Acórdão Nº 5030477-23.2020.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-07-2023

Número do processo5030477-23.2020.8.24.0018
Data27 Julho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5030477-23.2020.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: LAURA MARIA TECCHIO (RÉU) ADVOGADO(A): LUCIANO CABRAL DE MELO GARGIONI (OAB SC015880) APELANTE: LETICIA LYS TECCHIO (RÉU) ADVOGADO(A): LUCIANO CABRAL DE MELO GARGIONI (OAB SC015880) APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO MAXI ALFA DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS - SICOOB MAXICREDITO (AUTOR) ADVOGADO(A): MORGANA CAMATTI (OAB SC034351) ADVOGADO(A): VANDERLEI VALCARENGHI (OAB SC027590) ADVOGADO(A): PRESCILA ROMANOVSKI (OAB SC054490)


RELATÓRIO


LAURA MARIA TECCHIO e LETICIA LYS TECCHIO interpuseram recurso de apelação da sentença (evento 43, DOC1) proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, nos autos da ação revocatória proposta por COOPERATIVA DE CREDITO MAXI ALFA DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS - SICOOB MAXICREDITO, que julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Trata-se de ação revocatória/pauliana, em que são partes as acima indicadas, todas devidamente qualificadas nos autos.
Como fundamento da pretensão, aduziu a parte autora, em suma: a) é credor da ré Laura Maria Tecchio na quantia de R$ 1.583.284,41 (um milhão quinhentos e oitenta e três mil duzentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), representada pela Cédula de Crédito Bancário nº 129438-4, firmada em 07/03/2016, a qual está inadimplente desde 25/08/2016, sendo tal contrato objeto da ação de execução de título extrajudicial nº 0307644-28.2017.8.24.0018, que tramita na 2ª Vara Cível desta Comarca; b) em que pese possua garantia hipotecária sobre o imóvel matriculado sob n. 29.943 do CRI de Chapecó/SC, este não é suficiente para garantir a dívida exequenda, uma vez que na ação de execução o referido imóvel foi avaliado pelo valor de R$ 73.600,00 pelo Sr. Oficial de Justiça; c) apesar de inadimplente desde 25/08/2016, a ré Laura alienou, em 19/01/2017 e 20/01/2017, os imóveis matrículas n. 29.464 do CRI de Chapecó/SC e nº 1.017 do CRI de Coronel Freitas/SC para a sua irmã, Letícia Lys Tecchio; d) sendo a adquirente dos imóveis irmã da ré Laura, era conhecedora da inadimplência desta; e) tal alienação dos imóveis em janeiro de 2017 revela uma manobra fraudulenta ardilosamente arquitetada por parte das rés a fim de fraudar credores; e) a transferência dos imóveis foi uma simulação de negócio jurídico; e, f) a situação está lhe causando transtornos, pois a ré Laura se tornou insolvente de forma proposital.
Em tutela de urgência, postulou pela imediata indisponibilidade dos imóveis, bem como pela anotação da existência da presente demanda em suas matrículas. Requereu a procedência dos pedidos iniciais, formulou os requerimentos de praxe e juntou documentos.
A tutela provisória foi deferida, conforme decisão do evento 12.
Citadas, as rés ofertaram contestação conjunta (evento 27), deduzindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da ré Letícia. Quanto ao mais, argumentaram, também resumidamente: a) tratou-se de um negócio lícito e perfeitamente possível, em razão de situações patrimoniais familiares bem complexas que o grupo estava atravessando; b) em 09 de janeiro de 2016, com a presença do núcleo familiar da Ré, e assessoria de profissional da contabilidade, foi convocada uma reunião para tratar da situação financeira que se afigurava no âmbito das empresas do grupo, bem como situações pontuais de prejuízo que foram apontadas; c) a proposta foi a de divisão parcial do patrimônio do acervo familiar entre as três filhas - no caso, os dois terrenos, matrículas 29.464 e 42.792, do CRI de Chapecó, e que são o objeto da presente ação, ficando acertado que tal doação seria feita sob a forma de adiantamento da legítima das herdeiras filhas, na forma do artigo 496 do Código Civil; d) acertaram as partes que por questão de administração, os terrenos seriam transferidos exclusivamente para o nome da corré Letícia Lys Tecchio, mas em condomínio ou co-propriedade de 33% para cada herdeiro, até para que se facilitasse o processo de registro da doação; e) não é válida a alegação de que o mero parentesco entre as irmãs é suficiente para configuração de fraude contra credores, sobretudo por ser extremamente comum a formalização de negócios entre familiares, compras, vendas, doações, transferências, de modo que tal circunstância, por si só, não possui o condão de caracterizar a fraude; f) fez a escritura de compra e venda, que repousa com a inicial, como mero aspecto tribuário mais favorável (ao invés de doação); g) não houve ardil ou fraude no ato, mas simplesmente a doação patrimonial em circunstância particularíssima; e, h) inexiste insolvência da devedora. Pugnaram pela rejeição da pretensão inaugural e também juntaram documentos.
Houve réplica e, por fim, determinou-se que as partes especificassem as provas que ainda pretendiam produzir, o que foi atendido.
É, com a concisão necessária, o relatório.
Cuida-se de ação revocatória/pauliana, na qual a parte autora afirma que as rés teriam alienado fraudulentamente entre si os imóveis de matrículas n. 29.464 do CRI de Chapecó/SC e n. 1.017 do CRI de Coronel Freitas/SC, o que teria lhe causado prejuízos ante a insolvência da devedora Laura.
Decido antecipadamente, nos termos do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil, uma vez que a realidade processual está bem demonstrada pelos documentos já anexados e pelas próprias manifestações dos litigantes, bastando à hipótese a mera subsunção das normais legais aplicáveis.
Outrossim, ainda que agora se admita como absolutamente verdadeira a tese defensiva, tem-se que mesmo assim o acolhimento da pretensão inaugural seria de rigor, o que somente corrobora com o exposto e afasta até mesmo eventual tese futura de cerceamento de defesa. Isto é, para que reste claro: o juízo aqui admitirá como verdade todos os argumentos deduzidos na contestação, o que, de todo modo, é incapaz de evitar a procedência do pedido inicial, como na sequência melhor se estabelecerá.
Antes de qualquer outra providência, todavia, afaste-se a preliminar de ilegitimidade passiva da ré Letícia, uma vez que o artigo 161 do Código Civil é bastante claro ao definir que "a ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé".
Dessa forma, como os imóveis foram registrados em nome exclusivo da mencionada demandada, tendo sido esta quem se beneficiou dos atos objurgados, manifesto que é sim parte legítima para figurar no polo passivo, inclusive porque sua esfera de direito será afetada por ocasião da presente sentença.
Definidas essas questões e conforme adiantado acima, não há dúvida de que o pedido inicial realmente merece acolhimento, porquanto indiscutível que as alienações dos referidos imóveis ensejaram a insolvência da devedora/executada Laura junto à ação de execução n. 0307644-28.2017.8.24.0018 que tramita na 2ª Vara Cível desta comarca, situação que era de amplo (e até mesmo presumido) conhecimento da corré Letícia.
Pois bem. Como é cediço, "consoante pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, o sucesso da ação pauliana (também denominada ação revocatória ou anulatória de ato jurídico) está subordinado, essencialmente, à demonstração de três requisitos: a anterioridade do crédito, o eventus damni (insolvência do devedor em decorrência do ato fraudulento) e o consilium fraudis (intenção de fraudar)". (TJSC, Apelação Cível n. 2008.065242-5, de Rio do Oeste, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 09-09-2010) (...)" (TJSC, Apelação Cível n. 0021667-33.2009.8.24.0018, de Chapecó, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-01-2020).
E ainda, especificamente quanto ao terceiro requisito (consilium fraudis), sabe-se que: "o consilium fraudis nem sempre se apresenta cristalino, até porque quem dele participa procura ocultar sua verdadeira intenção. Mas emerge do conjunto de indícios e circunstâncias ao revelar que o negócio subjacente, na verdade, foi o meio utilizado pelas partes para drenar os bens do devedor em detrimento de seus credores" (Fraude contra credores, p. 199). Importante ressaltar ainda que, conforme leciona Caio Mário da Silva Pereira, "mais modernamente, e digamos, com mais acuidade científica, não se exige que o devedor traga a intenção deliberada de causar prejuízo (animus nocendi); basta que tenha a consciência de produzir o dano" (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1997. p. 343), o que minimiza a importância da comprovação da má fé na alienação" ((TJSC, Apelação Cível n. 1997.012265-9, de São José do Cedro, rel. Pedro Manoel Abreu, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 04-10-2001).
Trazendo todas essas lições ao caso em comento, verifica-se que os registros de compra e venda dos imóveis objeto da contenda ocorreram em 23/01/2017 (evento 1, DOCUMENTACAO13) e 24/01/2017 (evento 1, DOCUMENTACAO11), ao passo em que a assinatura da cédula bancária correlata se deu em 07/03/2016, estando preenchido, pois, a respectiva anterioridade do crédito.
De sua vez, quanto à insolvência da devedora Laura em decorrência do ato fraudulento e mesmo em relação à intenção de fraudar de ambas as requeridas, verifica-se que as próprias demandadas confessam em contestação que, em tese, já em 09/01/2016 tinham completo e total conhecimento da difícil situação econômica que a família enfrentava, conforme ata do evento 27, ATA16.
Quer dizer, quase um ano antes das aludidas transferências de propriedade ambas as requeridas admitiram saber da possibilidade de bancarrota iminente, externando, ao menos hipoteticamente, várias manifestações de preocupação quanto à saúde econômica do grupo familiar, tanto que buscavam, inclusive com a ajuda de profissional com conhecimento tributário, uma forma de resguardar o patrimônio...

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