Acórdão Nº 5033436-30.2021.8.24.0018 do Segunda Câmara Criminal, 08-02-2022

Número do processo5033436-30.2021.8.24.0018
Data08 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5033436-30.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

AGRAVANTE: IVANDRO PAULO (AGRAVANTE) ADVOGADO: ELIZANDRA DA SILVA NOETZOLD (OAB SC047650) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de execução penal intentado por Ivandro Paulo, não conformado com o teor da decisão do Sequencial 49 do PEP 0021696-83.2009.8.24.0018 (SEEU), por meio da qual o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Chapecó, "diante da impossibilidade de combinação de leis", indeferiu pedido "para ver aplicada a fração de 2/5 (ou 40%)" para o requisito objetivo da progressão de regime de crime hediondo com resultado morte.

Sustenta o Agravante, em síntese, que, por não ser reincidente específico em delito de natureza hedionda ou equiparada, deve ser exigida, para a progressão de regime referente ao delito desta natureza pelo qual cumpre pena, a porcentagem de 40%, nos termos do art. 112, caput, V, da Lei de Execução Penal, cuja aplicação retroativa seria devida.

Sob tais argumentos, requer a reforma da decisão resistida, para que seja aplicada a "fração pertinente a reincidente genérico na condenação" dos autos 0000833-04.2015.8.24.0081, "pois não contava com trânsito em julgado anterior por crimes hediondos, fazendo jus a fração de 40% na referida condenação", ou, se assim não for, "pede-se a fração de 50%" (eproc1G, Evento 1, doc1).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc1G, Evento 11).

O Doutor Juiz de Direito manteve a decisão resistida (eproc1G, Evento 13).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Gercino Gerson Gomes Neto, manifestou-se pelo parcial provimento do reclamo, "para que seja fixada a fração de 50% para progressão de regime no que se refere à condenação pela prática de crime hediondo com resultado morte, vedados os benefícios da saída temporária e livramento condicional" (eproc2G, Evento 13).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Conforme assentado na decisão resistida, o Agravante Ivandro Paulo, reincidente, mas não em delito de natureza hedionda ou equiparada, cumpre pena, entre outras, decorrente de condenação na Ação Penal 0000833-04.2015.8.24.0081, pela prática de latrocínio ocorrido em 8.5.15 (SEEU, Sequencial 49, doc49.1).

Vigia, à época da prática desse delito hediondo, o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, que dispunha que "a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo (hediondos e equiparados), dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente".

Especificamente quanto a estas frações da progressão de regime o Superior Tribunal de Justiça orienta que, "ante a unificação das penas, a condição de reincidente do apenado determina o cumprimento de 3/5 sobre o total", de modo que "não há falar em aplicação do percentual de 2/5 para a progressão de regime, em relação à primeira condenação, pois, unificadas as penas, conforme determina o art. 111 da LEP, a reincidência deve incidir sobre o somatório das penas e não apenas na segunda condenação", pois "pacificou entendimento no sentido de que a Lei dos Crimes Hediondos não faz distinção entre a reincidência comum ou específica. Assim, havendo reincidência, ao condenado deverá ser aplicada a fração de 3/5 da pena cumprida para fins de progressão do regime" (HC 427.803, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 4.10.18).

Todavia, em 23.1.20 entrou em vigor a Lei 13.964/19, que expressamente revogou o contido no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 (art. 19) e fixou novos percentuais para a progressão de regime na Lei de Execução Penal, a qual passou a centralizar a matéria.

Dispõe o atual art. 112 da Lei de Execução Penal:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[...]

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Além disso, o art. 122, § 2º, da Lei de Execução Penal passou a determinar que "não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte".

Ao interpretarem a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, as Cortes Superiores assentaram o entendimento de que, quando se tratar de reincidente não específico em delito hediondo ou equiparado sem resultado morte, a porcentagem de progressão a ser exigida para esta categoria de delitos é atualmente mais favorável do que era ao tempo em que perpetrado o delito, de modo que, nessa hipótese, por força da garantia individual prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal e nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, a fração prevista, a partir da vigência da Lei 13.964/19, no art. 112, caput, V, da Lei de Execução Penal, deve ter aplicação retroativa (STF, Tema 1.169, ARE 1.327.963; STJ, Tema 1.804, REsp 1.910.240 e 1.918.338. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.5.21).

No caso, todavia, um dos crimes pelo qual cumpre pena o Agravante Ivandro Paulo é um latrocínio consumado, ou seja, delito hediondo com resultado morte.

Na decisão resistida, o Magistrado de Primeiro Grau, em atenção ao decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1.084, deliberou que não poderia ser aplicada retroativamente a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal:

Apesar de toda discussão provocada pela vigência da Lei n. 13.964/19 e sua redação confusa, vejo que o caso prático é pacífico em não permitir qualquer retroação.

Isso porque como sobredito o crime hediondo praticado pelo apenado foi consumado e envolveu resultado morte.

Outrossim, o apenado, no édito condenatório, foi reconhecido como reincidente.

É verdade que a hipótese não encontra específica previsão legal no novo art. 112 da LEP, que assim ficou redigido:

[...]

Contudo, o STJ já enfrentou a matéria e, em sede de recurso representativo de controvérsia, disse que aos réus condenados por crimes hediondos ou equiparados cometidos com resultado morte e que sejam reincidentes não se aplica a fração de 2/5, isto é, há que se manter os 3/5 da antiga redação da Lei n. 8.072/90, porque o Pacote Anticrime trouxe restrições à saída temporária e ao livramento condicional para tais ilícitos.

[...]

Dessa maneira, diante da impossibilidade de combinação de leis, vejo que o reeducando não pode ser beneficiado pela vigência da Lei n. 13.964/19.

Ante o exposto, indefiro o pedido defensivo para ver aplicada a fração de 2/5 (ou 40%) ao apenado, o que faço com fundamento no REsp representativo de controvérsia acima mencionado (REsps 1.910.240 e 1.918.338) (SEEU, Sequencial 49, doc49.1).

A pretensão do Agravante, para que seja aplicada porcentagem de 40% ao crime hediondo com resultado morte é, de plano, incabível. Isso porque há regramento específico para essa situação, prevista nos incisos VI, "a", e VIII, do art. 112 da Lei de Execução Penal, os quais preveem como requisito objetivo para os crimes hediondos, quando houver morte, 50% ou 70%. A fração de 40% do inciso V é reservada aos primários e reincidente genéricos condenados por crimes hediondos ou equiparados que não tenham o resultado morte, o que não é o caso de um latrocínio consumado.

Quanto à aplicação de 50% como requisito objetivo, no entendimento pessoal deste relator, embora tenham vindo com parte do regramento disposto em um mesmo dispositivo a partir da Lei 13.964/19 (LEP, art. 112, caput, VI, "a"), por se tratarem a progressão de regime e o livramento condicional de direitos distintos com requisitos diversos, não ocorre a vedada combinação de Leis - com criação de uma terceira norma não legislada quando se modifica o percentual da progressão de regime e mantém-se o direito, em tese, ao livramento condicional. Na mesma linha segue a compreensão com relação à vedação de saída temporária, positivada em comando legal diverso (LEP, art. 122, § 2º).

A propósito, do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandi:

Muito embora a Lei 13.964/19 tenha alterado a redação do inciso II do art. 1º da Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos) para nele incluir o roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo, tal modificação não pode retroagir para atingir o condenado por crime cometido antes da entrada em vigor da novatio legis, em respeito ao princípio da anterioridade (art. 5º, XL, CF e art. 1º do CP). 8. Não há que se falar em indevida combinação de leis quando se está diante de duas leis que tratam de temas distintos e que, circunstancialmente, vieram a ser alteradas pela mesma norma infraconstitucional superveniente. Hipótese das alterações promovidas pela Lei 13.964/19 no art. 112 da LEP e no art. 1º, II, da Lei 8.072/1990 (HC 617.922, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 9.2.21).

E:

2. Por se tratar de institutos absolutamente distintos - tendo em vista que a disposição relativa à minorante constitui critério a ser utilizado na dosimetria da pena, e a...

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