Acórdão Nº 5031574-15.2020.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Público, 09-02-2021

Número do processo5031574-15.2020.8.24.0000
Data09 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Instrumento Nº 5031574-15.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO


AGRAVANTE: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - IPREV AGRAVADO: FRANCISCO ANDRADE ADVOGADO: grace santos da silva martins (OAB SC014101)


RELATÓRIO


Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina (IPREV) em face de decisão proferida no cumprimento de sentença iniciado por Francisco Andrade, que acolheu parcialmente a impugnação apresentada pela autarquia previdenciária, rejeitando a argumentação quanto ao índice aplicável a título de correção monetária (Evento 26 - DESPADEC1 - autos n. 5001538-86.2018.8.24.0023).
Irresignado, o agravante asseverou que, "na fase de execução, a Autarquia apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, tendo o magistrado determinado a aplicação do INPC por todo o período, quando o título executivo formado determinou que a TR seria utilizada para fins de correção monetária a partir da lei 11.960/09" (Evento 1 - INIC1 - fl. 2).
Sustentou, contudo, que o "critério de correção monetária deve obediência ao título executivo judicial, eis que transitado em julgado, o qual determinou a incidência da Taxa Referencial conforme os índices definidos pela Lei 11.960/2009" (Evento 1 - INIC1 - fl. 2).
Defendeu que "a tutela jurisdicional é imutável" e que "a sentença somente poderia ser alterada por ação própria, nos termos art. 966 do Código de Processo", de modo que "não há como rediscutir, ou modificar - na fase de execução - os critérios de correção, já delineados no processo de conhecimento" (Evento 1 - INIC1 - fl. 3).
Postulou, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao reclamo e, no mérito, o seu provimento para alterar a decisão agravada, para que seja determinada a observância aos índices fixados no título judicial para fins de correção monetária (Evento 1 - INIC1).
Na sequência, os autos foram a mim distribuídos, oportunidade em que deferi o efeito suspensivo almejado pelo agravante, por vislumbrar a presença dos requisitos do fumus boni iuris recursal e do periculum in mora (Evento 2 - DESPADEC1).
Com as contrarrazões (Evento 9 - CONTRAZ1), os autos retornaram a mim conclusos.
É o relato essencial

VOTO


1. O voto, antecipe-se, é pelo provimento do recurso.
2. Do respeito à coisa julgada operada no título executivo:
De plano, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 870.947/SE (Tema n. 810) tratando dos fatores de correção monetária nas condenações contra a Fazenda, oportunidade em que declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.960/09 (que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n. 9.494/97) quanto aos índices de atualização monetária nele fixados (remuneração oficial da caderneta de poupança - TR), decisão que foi publicada em 20.11.17, ex vi:
"DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO (...)" (STF, RE n. 870.947/SE, rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 20.9.17, publicado em 20.11.17).
Já em 3.10.19, a Corte Suprema, "por maioria, rejeitou todos os embargos de declaração e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida" (conforme se extrai da certidão de julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos do Recurso Extraordinário n. 870.947/SE - Tema n. 810), atribuindo, portanto, efeitos ex tunc à declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.960/09 referente aos índices de correção monetária.
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.492.221/PR em sede de recursos repetitivos (Tema n. 905), estabeleceu que as condenações de natureza previdenciária deveriam ser atualizadas monetariamente pelo INPC, e "as condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos" sujeitam-se, a partir de julho de 2009, aos seguintes fatores: "juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E".
No caso em tela, o que se discute é a aplicação, ou não, desses índices em cumprimento de sentença, quando o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF se deu em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão judicial que gerou a obrigação. Colocando em datas, tem-se: decisão judicial transitada em 1º.7.13 (conforme consulta aos autos de n. 0038844-58.2010.8.24.0023 através do Portal e-SAJ) e decisão da Suprema Corte publicada em 20.11.17.
Para resposta a essa questão, é fundamental compreender, inicialmente, o sentido e alcance do art. 505, I, do CPC/15, que substituiu o art. 471, I, do CPC/73, o qual prevê o seguinte:
"Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença".
Sobre a natureza das relações jurídicas, há que se fazer uma breve diferenciação entre aquelas chamadas de trato continuado (conforme mencionado no dispositivo) e as de trato sucessivo. Quanto às primeiras, entende-se que nascem de uma situação ou fato que se prolonga no tempo, como é o caso das ações relacionadas ao direito de família, alimentos, locação. Já as de trato sucessivo referem-se àquelas relações que nascem de um fato gerador instantâneo, mas que se repetem no tempo de maneira uniforme, como é o caso dos juros e da correção monetária.
Desse modo, a considerar que a discussão relacionada aos consectários legais não abarca relação jurídica de trato continuado, mas de trato sucessivo, não há como utilizar o referido dispositivo como pressuposto para afastar a aplicação da matéria decidida pelo STF em repercussão geral, e de observância obrigatória (art. 927, III, do CPC/15). Nota-se que o STJ expressamente afirmou que correção monetária é obrigação de trato sucessivo:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AFRONTA AO ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/1997, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009. CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-E. RESP 1.495.144/RS E RE 870.947/SE. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PRO- CESSOS EM CURSO. AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. (...) 'A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.112.746/DF, afirmou que os juros de mora e a correção monetária são obrigações de trato sucessivo, que se renovam mês a mês, devendo, portanto, ser aplicada no mês de regência a legislação vigente. Por essa razão, fixou-se o entendimento de que a lei nova superveniente que altera o regime dos juros moratórios deve ser aplicada imediatamente a todos os processos, abarcando inclusive aqueles em que já houve o trânsito em julgado e estejam em fase de execução. Não há, pois, nesses casos, que falar em violação da coisa julgada' (EDcl no AgRg no REsp 1.210.516/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 25/9/2015) (...)" (STJ, Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.771.560/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 13.5.20 - grifou-se).
E, ainda que assim não fosse, Cassio Scarpinella Bueno esclarece que "o novo diploma, no art. 505, I, perdeu a oportunidade de eliminar de uma vez por todas uma regra legal absolutamente desnecessária, que conspira contra a boa técnica processual", citando, para tanto, a obra de Eduardo Talamini sobre o tema:
"'O disposto no inciso I do art. 471 [505, I, do CPC/15] não constitui exceção à coisa julgada, nem propriamente versa sobre coisa julgada submetida à cláusula rebus sic stantibus (a não ser que se pretenda dar essa qualificação a toda e qualquer hipótese de coisa julgada). A parte poderá pleitear nova sentença precisamente porque a alteração de fato e ou de direito vem a estabelecer uma nova causa de pedir, diversa daquela em relação à qual operou a coisa julgada. Vale dizer: o fenômeno que se apresenta nessa hipótese não é essencialmente diverso daquele que se põe em qualquer outra situação em que, pela evolução dos fatos, surja uma nova causa de pedir, que estará, portanto, fora dos limites objetivos da coisa julgada anterior (p. ex., a ação de declaração de inexistência de débito fundada em pagamento ocorrido depois do trânsito em julgado da sentença condenatória do mesmo crédito). Não se pedirá para rever a coisa julgada anterior, formular-se-á uma nova pretensão, inconfundível com aquela que ficou acobertada pela res iudicata. Na situação descrita no art. 471, I, a peculiaridade não reside na coisa julgada, mas na natureza da relação jurídica 'continuativa', que, em vista de seu caráter dinâmico e sua duração continuada no tempo, dá ensejo à constituição de novas causas de pedir no seu próprio curso" (BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil - Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2017).
Como se vê, ainda que se tratem de matérias de trato sucessivo e/ou de trato continuado, há trânsito em julgado material, não sendo possível uma revisão do que foi decidido por simples petição nos autos, mas, tão somente, por via própria (como previsto no sistema processual), pois se está diante de uma nova pretensão,...

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