ocupação do cargo de Procurador-Geral da Câmara dos Vereadores de Blumenau antes mesmo de ser notificado na representação que lhe foi movida no âmbito administrativo, o fato é que deveria ter no mínimo comunicado essa circunstância ao juízo, a fim de que fossem adotadas as necessárias providências atinentes à representação de seu cliente, fosse mediante substabelecimento, fosse mediante constituição de novo procurador. Uma diligência mínima nesse sentido evitaria as reiteradas intimações que necessitaram serem lançadas, prejudicando o célere andamento da marcha processual.

Nesse sentido, não há justificativas acatáveis para a não adoção de nenhuma dessas providências.

Ao que tudo indica, portanto, o impetrante atuou profissionalmente de forma desidiosa no âmbito do recurso de agravo em execução penal n. 5028336-27.2021.8.24.0008.

Ainda assim, a despeito do estabelecimento de tal premissa, é possível vislumbrar ilegalidade na aplicação da multa pela 2ª Câmara de Direito Criminal.

Isso porque, como claramente dispõe o art. 265 do CPP, a multa é devida pelo procurador que, sem motivo imperioso previamente comunicado ao juízo, simplesmente abandonar o processo. Trata-se de uma situação mais ampla e mais grave do que a mera falta de prática de um determinado ato processual. Pune-se, aqui, o advogado que deixa de atuar em absoluto na defesa do seu cliente.

Não é o que aconteceu no caso em exame.

Dos documentos que acompanham o presente expediente, vejo que até a falta ocorrida, o impetrante, constituído em fevereiro de 2021, vinha atuando em favor dos interesses de seu cliente, apenado na execução penal n. 0007447-45.2018.8.24.0008, com zelo e diligência satisfatórios (Evento 1, Anexos 6 a 9).

E apesar da perda do prazo para ofertar contrarrazões no agravo em execução penal, o fato é que posteriormente a esse episódio voltou a atuar em favor de seu cliente, tendo apresentado, perante o juízo de primeiro grau, pedido de renovação do benefício de saída temporária (Evento 1, Anexo 10, p. 11-12).

Resta claro, assim, que a falha do advogado impetrante limitou-se a um único ato processual, inexistindo efetivo abandono da causa, mesmo porque posteriormente ao recurso em que deixou de apresentar contrarrazões, voltou a atuar nos autos originários em defesa dos interesses de seu cliente.

Há de se mencionar, ainda, que o fato ocorrido não acarretou efetivo prejuízo ao cliente do impetrante, dado que foi negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Nesse ponto, cabe fazer menção à remansosa jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a falta de prática de um ato isolado do processo, pelo advogado criminal, não configura abandono processual a ensejar a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP. Confira-se:

"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA LITIGIOSA. SEÇÕES CRIMINAIS. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 265 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DEFENSOR PÚBLICO. RECUSA PARA ATUAR EM ATO ESPECÍFICO DO PROCESSO. REGRAMENTO ADMINISTRATIVO DA DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO PROVIDO.1. Na definição da competência das Seções deste Superior Tribunal de Justiça, prevalece a natureza da relação jurídica litigiosa. Pouco importa o instrumento processual utilizado ou a espécie da lei que fundamentou a decisão recorrida ou que foi invocada no recurso [...] (in CC n. 29.481/SP, Corte Especial, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 28/05/2001). 2. Considerando que a multa fixada com fundamento no art. 265 do Código de Processo Penal decorre necessariamente de relação jurídica litigiosa regida pelas normas de direito penal, a competência para o julgamento de eventuais controvérsias será das respectivas turmas criminais. 3. O abandono ou recusa do advogado (defensor) em atuar em ato específico do processo penal, não se equipara ao abandono do processo de que trata o art. 265 do Código de Processo Penal. 4. A impossibilidade material de atender a todos necessitados não permite transferir do órgão - Defensoria Pública - para o magistrado o critério eletivo. 5. Punição que pretende obrigar o defensor público a atender aos critérios do juiz, contrariando inclusive regramento próprio do órgão. Impossibilidade. 6. Recurso em mandado de segurança provido para afastar a multa aplicada." (RMS 54.112/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 24/09/2018; destaquei)

"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 265 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DEFENSOR CONSTITUÍDO. PERMANÊNCIA NO FEITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ABANDONO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1. O abandono do advogado em atuar em ato específico do processo penal, por defensor do réu que permaneceu na causa, tendo, inclusive, atuado nos atos subsequentes, não se equipara ao abandono do processo de que trata o art. 265 do Código de Processo Penal. Precedentes. 2. Recurso em mandado de segurança provido para afastar a multa aplicada." (RMS 57.508/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 12/09/2018; destaquei)

"PROCESSUAL...

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