Acórdão Nº 5030229-14.2020.8.24.0000 do Grupo de Câmaras de Direito Público, 24-11-2021

Número do processo5030229-14.2020.8.24.0000
Data24 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoGrupo de Câmaras de Direito Público
Classe processualMandado de Segurança Coletivo (Grupo Público)
Tipo de documentoAcórdão
Mandado de Segurança Coletivo (Grupo Público) Nº 5030229-14.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

IMPETRANTE: ANTONIO CARLOS BITTENCOURT DA SILVA IMPETRADO: ESTADO DE SANTA CATARINA IMPETRADO: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis

RELATÓRIO

Antônio Carlos Bittencourt da Silva impetrou mandado de segurança contra ato supostamente ilegal atribuído ao Governador do Estado de Santa Catarina.

Disse que é escrivão de polícia e que, em virtude de decisão proferida no Processo Administrativo Disciplinar n. 029/2018, foi punido com 33 dias de suspensão por infração ao disposto no art. 209, III e parágrafo único, da Lei Estadual n. 6.843/86.

Alegou a consumação da prescrição, por terem transcorrido mais de 2 anos entre a publicação da portaria que instaurou o processo administrativo disciplinar e o ato punitivo, nos termos do art. 244 da Lei Estadual n. 6.843/86, e serem inaplicáveis aos policiais civis as disposições gerais da LCE n. 491/2010 a esse respeito.

Sustentou ainda ter havido cerceamento de defesa, ao argumento de que a portaria inaugural é genérica e não delimita adequadamente a apuração dos fatos, a condenação com base nos conceitos abstratos de indisciplina e insubordinação viola o art. 20 da LINDB e o julgamento foi realizado em única instância pelo Governador, sem a possibilidade de recurso hierárquico.

Requereu a suspensão liminar da penalidade e, no mérito, a anulação da decisão que a aplicou ou, subsidiariamente, da portaria inaugural do processo administrativo disciplinar.

A medida liminar foi indeferida e contra essa decisão o impetrante interpôs agravo interno.

O Estado de Santa Catarina ingressou no feito.

A autoridade coatora prestou informações defendendo a inocorrência da prescrição e a legalidade da sanção aplicada, pois não se exige a descrição detalhada dos fatos imputados ao servidor na portaria inaugural, que, ademais, previa condutas puníveis com demissão, atraindo a competência do Governador para o julgamento do processo administrativo disciplinar.

A Procuradoria-Geral de Justiça não manifestou interesse na causa.

É o relatório.

VOTO

O impetrante respondeu a processo administrativo disciplinar e foi punido com 33 dias de suspensão por ter sido insubordinado no exercício do cargo de escrivão de polícia.

Com exceção da generalidade da portaria inaugural, todas as demais alegações do servidor repetem os termos do Mandado de Segurança n. 5037474-76.2020.8.24.0000, que impetrou contra outra punição disciplinar da mesma natureza, e foram rejeitados por decisão unânime deste Grupo de Câmaras de Direito Público.

O acórdão restou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO - POLICIAL CIVIL - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PRESCRIÇÃO AFASTADA - JULGAMENTO EM ÚNICA INSTÂNCIA - POSSIBILIDADE - TIPIFICAÇÃO - CONCEITOS JURIDICAMENTE ABERTOS - TÉCNICA CONSTITUCIONAL - DISTINÇÃO QUANTO AO ART. 20 DA LINDB - DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. É válida a disposição de lei que estabelece que a prescrição não corre durante o regular andamento do processo administrativo disciplinar. A regra, porém, não pode resultar na eternização dos feitos. Por isso, a jurisprudência limita aquela suspensão à obediência aos acanhados prazos previstos para o encerramento da instância extrajudicial. No caso dos policiais civis de Santa Catarina, o lapso dessa suspensão é de no máximo 120 dias, nos termos de precedentes deste Tribunal de Justiça (inclusive do Grupo de Câmaras de Direito Público).

O Governador do Estado aplicou suspensão do servidor, tendo ela se dado antes de superados os dois anos da retomada da contagem (quer dizer, após os iniciais 120 dias), de sorte que não foi ultrapassado o lapso máximo previsto na legislação de regência.

2. O devido processo legal envolve em termos gerais o direito a pelo menos um recurso a instância superior. Podem ocorrer, é pacífico no STF e STJ, restrições. Entre elas está a eventual impossibilidade lógica de se apresentar insurgência perante escalonamento acima: se a decisão vem do último grau da hierarquia, não caberá recurso - como se dá, por exemplo, nos casos de decisão em processo de competência originária do STF.

É o que também se passa quando é competente para a deliberação primitiva, na órbita administrativa evidentemente, o Governador do Estado. Pouco importa, aliás, que a pena de demissão (que atraía a atribuição do Chefe do Executivo) não tenha vigado; basta que houvesse essa potencialidade.

3. O art. 20 da LINDB impõe que o aplicador da norma pese as consequências de sua deliberação quando estiver diante de conceitos juridicamente indeterminados e quejandos. Não impede (nem norma ordinária poderia fazê-lo) que eles componham a descrição legal, tanto que no direito penal existem os congêneres elementos normativos do tipo.

Não existe crítica concreta à linha argumentativa adotada pelo coator para fazer a tipificação, o que impede, agora, alguma sorte de censura (pelo só fato de a lei fazer remissão a fórmula fluida).

4. Segurança denegada; agravo interno prejudicado.

(TJSC, Mandado de Segurança Cível n. 5037474-76.2020.8.24.0000, rel. Hélio do Valle Pereira, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 24/03/2021)

Do voto do Des. Hélio do Valle Pereira naquela ocasião, destaco os seguintes argumentos, que aqui reproduzo e adoto como razão de decidir, para não incidir em desnecessária tautologia:

1. A tese relativa à prescrição, que não é nova no âmbito deste Grupo de Câmaras de Direito Público, não tem êxito.

Houve a instauração do PAD em 26 de julho de 2018 e de acordo com o Estatuto da Polícia Civil (Lei 6.843/86), a contagem do marco prescricional foi interrompida:

Art. 244. (...)

§ 2º. O curso da prescrição interrompe-se com:

I - a abertura de sindicância;

II - a instauração de processo disciplinar;

III - o julgamento do processo disciplinar

§ 3º A prescrição interrompida começa a correr por inteiro, do prazo da data do ato que a interrompeu ou do termo do respectivo processo.

Paralelamente, em Santa Catarina, há a Lei Complementar 491, de 20 de janeiro de 2010, que criou o Estatuto Jurídico Disciplinar do âmbito da Administração Direta e Indireta. Ela trata assim do ato interruptivo:

Art. 22. A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

Seja de uma forma (Lei 6.843/86), seja de outra (LC 491/10), surgem dificuldades. Poderia o dies a quo da prescrição ser adiado indefinidamente até que a causa se encerrasse?

É por isso que, independentemente de maior aprofundamento quanto à incidência de uma ou de outra regra (nem sequer há de se falar em conflito aparente de normas, porquanto, ainda que uma seja especial e precedente em relação à outra, ambas consideram que o prazo extintivo volta a correr apenas depois de encerrado o processo administrativo), deve-se respeitar o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF). Dito de outro modo, não é aceitável que um processo administrativo, ainda mais sensível como um de natureza disciplinar, que pode inclusive conduzir à demissão (ou à suspensão, como no caso), possa ter a contagem da prescrição paralisada excessivamente em prejuízo do acusado.

Daí por que há um lapso de tolerância para que a causa administrativa tenha encerramento:

Art. 38 da Lei 491/10: Iniciar-se-ão os procedimentos processuais disciplinares no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação da Portaria no Diário Oficial do Estado e encerrar-se-á no prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, e em caso de força maior, por prazo determinado a critério da autoridade competente, não excedente a 60 (sessenta) dias.

É viável, então, fazer a interpretação conjugada da norma: há um prazo para a finalização da fase administrativa (120 dias), mas se ele for superado o curso da prescrição há ser retomado.

Foi a solução empregada pelo Desembargador Jorge Luiz de Borba neste precedente da 1ª Câmara de Direito Público:

MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL SOBRESTADA ATÉ A CONCLUSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. IMPOSSIBILIDADE DE A SUSPENSÃO PREVALECER ATÉ APÓS O DECURSO DO PRAZO ESTABELECIDO NO ART. 38 DA LCE N. 491/2010 PARA CONCLUSÃO DO PAD. NECESSIDADE DE QUE O ART. 63 DO REFERIDO CORPO NORMATIVO SEJA INTERPRETADO DE FORMA SISTÊMICA. DIREITO AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUE NÃO PODE SER INDEFINIDAMENTE SUSPENSO, MORMENTE QUANDO O PAD JÁ TRAMITA POR 7 (SETE) ANOS SEM CONCLUSÃO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA SOB REEXAME NECESSÁRIO.

O art. 63 da LCE n. 491/2010 deve ser interpretado de forma sistêmica, sem ignorar o prazo estabelecido no art. 38 do mesmo diploma. Assim, conclui-se que o processo de aposentadoria de servidor...

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