Acórdão Nº 5035203-77.2020.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 23-09-2021

Número do processo5035203-77.2020.8.24.0038
Data23 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5035203-77.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO

APELANTE: SALETE DA SILVA (AUTOR) APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, Salete da Silva ajuizou ação de "revisão de cláusulas contratuais, cumulada com cobrança de seguro de proteção financeira, repetição de indébito e pedido de tutela antecipada inaudita altera pars" em face de Banco Pan S.A., objetivando a revisão do contrato firmado entre as partes que estaria maculado por ilegalidades, tais como a capitalização de juros, a onerosidade excessiva nos juros remuneratórios estabelecidos, o vencimento antecipado da dívida em caso de inadimplência justificada sem a devolução de valores, a cobrança de taxas e tarifas ilegais e a cumulação da comissão de permanência com outros encargos moratórios (correção monetária, juros remuneratórios, juros de mora e multa). Requereu a antecipação de tutela para manter o bem financiado na sua posse e obstar que o credor inclua seu nome nos cadastros de restrição ao crédito enquanto não decidida definitivamente a lide, permitindo, ainda, o depósito incidental das parcelas vencidas e vincendas no valor que entende devido. Por fim, pugnou pela revisão do contrato para declarar a nulidade das cláusulas reconhecidas como abusivas, ordenar o recálculo, a devolução em dobro ou a compensação de eventual saldo devedor, a descaracterização da mora, além de pugnar pela concessão dos benefícios da justiça gratuita e inversão do ônus da prova.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido (Evento 4), mesma ocasião em que se concedeu à parte autora os benefícios da gratuidade judiciária.

Citado, o banco demandado apresentou contestação, acompanhada dos documentos (Evento 22).

A parte autora manifestou-se sobre a contestação (Evento 26).

Em seguida, o togado a quo julgou antecipadamente a lide, proferindo sentença nos seguintes termos (Evento 28):

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial e decreto extinto o feito com resolução de mérito, o que faço com fulcro no art. 487, I, do CPC.

Porque sucumbente, a parte autora arcará com as custas e despesas processuais, bem como com os honorários advocatícios, ora fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, §§ 2º e 6º), observada, no entanto, a gratuidade judicial concedida (CPC, art. 98, § 3º).

Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação (Evento 34) requerendo: a) preliminarmente, a nulidade da sentença, uma vez que o julgamento antecipado da lide teria resultado em cerceamento de defesa; b) a limitação dos juros remuneratórios a 0,99% ao mês; c) a vedação da prática de capitalização mensal de juros; d) o afastamento da cumulação da comissão de permanência com outros encargos moratórios; e) a declaração da ilegalidade e restituição da tarifa de análise de crédito (TAC) e tarifa de emissão de carnê (TEC); f) a declaração da ilegalidade da cláusula de vencimento antecipado; g) a condenação da instituição financeira a restituir em dobro os valores cobrados indevidamente da ora apelante; e h) a renovação da concessão dos benefícios da gratuidade judiciária em sede recursal.

Depois de apresentadas as contrarrazões pela instituição financeira (Evento 39), na qual questionou a concessão da justiça gratuita, o feito foi remetido a esta Corte.

VOTO

Gratuidade da Justiça

1 Inicialmente, pugnou a recorrente pela renovação da concessão da gratuidade da justiça para isenção do pagamento do preparo recursal, uma vez que "não tem condições de arcar com o pagamento das custas judiciárias".

Compulsando os autos, constata-se que o benefício pretendido foi deferido pelo juízo a quo (Evento 4) e, nos termos do art. 9º da Lei n. 1.060/1950, "os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias", de sorte que é desnecessário novo requerimento em grau recursal.

Ademais, o Código de Processo Civil prevê que a gratuidade da justiça compreende "os depósitos previstos em lei para interposição de recurso [...]" (art. 98, § 1º, VII).

Nesses termos, o recurso não é conhecido no ponto, por ausência de interesse recursal.

1.1 Em contrarrazões, o banco réu impugnou referido benefício por entender "totalmente incabível, eis que é inadmissível que um indivíduo que alega não ter condições de arcar com as custas processuais assuma um financiamento".

Razão não assiste ao recorrido.

Isso porque, a instituição financeira limitou sua argumentação às alegações, deixando de juntar aos autos documentos ou evidências que comprovem suas afirmações e que, por consequência, modifiquem a realidade que amparou a benesse concedida.

Dessa forma, não estando comprovada alteração patrimonial que justifique revogar o benefício à assistência judiciária gratuita, a mesma deve ser mantida.

Cerceamento de Defesa

2 A tese suscitada pela apelante de cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, há que ser afastada.

Defende a recorrente que a prova pericial e testemunhal seriam elementos importantes para fundamentar suas alegações, que no entanto, lhe foi tolhido.

No caso sob análise, a matéria discutida é exclusivamente de direito, tornando desnecessária a produção de prova pericial conforme requerido pela recorrente.

Prevê o art. 355, I, do CPC, que "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras prova".

A respeito do tema é o entendimento desta Câmara:

"Inexiste cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide se as provas carreadas aos autos são suficientes para o deslinde da quaestio" (TJSC, Apelação Cível n. 0300295-05.2017.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Monteiro Rocha, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 13-06-2019).

"Ademais, cumpre destacar que cabe ao magistrado verificar a conveniência da produção de provas necessárias para a instrução e julgamento da demanda, formando o seu livre convencimento com fundamento em todas as provas admitidas em direito material (arts. 370 e 371, CPC), de modo que não há cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide" (TJSC, Apelação Cível n. 0300120-45.2015.8.24.0019, de Concórdia, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 121-01-2020).

Desse modo, não merece guarida a alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

Juros Remuneratórios

3 Alega a recorrente que os juros remuneratórios previstos na avença são abusivos e que deveriam ser fixados em 12% ao ano.

É ponto pacífico que para se aferir a excessiva onerosidade dos juros remuneratórios pactuados, o parâmetro a ser adotado é a taxa média de mercado estabelecida pelo Banco Central do Brasil - BACEN.

Tal orientação está consolidada no enunciado 296 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado".

E sobre a limitação dos juros remuneratórios, a Súmula Vinculante 7 do Supremo Tribunal Federal colocou pá de cal sobre a questão, ao estabelecer que "a norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar".

Para complementar a questão, o Superior Tribunal de Justiça editou Súmula 382, prevendo que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".

Por fim, todos esses posicionamentos foram condensados em alguns enunciados do Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal de Justiça:

Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12 % (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.

Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Logo, para se verificar se os juros remuneratórios estipulados no contrato foram abusivos, necessário cotejá-los com a taxa média vigente à época da assinatura do contrato.

No caso em análise, verifica-se que se trata de contrato de financiamento para aquisição de veículo, firmado em fevereiro de 2019, no qual foram pactuados juros mensais de 2,11% e anual de 28,54% (Evento 22, Contrato 2).

Em consulta ao site do Banco Central do Brasil, ente governamental que presta informações sobre as operações de crédito praticadas no mercado financeiro (www.bacen.com.br), constata-se nas Tabelas 20749 e 25471 que, ao tempo da celebração do contrato, as...

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