Acórdão Nº 5035019-69.2020.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Civil, 15-06-2021

Número do processo5035019-69.2020.8.24.0023
Data15 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5035019-69.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador MARCUS TULIO SARTORATO


APELANTE: RENATO SILVEIRA (AUTOR) APELANTE: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Adota-se o relatório da sentença recorrida (Evento 46), por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:
Renato Silveira ajuizou ação de obrigação de fazer c/c reparação por danos materiais e morais em face de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico.
Relatou, em síntese, que é beneficiário do plano de saúde oferecido pela ré, tendo solicitado tratamento oncológico mediante o fornecimento dos medicamentos Fauldcarbo (Carboplatina), Ontax (Paclitaxel) e Ansentron (Cloridrato de Ondansetrona).
Afirmou que houve negativa da parte adversa, sob o fudamento de que o tratamento com as medicações seria off label, inexistindo cobertura contratual para tanto.
Postulou, ao final: a) fornecimento dos medicamentos Fauldcarbo (Carboplatina), Ontax (Paclitaxel) e Ansentron (Cloridrato de Ondansetrona); b) ressarcimento dos gastos dispendidos no início do tratamento, no importe de R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais); c) indenização por dano moral, no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Requereu, outrossim, a antecipação parcial da tutela. Anexou procuração e documentos (evento 1).
Tutela de urgência deferida, determinando-se a cobertura do tratamento (evento 7).
Citada, a ré ofereceu contestação. Preliminarmente, impugnou o valor da causa. No mérito, defendeu a legalidade da negativa, tendo em vista a ausência de cobertura contratual. Fundamentou a inexistência de previsão no rol de procedimentos e eventos em saúde Agência Nacional de Saúde, bem como a natureza off label, em razão de não estar prescrito na bula dos medicamentos o tratamento desejado. Rechaçou, por fim, os pleitos indenizatórios. Colacionou procuração e documento (evento 29).
Houve réplica (evento 33).
É o relatório.

O MM. Juiz de Direito, Doutor Leandro Katscharowski Aguiar, julgou a lide nos seguintes termos (Evento 46):
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil:
a) JULGO PROCEDENTE o pedido de obrigação de fazer formulado por Renato Silveira em face de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico, confirmando a tutela antecipada que determinou o custeio do tratamento prescrito pelo médico, consistente no fornecimento dos medicamentos Fauldcarbo (Carboplatina), Ontax (Paclitaxel) e Ansentron (Cloridrato de Ondansetrona);
b) JULGO PROCEDENTE o pedido de dano material formulado por Renato Silveira em face de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico e, por conseguinte, CONDENO a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais), corrigida monetariamente pelo INPC/IBGE (Provimento CGJ-SC nº 13/95), a contar do desembolso, e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação (CC, art. 405);
c) JULGO IMPROCEDENTE o pedido de dano moral formulado por Renato Silveira em face de Unimed Grande Florianópolis - Cooperativa de Trabalho Médico.
Havendo sucumbência recíproca, arca a parte ré com 70% dos despesas processuais e o autor 30%.
Fixo os honorários advocatícios devidos pela ré ao procurador do autor, consoante o grau de zelo do profissional, a baixa complexidade da causa e a inexistência de outros atos processuais, em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, ex vi do prescrito no art. 85, § 2º, do CPC. A parte devida pela ré deverá ser calculada apenas em relação ao capítulo "a" e "b". Deve o autor arcar com os honorários advocatícios do procurador do réu, também correspondendo a 10% (dez por cento), mas sobre o valor pleiteado a título de dano moral (parte em que o autor decaiu de sua pretensão); vedada, em qualquer hipótese, a compensação (CPC, art. 85, §§ 2º e 14).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignadas, ambas as partes apelaram.
Em suas razões recursais (Evento 58), a parte ré sustenta que o rol da ANS é taxativo em relação às coberturas contratuais e não referencial como alega a sentenciante. Suscita a ausência de cobertura para os medicamentos solicitados pelo consumidor, os quais, além de não previstos no rol de eventos e procedimentos da ANS, sequer são indicados para o uso na situação clínica do apelado (off-label). Subsidiariamente, aduz que o reembolso perseguido deve ser limitado aos valores que a operadora apelante despenderia caso os medicamentos fossem adquiridos pelo plano de saúde, valor este que deverá ser devidamente apurado em liquidação de sentença. Defende, ainda, a necessidade de adequação do valor dado à causa, eis que atualmente não retrata o "proveito econômico" obtido pela parte autora. Explica que as demandas que buscam o adimplemento contratual de plano de saúde não geram conteúdo econômico para os beneficiários. Diz que, por se tratar de obrigação de fazer, os custos com tratamentos médicos não englobam a condenação e, portanto, não podem servir de base para a fixação dos honorários advocatícios. Pondera que o valor adequado a ser atribuído à causa é de R$ 38.700,00 (trinta e oito mil e setecentos reais) (considerando o pedido de danos materiais e danos morais).
Por sua vez, o autor (Evento 76) requer seja retificado o valor atribuído ao dano material, visto que o juízo singular não observou a comprovação do gasto até o efetivo cumprimento da tutela de urgência pela apelada. Conta que, entre o interregno da concessão da tutela de urgência até a efetiva entrega do provimento pela apelada, o apelante assumiu parcela de despesa médica oriunda da negativa do plano de saúde no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de modo que tal quantia deve ser acrescentada à condenação imposta no dispositivo da sentença, passando o valor devido a ser R$ 13.700,00 (treze mil e setecentos reais). No mais, insiste que a negativa da ré em custear os medicamentos pleiteados causou-lhe danos morais, os quais devem ser indenizados no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Em contrarrazões (Eventos 81 e 82), as partes pugnam pelo desprovimento do recurso da adversa

VOTO


1. A relação existente entre as partes é de consumo. Isso porque elas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, estatuídos nos arts. e do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, devendo o presente caso, por essa razão, ser analisado sob a ótica da legislação consumerista.
Ada Pellegrini Grinover, citando Zelmo Denari, afirma que "a colocação de bens ou serviços no mercado de consumo a cargo dos fornecedores in genere suscita, em contrapartida, a relação de responsabilidade, decorrente do inadimplemento de obrigação contratual (responsabilidade contratual) ou da violação de direitos tutelados pela ordem jurídica de consumo (responsabilidade extracontratual) [...] Código pretende alcançar todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, vale dizer, todos aqueles que desenvolvem as atividades descritas no art. 3º do CDC" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 1997, 5ª ed., p. 138).
Nelson Nery Júnior, por sua vez, é categórico ao afirmar que "a relação jurídica de consumo se verifica entre o fornecedor e o consumidor, que dela são sujeitos. As partes devem, portanto, suportar os ônus e obrigações decorrentes do contrato de consumo, incluído entre elas o dever de indenizar" (op. cit., p. 410).
A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, aliás, é questão velha e bem pacificada na jurisprudência, tendo sido, inclusive, objeto de súmula no âmbito do STJ, in verbis: "[a]plica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde" (Enunciado n. 469).
De igual modo, aplicam-se à espécie as disposições previstas na Lei 9.656/98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Apesar da literalidade do art. 35-G dessa legislação ("[a]plicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei nº 8.078, de 1990"), a aplicação desses dois diplomas legais - CDC e Lei 9.656/98 - deve se dar, na verdade, de forma complementar, e não com a simples aplicação subsidiária do CDC, como bem observa Bruno Miragem:
[...] Essa redação, como bem aponta a doutrina especializada, não parece ser dogmaticamente correta. Não há se falar de aplicação subsidiária, senão complementar entre as duas lei. Em outros termos: O CDC não deve ser aplicado apenas quando a Lei 9.656/98 não disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as lei guardar coerência lógica, orientada pela finalidade de proteção do consumidor dos planos de assistência à saúde. (Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 422).

Na presente quaestio, a ré intenta a reforma da sentença que julgou procedentes em parte os pedidos formulados pelo autor, sustentando, em linhas gerais, a legalidade das disposições contratuais e da Lei n. 9.656/98, bem como a ausência de obrigatoriedade de cobertura ao tratamento indicado pelo médico no que ultrapassar a limitação imposta nas Condições Gerais do seguro.
Dos autos constata-se a imperiosidade do tratamento indicado para a moléstia de que padece o autor. Dos dizeres do médico oncologista que o acompanha, Dr. Antonio José Matsuda, extrai-se o seguinte (Evento 1, doc. 10):

Desta forma, considerando que a relação formalizada entre as partes é protegida pela lei consumerista, tem-se que a irresignação da ré não merece prosperar pois, conforme entendimento adotado por esta Egrégia Corte Catarinense de Justiça: "[...] embora seja lícito ao plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, não lhes é permitido estabelecer ou restringir o tipo de tratamento para a respectiva cura" (TJSC, Ap. Cív....

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