Acórdão Nº 5033884-22.2020.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Público, 24-08-2021

Número do processo5033884-22.2020.8.24.0023
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5033884-22.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: MARCIANO DE SOUZA MOREIRA (AUTOR) ADVOGADO: PATRICK LOHANN BELOTI LIMA (OAB MG173413) ADVOGADO: GIOVANNI BRUNO DE ARAUJO SAVINI (OAB MG174298) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação interposta por MARCIANO DE SOUZA MOREIRA contra sentença proferida em sede de ação de rito comum movida em face de ESTADO DE SANTA CATARINA.

A parte autora sustentou, em síntese, que participou do concurso público para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar de Santa Catarina, regido pelo Edital 042/CGCP/2019, porém foi reprovada na etapa de avaliação psicológica por não possuir todas as características do perfil profissiográfico previstas na legislação de regência e no edital do certame.

Alegou que os testes psicológicos aplicados padecem de diversas irregularidades que prejudicaram a análise da aptidão do candidato, resultando em ato administrativo nulo.

No mérito, suscitou as seguintes teses para demonstrar a ilegalidade do laudo psicológico e a necessidade de revisão do ato administrativo na via judicial: a) violação ao princípio da legalidade; b) violação ao princípio da motivação; c) violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório; d) violações a resoluções do Conselho Federal de Psicologia, em especial à resolução 002/2016, violação e à resolução 006/19; e) violação ao princípio da razoabilidade e; f) questionamentos sobre a lisura e fidedignidade da banca examinadora.

Dessa forma, requereu a tutela provisória de urgência, para garantir a parte autora a matrícula no curso de Formação respectivo, bem como sua formação ao final, com a consequente promoção no exercício de suas atividades. Requereu, em caráter subsidiário, a concessão da tutela cautelar para reservar-lhe uma vaga até o julgamento da presente lide, ainda que sem assegurar sua matrícula no Curso de Formação.

O decisum objurgado julgou improcedentes os pedidos.

Em sua insurgência, o apelante argumenta, preliminarmente, a declaração de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, já que o magistrado não deferiu o pedido de realização da perícia.

No mérito, alega, inicialmente, a violação ao princípio da legalidade, uma vez que o perfil profissiográfico restou previsto unicamente em decreto e não em lei.

Acrescenta que o ato que indeferiu seu recurso administrativo não apresentou nenhuma razão ou justificativa, mas tão somente se amparou em motivações prontas e publicações genéricas. Entendem, assim, haver violação ao princípio da motivação.

Aduz, ademais, ter ocorrido ferimento ao princípio da vinculação ao edital, já que a avaliação psicológica deveria ter sido realizada por comissão avaliadora, e não por psicólogo isoladamente.

Aponta que não foram utilizados, na avaliação, os critérios definidos pelas resoluções específicas do Conselho Federal de Psicologia.

Entende, por fim, a avaliação do concurso viola o princípio da razoabilidade, e que não haveria a necessidade de que o candidato atingisse 100% das características delineadas pelo perfil profissiográfico proposto.

Nestes termos, requer a reforma da decisão, seja acatada a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, determinando-se a realização de perícia técnica, nos termos do IRDR 21 do TJSC. No mérito, pugna pela anulação do ato administrativo que o considerou inapto no exame psicológico.

Em sede de contrarrazões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum.

Este é o relatório.

VOTO



Nega-se provimento ao recurso.

A presente demanda tem o propósito de obter ordem judicial para que o autor ser reinserido no certame para para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar de Santa Catarina, em razão da sua desclassificação na etapa de avaliação de aptidão psicológica.

A questão, já trazida a julgamento em sede de diversos agravos de instrumento, discutia a possibilidade de realização de perícia judicial para a avaliação dos candidatos deste concurso.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, então, em abril de 2020, afetou a matéria, a ser decidida em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

A questão jurídica afetada foi a seguinte:

"É possível questionar em juízo, através de prova pericial, o resultado obtido pela comissão de concurso público nas avaliações psicológicas?", bem como "Em sendo possível realizar perícia por Expert, qual deve ser o objeto: o candidato, ou o teste já realizado?" e, ainda, "Deverá o Perito realizar os mesmos testes aplicados no respectivo concurso e com os mesmos critérios?

Após o julgamento do tema pelo Grupo de Câmaras de Direito Público, em março de 2021, fixou-se a seguinte tese jurídica de número 21, cujo caráter é vinculante no âmbito da jurisdição catarinense:

"É possível questionar em juízo, por meio de prova pericial, o resultado obtido pela comissão de concurso público nas avaliações psicológicas, desde que o objeto seja o teste realizado, limitando-se ao reexame das fichas técnicas do exame primitivo". (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Grupo Público) n. 5009506-08.2019.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Fernando Boller, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 24-03-2021).

Assim, em decorrência da tese fixada por esta Corte, a prova pericial realizada em Juízo não poderá ter por objeto o candidato considerado inapto na etapa de avaliação psicológica de certame público, devendo o perito nomeado se ater ao reexame das fichas técnicas do exame primitivo para aferir a aptidão da parte demandante.

Nestes termos, caso houvesse pedido específico para a realização de perícia judicial do exame psicológico realizado pela comissão do concurso, poderia o magistrado autorizá-la. Pedidos de realização de perícia com o objetivo de reavaliar o candidato haveriam de ser indeferidas.

Nos presentes autos, não houve pedido inicial de perícia na avaliação psicológica.

Cumpre frisar, conforme destacou o magistrado em primeiro grau, "que não se pode acolher pedidos implícitos ou mesmo prover causas de pedir imprecisas, que não suscitam de forma clara e objetiva a necessidade da perícia técnica para demonstrar as irregularidades nos exames aplicados à época do certame, já que elas devem ser constatáveis somente pela análise das fichas primitivas, em atenção ao que foi decidido pelo TJSC no Tema 21/IRDR". (Evento 45)

No entanto, mesmo que assim tivesse procedido o apelante, haveria indicação pericial diversa do que pretende o autor. Tal conclusão se extraí de pareceres apresentados em processos semelhantes aos dos presentes autos, tais como aquele anexado ao processo de nº 5005092-82.2019.8.24.0091.

Naquele laudo, a perita, psicóloga Rebeca Chabar Kapitansky, aponta em suas conclusões que:

1)Todos os testes aplicados estão de acordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Psicologia e encontram-se com seu parecer favorável;

(...)

3)Não há evidências de ter sido realizada a análise conjunta e dinâmica dos resultados dos testes psicológicos aplicados, o que não desqualifica os resultados de cada teste mensurado individualmente;

Acrescenta, ainda, que o documento técnico psicológico indicado para comunicar a aptidão ou inaptidão do candidato na avaliação psicológica em concursos públicos é o atestado psicológico, conforme a Resolução 6/2019 do Conselho Federal de Psicologia, não havendo óbice, portanto, para o fato do candidato ter sido avaliado por laudo psicológico, já que se trata de documento mais completo.

Assim, diante da análise do teste aplicado aos candidatos, por perito capacitado, que apontou a higidez da realização do referido exame psicológico, não há como se entender de forma diversa neste processo, já que a prova foi aplicada do mesmo modo para todos os candidatos.

Destaque-se, ademais, que o magistrado João Batista da Cunha Ocampo More, analisou de forma minuciosa e precisa a questão, devendo seus termos seres utilizados como razão de decidir. Transcreve-se, portanto, a decisão de primeiro grau:

Sabe-se que o Código de Processo Civil adotou a teoria do livre convencimento motivado, de sorte que: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento"(art. 371 do CPC).

Por conseguinte, é certo que o julgador pode indeferir provas inúteis ou protelatórias que pouco influenciariam no julgamento do mérito da causa, como a perícia técnica para feitura de novo exame psicológico, tendo em vista o recente julgamento do IRDR- TJSC - Tema 21, como se verá dos fundamentos expostos a seguir.

Em caso similar, entendeu o TJSC que não existe cerceamento de defesa quando há elementos suficientes para rechaçar as alegações veiculadas pelas partes:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DA POLÍCIA CIVIL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECLAMO AUTORAL. EXAME PSICOLÓGICO. CANDIDATA REPROVADA. PERÍCIA JUDICIAL DEFERIDA EM MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL. POSTERIOR JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SEM A PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL. PRECLUSÃO PRO JUDICATO E CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA QUE ENTENDEU DESNECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DO EXAME. PRESENÇA DE ELEMENTOS SUFICIENTES À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO PARA JULGAMENTO DO FEITO. PREVISÃO LEGAL. CRITÉRIOS OBJETIVOS PREVIAMENTE ESTABELECIDOS. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE QUE PERMITA A AVALIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

"Nos termos dos precedentes do colendo STJ, não ofende o art. 471 do CPC/73 o indeferimento de produção da prova [...], ainda que anteriormente deferida, tampouco 'implica preclusão 'pro judicato', pois, em questões probatórias, não há preclusão para o magistrado' (AgRg no REsp 1.212.492/MG, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 22-4-2014)." (STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 438.748/BA, rel. Min. Lázaro Guimarães, j. 14-8-2018).

Ademais, é dispensável a produção de prova pericial...

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