Acórdão Nº 5033494-87.2021.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 15-07-2021

Número do processo5033494-87.2021.8.24.0000
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5033494-87.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

PACIENTE/IMPETRANTE: JENNIFER KAROLINI CORREA (Paciente do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: RODRIGO ADRIANO FARESIN (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Concórdia

RELATÓRIO

O advogado Rodrigo Adriano Faresin impetrou habeas corpus em favor de Jennifer Karolini Correa, contra ato praticado pelo Juiz de Direito da Vara Criminal da comarca de Concórdia, nos autos da Ação Penal n. 5001956-31.2021.8.24.0019.

Alegou, em síntese, que a paciente está sofrendo cerceamento de defesa, pois, somente após a realização da audiência de instrução, seu advogado tomou conhecimento da tramitação da Cautelar Inominada n. 5010492-65.2021.8.24.0019, em que foram produzidas provas contra a paciente, as quais foram utilizadas pelo Ministério Público, em suas alegações finais, para requerer a condenação.

Destacou que há prejuízo à defesa da paciente, que teria sido realizada de forma distinta caso o impetrante houvesse tomado ciência da ação em momento anterior. Dito isso, aduziu haver nulidade nos autos da ação penal, de modo que requereu o trancamento da ação penal.

No mais, asseverou que referida cautelar inominada foi proposta com a intenção de produção de provas, as quais foram requeridas pela Polícia Militar, cujas atribuições constitucionais deveriam se limitar à atividade de policiamento ostensivo, sendo vedada a realização de investigações. Dessa forma, afirmou a ilegalidade das investigações, o que vem a corroborar a necessidade de trancamento da ação penal.

Não foi formulado pedido liminar.

A autoridade coatora apresentou informações (doc. 11).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Excelentíssima Senhora Doutora Jayne Abdala Bandeira, que se manifestou pelo não conhecimento do writ (doc. 12).

Este é o relatório.

VOTO

A ação de habeas corpus preenche os requisitos legais e, portanto, merece conhecimento.

No mérito, a ordem deve ser parcialmente concedida.

1) NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA

Primeiramente, quanto ao alegado cerceamento de defesa, com razão a defesa.

A despeito da manifestação apresentada pelo Juiz de primeiro grau, a avaliação dos autos revelou a clara ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que grande parte das provas coletadas contra a paciente e o corréu Eduardo encontram-se nos autos da Cautelar Inominada Criminal n. 5010492-65.2020.8.24.0019, à qual a defesa somente teve acesso após a audiência de instrução e julgamento.

Ainda que, de fato, na cota ministerial apresentada no evento 1, doc. 4, dos autos da Ação Penal n. 5001956-31.2021.8.24.0019, o representante do Ministério Público tenha postulado "a vinculação do presente procedimento à medida cautelar de ação controlada n. 0010492-65.2020.8.24.0019", é certo que tal informação não desobrigava o Juízo de retirar o sigilo dos autos n. 5010492-65.2020.8.24.0019 e de dar ciência das investigações, já concluídas, às defesas dos réus.

A colocação de sigilo n. 4 nos autos da Cautelar Inominada Criminal confere aos autos acesso bastante limitado, em que apenas o Magistrado e servidores do Poder Judiciário previamente autorizados podem ter conhecimento de seu conteúdo, além, é claro, dos postulantes (Polícia Militar) e do Órgão Ministerial, que passa a ter acesso após sua inclusão como pessoa autorizada. Para as demais pessoas, sequer a existência do processo é possível confirmar, ou seja, mesmo que o advogado procurasse os autos, estes não seriam localizados.

No caso em análise, as investigações foram iniciadas em 17-12-2020, tendo sido concluídas em 5-3-2021, ou seja, mesma data em que foi oferecida a denúncia pelo Ministério Público.

O arquivamento da cautelar inominada foi determinado em 11-3-2021, quando o Juízo determinou sua vinculação aos autos da Ação Criminal n. 5001956-31.2021.8.24.0019.

Ora, evidentemente, tanto o pedido ministerial, quanto a determinação do Juízo, para vincular os autos da Cautelar Inominada aos autos da Ação Criminal, visava que todas as partes tivessem acesso a todos os procedimentos conexos à ação principal. Ocorre que, quanto à defesa, a determinação de vinculação se mostrou completamente inócua, pois o Juízo não determinou a retirada do sigilo dos autos da Cautelar Inominada, de modo que a defesa dos réus jamais teve conhecimento da existência do procedimento, pois, para ela, este não aparecia na lista de processos relacionados, uma vez que o sigilo n. 4 impede a visualização por pessoas não autorizadas.

Era, pois, dever do Juízo a retirada do sigilo, que não mais interessava às investigações, ou, ainda, a intimação dos defensores para que tomassem ciência da existência da Cautelar Inominada, o que jamais foi feito.

Há atos formais que são indispensáveis para que o devido processo legal se concretize e a relativização de determinadas formalidades somente se opera quando não verificado o prejuízo, o qual, na hipótese, está bem configurado, uma vez que se trata de provas que podem servir para a condenação dos réus.

No mais, ao supor que a defesa tinha o dever de requerer o acesso aos autos com base apenas no fato de que na cota ministerial há um parágrafo em que se menciona a Cautelar Inominada, cujo número, inclusive, foi informado de forma equivocada, o Juízo deixou de observar a Súmula Vinculante 14 do STF, sendo direito da paciente que seus defensores fossem intimados para tomarem conhecimento das provas produzidas contra ela, especialmente porque a existência da dita ação era desconhecida por qualquer cidadão que não tivesse acesso liberado aos autos.

Ademais, não encontro razões para que o sigilo tenha sido mantido até a fase final da ação criminal, até porque esta sequer é resguardada por segredo de justiça.

Em casos similares, o STJ decidiu:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO APAGÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. FRAUDE À LICITAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGATIVA DE ACESSO À TOTALIDADE DOS MATERIAIS LOCALIZADOS. NULIDADE CONFIGURADA. RECURSO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT