Acórdão Nº 5033810-83.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-01-2023

Número do processo5033810-83.2021.8.24.0038
Data26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5033810-83.2021.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: CARLOS ALEXANDRE DOS SANTOS (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


CARLOS ALEXANDRE DOS SANTOS interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Yhon Tostes, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:
Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato jurídico e indenizatória por danos morais ajuizada por CARLOS ALEXANDRE DOS SANTOS em face de BANCO BMG S.A.
A parte autora sustenta, em apertada síntese, que pretendia firmar com a instituição financeira ré um contrato de empréstimo consignado, porém, acabou contratando sem saber um cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) em sua pensão/aposentadoria.
Afirma que jamais solicitou tal cartão de crédito e que sequer fez uso dele, tendo sido vítima de uma fraude.
Pleiteia, ao final, a declaração de nulidade da contratação do RMC e do cartão de crédito, a devolução dos valores descontados em seu benefício previdenciário sob a rubrica de RMC e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.
Decisão recebendo a inicial e deferindo a justiça gratuita ao autor (evento 5).
Contestação no evento 22, através da qual a instituição financeira ré sustenta que a parte autora realizou a contratação do RMC vinculado a cartão de crédito e, por isso, refutou integralmente os argumentos contidos na inicial e os pedidos nela formulados.
Réplica no evento 25.
Vieram os autos conclusos.
É a síntese do necessário. DECIDO:
DAS PRELIMINARES
Registro, desde logo, a impertinência de análise das preliminares suscitadas pela parte ré, uma vez que possível a resolução de mérito em seu favor.
Com efeito, nesse sentido dispõe o art. 282, § 2º, do CPC:
"§ 2o Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta."
Comentando tal dispositivo, Marinoni e Mitidiero ressaltam o seguinte:
"A forma dos atos processuais serve à segurança jurídica e à liberdade das partes. Serve, nesse sentido, à observação de um processo justo (art. 5º, LIV, CRFB). Quando puder decidir de mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da invalidade, o juiz não a pronunciará, não mandará repetir ou retificar o ato, nem tampouco ordenará suprir-lhe a falta. Todo e qualquer vício processual é superável pela possibilidade de prolação de sentença de mérito favorável à parte a quem aproveite a decretação de invalidade (STJ, 1ª Turma, REsp 122.344/MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 01.09.1998, DJ 05.10.1998)." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 294-295).
Trilhando o mesmo norte, é a lição de Didier Jr.:
"Admite-se que o magistrado possa, não obstante um defeito do procedimento (falta de um 'pressuposto processual' de validade), em certos casos (ressalvados o impedimento/suspeição, se a parcialidade ocorrer em favor do réu, e a incompetência absoluta), ignorando-o, avançar no mérito e rejeitar a pretensão do demandante. Isso não causaria qualquer prejuízo ao demandado, muito ao contrário. Assim, por exemplo, o magistrado poderia julgar improcedente o pedido do autor mesmo diante de um defeito da sua petição inicial, como a falta de juntada de documentos indispensáveis, ou a da falta de comprovação do pagamento das custas processuais. Note-se que, mesmo diante de um defeito que gera a nulidade do processo (nulidade absoluta, na linguagem comum dos doutrinadores), o juiz está autorizado a desconsiderá-lo, evitando a nulidade, se puder aproveitar o ato sem causar prejuízo à parte que se beneficiaria com na nulificação. Trata-se de aplicação direta do disposto no art. 282, § 2º, do CPC." (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 17. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 408-409) - Destaquei.
O entendimento jurisprudencial do STJ não destoa, cabendo anotar que o art. 249, § 2º, do CPC/73 corresponde ao art. 282, § 2º, do CPC/15:
"TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - PARCELAMENTO - CONVERSÃO DO DEPÓSITO EM RENDA - BLOQUEIO DETERMINADO POR JUÍZO DO TRABALHO - PRELIMINARES SUPERADAS - PRECLUSÃO.
1. Preliminar de inconstitucionalidade da Lei n. 10.684/2003 significa inovação processual, uma vez que não houve pedido neste sentido no Agravo de Instrumento. Preliminar rejeitada.
2. Demais preliminares superadas, sob os auspícios do art. 249, § 2º do CPC.
3. Mérito. Aditamento a recurso é impossível, ante a ocorrência de preclusão.
Recurso especial improvido." (REsp 721.683/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2006, DJ 03/04/2007, p. 217)
Por ocasião do julgamento do REsp 721.683/RN acima mencionado, o Min. Humberto Martins ainda consignou que "a regra involucrada no art. 249, § 2º do CPC aplica-se inteiramente à hipótese dos autos, deixa-se de se apreciar as preliminares em comento, a mercê do mérito do presente recurso ser favorável à Recorrente".
Nesses moldes, cabível analisar as teses meritórias.
DO JULGAMENTO DE MÉRITO
Cuida-se de mais uma "ação de massa", qual seja, uma ação anulatória sobre a operação bancária conhecida por "reserva de margem consignada" (RMC), em que a parte autora sustenta de forma bastante genérica ter sido realizado o negócio jurídico eivado de vício de consentimento por não ter compreendido o pacto eis que é aposentada, idosa e acreditava estar diante de um singelo empréstimo consignado.
Se alguém duvida da escalada dos litígios dessa natureza basta verificar o número de novas ações envolvendo RMC, que só no trimestre de mar/mai de 2021, na antiga 1a. VDB, alcançaram quase 200 (duzentas) por mês, gerando um número total de entrada de novas ações de quase 600 (seiscentas), incluídas as redistribuídas (que giram em torno de 30/40 por mês). Isso deve implicar em repensar cautelosamente até mesmo o inovador projeto de estadualização das varas bancárias pois não temos estrutura para suportar tamanha quantidade de litígios, uma vez que os números previstos nos relevantes estudos que foram brilhantemente apresentados não comportavam essa mudança de cenário que nada tem a ver com a Pandemia (jurimetria ajuda e é importantíssima, mas devemos observar à realidade e tomar cuidado com aquilo que os estudiosos da economia comportamental chamam de "viés de confirmação"). Alerto que a média anual de 2020 na 1a. VDB de Joinville foi de 259 novas ações por mês, incluídas ações de todos os tipos.
A inicial faz um pedido específico de nulidade de um negócio jurídico e, em réplica, reclama de abusividade contratual sobre a questão de juros. Por conseguinte, deixo de conhecer referida formulação uma vez que a lide é delimitada de acordo com os pleitos realizados na petição inicial (art. 319, IV, c/c art. 342, ambos do NCPC), não podendo ser alterada subjetiva nem objetivamente após a citação da parte ré, sob pena de inovação processual (art. 329 c/c 492, ambos do NCPC).
Para tornar mais eficiente e facilitar a compreensão dos fatos, realizo o resumo abaixo:
[...]
(...). A inexistência de contrato escrito é irrelevante para comprovar o vínculo obrigacional, uma vez essa formalidade não ser essencial para a validade da manifestação de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, de modo que a existência desse vínculo pode ser demonstrada por outros meios de prova admitidos em direito, no caso dos autos o extrato demonstrativo da operação. Ademais, o contrato foi firmado por meio eletrônico mediante a utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista, inexistindo assim o contrato escrito. As operações bancárias consumadas por meio eletrônico não geram documentos físicos de adesão aos termos gerais da contratação ofertada pela instituição financeira. (TJDF, Ap. Civ. N. 20140111450486, Rel. Maria Ivatônia, 5ª. Turma Cível, j. 04.11.2015).
Por outro vértice, importa destacar sempre que se a ideia fosse sustentar que o contrato de financiamento é oriundo de fraude e, ipso facto, gerasse uma discussão sobre a própria existência do negócio jurídico, não haveria que se falar mais na competência da Vara de Direito Bancário, eis que nessa situação não existiria matéria bancária em discussão e sim objeto para uma ação anulatória de ato jurídico por conta de que a alegação de fraude desloca sempre a competência para uma vara cível.
Apenas para ilustrar, recomendo a leitura do r. aresto do nosso Tribunal: CCO. N. 0003388-38.2018.8.24.0000, de Rio do Sul, Rel. Des. Carlos Adilson da Silva, Câmara de Recursos Delegados, j. 29.08.18.
Neste particular, ressalto que a competência do Segundo Grau, ou seja, das Câmaras Comerciais do TJSC compreendem tanto matéria cível como bancária, diferentemente do que ocorre na questão da competência das varas bancárias de primeiro grau que são especializadas (e possuem competência mista - em razão da pessoa e da matéria).
Por não vislumbrar discussão sobre a existência do negócio jurídico, mas apenas arguição de vício de consentimento, declaro a competência do Juízo especializado bancário.
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Pelo que se deduz da inicial, a intenção é que tudo deva ser resolvido à luz do diploma consumerista, ou seja, através da leitura generosa da Lei 8.078/90, que ao meu ver é um dos mais virtuosos diplomas da legislação brasileira, embora seja constante vítima de desvirtuamentos por ausência de uma melhor visão do custo-benefício e consequências de sua implementação desarrazoada.
Começo esse tópico discorrendo sobre a legislação consumerista para tentar iluminar o...

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