Acórdão Nº 5035330-61.2022.8.24.0000 do Quarta Câmara de Direito Civil, 27-10-2022

Número do processo5035330-61.2022.8.24.0000
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5035330-61.2022.8.24.0000/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0319695-04.2017.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

AGRAVANTE: IVONEY FIAMONCINI AGRAVADO: RICARDO RIBEIRO

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Ivoney Fiamoncini, contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Blumenau que, nos autos da ação de exigir contas n. 0319695-04.2017.8.24.0008, julgou procedente a primeira fase para condenar o réu a apresentar "informações e todas as contas relativas à gestão do patrimônio do(s) de cujus (inclusive com apresentação de extratos bancários, contratos de gestão dos bens [alienação de bens e locação de imóvel, por exemplo], notas fiscais [se for o caso], etc.), sobre os bens descritos na peça inicial, referente ao período de 10 (dez) anos que antecederam o ajuizamento do feito" . Além, disso a decisão julgou improcedente a reconvenção proposta pelo réu (Evento 46, DESPADEC1).

Extrai-se do processo de origem, parte substancial dos fundamentos do decisum questionado:

1.4. Julgo o processo antecipadamente, porquanto contém substrato probatório suficiente para a formação do convencimento do juízo acerca da matéria, consoante art. 355, I, do CPC.

Notadamente, a controvérsia pode ser equacionada lidimamente mediante a análise do substrato documental coligido aos autos, de acordo com a legislação vigente e sem olvidar do debate intelectual deduzido nas peças processuais apresentadas pelas partes. Trata-se de tema preponderantemente de direito, que dispensa a produção de prova oral em audiência ou mesmo a realização de exame pericial, de modo a justificar o imediato ingresso no mérito da causa.

Constato a legitimidade ativa e passiva ad causam, haja vista que, segundo a teoria da asserção (prospettazione), as condições da ação devem ser apreciadas de acordo com as alegações abstratas deduzidas pela parte ativa na petição inicial, considerando as causas de pedir próxima e remota, independentemente de sua efetiva comprovação e do potencial de êxito dos pedidos.

Corroborando o exposto, o Superior Tribunal de Justiça orienta que "o exame das condições da ação, como a legitimidade ad causam, deve ser realizado de acordo com a Teoria da Asserção, isto é, à luz das afirmações do autor constantes na petição inicial, sem qualquer inferência sobre a veracidade das alegações ou a probabilidade de êxito da pretensão deduzida" (STJ, AgInt no REsp n. 1931519, Nancy Andrighi, 30.03.2021).

Esse entendimento está de acordo com o postulado da primazia do julgamento do mérito, haja vista que, havendo assertivas que implicam a imputação de consequência jurídica aos acionados, eles merecem permanecer no polo passivo para o fim de receber a tutela jurisdicional material, conforme a prova produzida (elementos de aproximação) e a interpretação direcionada do sistema jurídico (elementos de determinação).

Há interesse processual, haja vista que a parte acionante tem necessidade do provimento jurisdicional pleiteado para obter resultado útil, mediante via processual adequada, de modo a atestar a presença desta condição da ação em sua três facetas (necessidade/utilidade/adequação). Ademais, é desnecessário o prévio esgotamento das vias administrativas e/ou de mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos quando se vislumbra a pretensão resistida, nas searas administrativa ou processual, de forma direta, mediante indeferimento anterior ao ajuizamento e/ou apresentação de contestação, ou indireta, ante a constatação de reiteradas negativas em casos análogos.

Quanto à prescrição/decadência nas ações de prestação de contas, assevero ser aplicável somente o prazo de prescrição da pretensão de restituição de valores indevidos, estabelecido nos arts. 177 do CC/1916 (vintenário) ou 205 do CC/2002 (decenal), contado da data dos lançamentos indevidos até o dia do aforamento da ação.

Sobre o tema, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina orienta que "o direito exercido pelo manejo da ação de prescrição de contas tem natureza pessoal, sendo regido pelo prazo prescricional decenal (art. 205, CC2002) ou vintenário (Art. 177, CC1916), se o contrato que enseja a obrigação de prestar contas foi firmado sob a égide do código revogado" (TJSC, AC 2012.005084-4, Dinart Francisco Machado, 15.06.2012).

Vale expor que o caso concreto é atípico, porquanto a parte ativa fundamentou o pedido de exigir contas no fato de o réu ter sido inventariante em processo que se findou em 2004, mas argumentou que ele mantêm a gerência dos bens até os dias atuais.

Ao que tudo indica, os herdeiros partilharam, no inventário de Agnese, todos os bens dela e de seu marido (na época ainda vivo), resguardando o direito de usufruto vitalício ao meeiro, que veio a falecer em 2012, momento em que os herdeiros deram início à regularização/alienação dos bens do espólio.

A parte passiva, por sua vez, aduziu que, da data do formal de partilha (encerramento do feito de inventário - 2004) até o falecimento do meeiro, a gestão dos bens era exercida exclusivamente pelo falecido, que possuía a posse dos bens em razão do usufruto vitalício. E que, após seu falecimento, os herdeiros procederam os atos de gerência dos bens em conjunto.

Dito isso, em que pese o argumento de ingerência sobre os bens do espólio entre a homologação da partilha e a morte do meeiro (diante da posse deste mediante usufruto), entendo que o inventariante permaneceu responsável pelo patrimônio inventariado até que se cumprisse efetivamente o plano de partilha, o que só foi feito após o falecimento do pai dos litigantes, fato que se mostra incontroverso no feito.

Com efeito, no caso concreto, verifico que a pretensão de exigir contas não foi coberta integralmente pela prescrição, já que o requerido é responsável pelo espólio até os dias atuais.

Por outro lado, merece ser acolhida a tese defensiva de que a obrigação de exigir contas deve ser limitada até os 10 anos anteriores ao ajuizamento do feito, ante a incidência do prazo prescricional estabelecido pela legislação cível, nos termos do entendimento acima transcrito.

Passando-se para análise de mérito, assevero que o procedimento de ação de exigir contas possui duas fases: a primeira, que se destina a reconhecer a existência ou a inexistência do dever de prestar contas, investigando a relação jurídica das partes; e segunda que, por sua vez, busca declarar a existência do saldo devedor em favor da parte autora, constituindo a sentença condenatória em título executivo judicial (CPC, art. 552).

[...]

Na espécie, a ré, de fato, atua(ou) como inventariante dos bens deixados por Agnese Fiamoncini no processo de n. 0023239-64.2003.8.24.0008, daí o dever de prestar contas.

Repiso, ainda, que, apesar do argumento de ingerência sobre os bens do espólio entre a homologação da partilha e a morte do meeiro (diante da posse deste mediante usufruto), entendo que o inventariante permaneceu responsável pelo patrimônio inventariado até fosse cumprido efetivamente o plano de partilha, o que só foi feito após o falecimento do pai dos litigantes, fato que se mostra incontroverso no feito.

Ressalto que a aferição de legalidade dos atos de gestão da parte inventariante, ora réu, será analisada na segunda fase deste procedimento, cabendo, no momento, tão somente perquirir o dever de prestar contas, o qual, como visto, é inerente à função de inventariante, nos termos do artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil.

Especificamente quanto ao dever de informação sobre feito de usucapião que, supostamente, envolve bens do espólio, entendo, de fato, que tal incumbência recai sobre o inventariante, já que responsável pela gestão patrimonial dos bens deixados pelos falecidos, ainda que o autor tenha tido acesso aos autos referidos.

Ante o exposto, julgo procedente a primeira fase da presente ação de exigir contas para condenar a parte passiva a prestar informações e todas as contas relativas à gestão do patrimônio do(s) de cujus (inclusive com apresentação de extratos bancários, contratos de gestão dos bens [alienação de bens e locação de imóvel, por exemplo], notas fiscais [se for o caso], etc.), sobre os bens descritos na peça inicial, referente ao período de 10 (dez) anos que antecederam o ajuizamento do feito, tudo dentro do do prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as contas que a parte ativa apresentar/suplementar, nos termos do art. 550, § 5º, do CPC.

[...]

2. da reconvenção

[...]

Do exposto, fixo o valor da reconvenção em R$ 10.000,00, para que corresponda aproximadamente à importância econômica da demanda, consoante interpretação do art. 292, § 3º, do CPC (cf. STJ, AgRg no Ag 711517, Luís Felipe Salomão, 27.10.2009).

No mérito, relembro que a parte reconvinte almeja a fixação de remuneração pelo seu encargo de inventariante dos bens deixados pelos pais dos litigantes.

A parte reconvinda prezou pelo indeferimento do pedido, já que a administração dos bens decorre dos próprios atos de inventário.

Sobre o assunto, a fim de ser sucinto na fundamentação, faço constar ensinamento do do doutrinador Flávio Tartuce:

Por fim, quanto à confrontação dos dois preceitos, estabelece o parágrafo único do art. 617 do CPC/2015 que o inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de cinco dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar a 'função'. Neste ponto houve a substituição da palavra 'cargo' pelo termo destacado, o que vem em boa hora, pois a expressão anterior poderia dar a impressão de uma atuação remunerada, o que não ocorre no exercício da inventariança (art. 990, parágrafo único, do CPC/1973). (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 11ed. Rio de Janeiro, Forense. METODO, 2021, p. 1593).

Outrossim, apoiado pela doutrina, entendo pela improcedência do pleito reconvencional, já que a atividade de inventariante exercida por herdeiro não pressupõe direito de remuneração.

Do exposto, resolvo o mérito julgando improcedentes os pedidos deduzidos na petição reconvencional (arts....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT