Acórdão Nº 5035023-27.2021.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 30-05-2023

Número do processo5035023-27.2021.8.24.0038
Data30 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5035023-27.2021.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: JAIRA MACIEL DA SILVEIRA (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO(A): FELIPE DOS PASSOS SILVA (OAB SC058547) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por JAIRA MACIEL DA SILVEIRA e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência (evento 20) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Pelo exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por JAIRA MACIEL DA SILVEIRA contra BANCO BMG S.A e, em consequência, i) declaro a ilegalidade da reserva de margem consignável no benefício previdenciário da parte autora; ii) condeno o réu à restituição dos valores debitados do benefício previdenciário da parte autora, quantia essa que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC-IBGE, a partir da data do desembolso, com incidência de juros moratórios desde a citação, mediante compensação, tudo a ser apurado em execução de sentença. Eventuais valores obtidos com o mútuo e passíveis de compensação deverão observar o mesmo índice de correção monetária, ou seja, o INCP-IBGE a partir da data do desembolso; iii) condeno a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 8 mil reais, valor este acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso (04/02/2017 - Evento 1, EXTR5); iv) determino que o banco requerido se abstenha de efetuar limitação à margem crédito da parte autora a título de reserva de margem de cartão de crédito (RMC), devendo comprovar nos autos, em 15 dias, o cancelamento da limitação acima citada, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada ao montante de R$ 25 mil. O termo inicial para incidência da multa será após o trânsito em julgado e deverá observar a súmula 410 do STJ.
Em virtude da sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser suportadas na proporção de 80% pelo réu e 20% pelo autor, arbitrando-se os honorários em 10% do valor atualizado da condenação, cabendo 80% desse montante ao procurador do autor e 20% ao procurador do banco réu. Todavia, deferidos os benefícios da gratuidade de justiça a parte autora, suspendo a exigibilidade das referidas verbas em relação a esta por cinco anos, conforme art. 98, § 3º do CPC.
Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, tendo em vista a sua simplicidade aliada à ausência de produção de provas em audiência (art. 85, § 2º, do CPC).
Publique-se. Registre-se. Intime-se. Transitada em julgado e mantida esta sentença em eventual sede recursal, cumpram-se eventuais providências pendentes e arquivem-se os autos.
Em suas razões recursais (evento 26), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Por sua vez, a autora (evento 30) requer a repetição na forma dobrada e majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 35 e 37).
Este é o relatório

VOTO


Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Observância ao art. 926 do Código de Processo Civil
A casa bancária pretende, "ab initio", o reconhecimento da legalidade do contrato ajustado entre os litigantes, suscitando a aplicação do art. 926 do Código Fux, sob argumento de que esta Corte de Justiça teria uniformizado a jurisprudência acerca da matéria quando do entendimento exarado pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais.
Nada obstante, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, decidiu que a questão em debate ("Validade ou não da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável") não seria unicamente de direito, "necessitando de exame fático para reconhecer, caso a caso, a invalidade do negócio", impedindo, assim, "a fixação de tese uniforme e vinculativa sobre todo o Estado".
Eis o teor da ementa:
DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE - ELEMENTO FÁTICO DECISIVO NO JULGAMENTO DA LIDE - QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO INOCORRENTE - REQUISITO INDISPENSÁVEL À ADMISSÃO DO IRDR INEXISTENTE - INCIDENTE INADMITIDO Demandando a questão controvertida juízo de valor sobre o comportamento do consumidor litigante, a matéria não envolve questão unicamente de direito, mas também de fato, a afastar a admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de um de seus indispensáveis requisitos de coexistência obrigatória. (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Monteiro Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. em 12/6/2019).
Sob esse prisma, percebe-se que restou inadmitido referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, razão pela qual não há amparo no pretenso pedido da apelante.
A esse respeito, já se manifestou este Órgão Fracionário:
APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO". CONTRATO DE EMPRÉSTIMO VIA CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINARES SUSCITADAS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. [...] PLEITO PARA UTILIZAÇÃO DE JULGAMENTO PARADIGMA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INVIABILIDADE. GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTA CORTE QUE INADMITIU O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS N. 0000507-54.2019.8.24.0000 SOBRE O MESMO TEMA TRATADO NESTE AUTOS EM VIRTUDE DA NECESSIDADE DE JUÍZO DE VALOR SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE, NÃO SENDO POSSÍVEL GENERALIZAR A VALIDADE OU INVALIDADE DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. PROEMIAL REJEITADA. [...] RECURSO DA CASA BANCÁRIA CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0310842-67.2017.8.24.0020, rel. Des. José Maurício Lisboa, j. em 27/8/2019) (sem grifos no original)
Logo, o requerimento merece inacolhimento.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de...

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