Acórdão Nº 5035977-32.2022.8.24.0008 do Quarta Câmara Criminal, 02-02-2023

Número do processo5035977-32.2022.8.24.0008
Data02 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5035977-32.2022.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ EVERALDO SILVA


RECORRENTE: IVANILDO DA SILVA (RECORRENTE) ADVOGADO: AMARILDO PEREIRA (OAB SC026382) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Na comarca de Blumenau/SC, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Ivanildo da Silva, atribuindo-lhe as sanções do art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, porque, segundo descreve a exordial acusatória (evento 7):
Segundo apurado pelo inquérito policial, o denunciado IVANILDO e a vítima Luciano eram amigos de longa data, relação advinda em razão de ambos possuírem galpões comerciais situados em terrenos vizinhos.
No final do ano de 2016, IVANILDO estava passando por problemas conjugais, tanto que sua ex-esposa abandonou o lar conjugal, não suportando mais o ciúmes e as humilhações a ela impingidos ao longo de 20 anos de união.
E foi assim que, inconformado com o rompimento e procurando culpados para o fim da relação, IVANILDO passou a imaginar que a ex-esposa estivesse mantendo relacionamento afetivo com seu amigo Luciano, motivo pelo qual passou a planejar sua morte, monitorando os dias e horários em que ele se encontrava no galpão comercial, à época alugado para Valcir Bertolino, inquilino a quem a vítima estava auxiliando na montagem de uma latoaria.
E foi assim que no dia 2 de fevereiro de 2017, por volta das 16h30, na Rua Guilherme Poerner, n. 355, bairro Água Verde, nesta cidade e comarca de Blumenau/SC, ao perceber que Luciano e Valcir adentraram ao galpão onde estava funcionando a latoaria, IVANILDO se deslocou até o local munido de um revólver calibre .38, jogou um vela de cor branca na vítima e, de forma súbita e inesperada, desferiu um certeiro disparo de arma de fogo no peito de Luciano da Silva, o qual atravessou seu corpo, provocando ferimentos no pulmão que o levaram à morte ainda no local.
Consumado o crime, IVANILDO fugiu a bordo do Fiat/Strada, de cor branca e se dirigiu até a casa de seu primo Moacir Molinari, solicitando-lhe que o levasse até a localidade do Encano, oportunidade em que pulou fora do porta-malas do veículo e empreendeu fuga na mata, desfazendo-se da arma.
No caso, o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que o denunciado adentrou na latoaria onde Luciano da Silva estava auxiliando seu inquilino e, de inopino, lhe desferiu um disparo de arma de fogo no peito, estando a aproximadamente 1 (um) metro de distância, fato que ocasionou a morte da vítima no local. Ainda, a vítima não tinha motivos para esperar o ataque, eis que mantinha relações de amizade com o Réu e sequer suspeitava das infundadas suspeitas de traição que o Réu nutria por ele.
Ainda, tem-se que a conduta homicida ocorreu por motivo fútil, considerando que o denunciado planejou e matou Luciano porque imaginava que ele estava tendo relacionamento amoroso com sua ex-esposa Kelli Regina Lana, o que revela total desproporcionalidade entre a conduta e o motivo alegado como causa.
Encerrado o sumário da culpa, a magistrada a quo julgou admissível a denúncia para pronunciar Ivanildo da Silva como incurso nas sanções art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, submetendo-o ao Tribunal do Júri Popular, conforme previsto no art. 413 do CPP (evento 260).
Irresignado, o acusado interpôs recurso em sentido estrito (evento 269).
Em juízo de retratação, a decisão foi mantida pelos próprios fundamentos (evento 275).
Intimada, a defesa apresentou as razões do recurso voltadas ao reconhecimento da legítima defesa putativa e, via de consequência, a absolvição sumária do apelante, com base no art. 415, II, do CPP. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação para o delito previsto no art. 129, § 3º do Código Penal, qual seja, o de lesão corporal seguida de morte e, por fim, requereu o afastamento das qualificadoras do motivo fútil e do recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima, previstas no art. 121, § 2º, incs. II e IV, do Código Penal (evento 279).
Nas contrarrazões (evento 282164), o Ministério Público pugna pelo conhecimento e não provimento do inconformismo.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Coró Bedinoto, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9, nesta instância)

VOTO


Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Ivanildo da Silva, representado por procurador constituído (evento 42, Procuração 146), contra decisão de primeiro grau que o pronunciou pela prática, em tese, do delito de homicídio qualificado, submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri Popular, conforme previsto no art. 413 do Código de Processo Penal.
Como antecipado no relatório, busca a defesa, inicialmente, a absolvição sumária do réu, pela excludente de ilicitude da legítima defesa putativa, ao argumento de que "o Recorrente tinha reais motivos para acreditar que havia iminência de agressão injusta". Não sendo o entendimento, almeja a desclassificação da conduta para lesão corporal seguida de morte, por ausência de animus necandi. Finalmente, requer o afastamento das qualificadoras.
Cabe então trazer a literalidade do § 1º e no caput do art. 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Conforme se depreende da norma supracitada, no sumário da culpa, deve-se verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem a parte ré como autora da conduta descrita.
Não há, pois, juízo de valor absoluto quanto à autoria delitiva, caso contrário estaria se sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.
Sobre a temática, em julgamento realizado em 26-3-2019, a segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no Agravo em Recurso Extraordinário n. 1.067.392/CE, de relatoria do Exmo. Min. Gilmar Mendes, decidiu, por maioria, que a decisão de pronúncia não deve ser resolvida exclusivamente pelo brocardo in dubio pro societate, mas "a partir da teoria da prova no processo penal, em uma vertente cognitivista, a qual dispõe de critérios racionais para valoração da prova e standards probatórios a serem atendidos para legitimação da decisão judicial sobre fatos. É certo que, para a pronúncia, não se exige certeza além da dúvida razoável, diferentemente do que necessário para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado a julgamento pelo tribunal do júri pressupõe a existência de lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória, ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas, ainda assim, dependente da preponderância de provas incriminatórias" (STF, Informativo n. 935).
E a decisão prossegue asseverando que "se houver dúvida sobre a preponderância de provas, deve ser aplicado o in dubio pro reo: CF, art. 5º, LVII (5); Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8.2 (6); e CP arts. 413 e 414 (7). De todo modo, a adoção do sistema bifásico no procedimento do júri busca estabelecer um mecanismo de verificação dos fatos imputados criminalmente pela acusação".
Na hipótese em apreço, a materialidade restou demonstrada por meio do inquérito policial (evento 1), especialmente através do boletim de ocorrência (INQ 3-4), dos relatórios da polícia civil (INQ6-8), do auto de reconhecimento e entrega (INQ18), da comunicação de ocorrência policial da polícia militar (INQ19-21), dos exames periciais cadavérico (INQ48) e em local de morte violenta (INQ86-95) e no termo de apreensão (INQ98).
Os indícios de autoria e dolo do agente igualmente se mostram presentes, mormente a partir das provas orais produzidas.
Ao ser ouvida na delegacia, Daiana Maria Compiani, viúva da vítima, afirmou (evento 1, INQ 58-60):
"[...] QUE conhece IVANILDO DA SILVA "há mais ou menos 12 anos"; [...] O IVANILDO desde quando eu ainda namorava o LUCIANO, há cerca de 2 anoso IVANILDO e o LUCIANO sempre foram bastante amigos, até antes de eles possuírem galpões no local; [...] QUE conhece KELLI REGIANE LANA, esposa de IVANILDO "desde o ano de 2007 [...]"; QUE afirma "KELLI sempre foi uma pessoa muito reservada, [...]"; QUE LUCIANO nunca fez qualquer acordo comercial com IVANILDO; QUE LUCIANO nunca emprestou dinheiro para IVANILDO; [...] QUE afirma "no início de dezembro de 2016 o IVANILDO começou a apresentar um comportamento esquisito, arredio, "o LUCIANO me falou que ele o estava tratando friamente, e quando o LUCIANO perguntava o que estava acontecendo o IVANILDO só dizia que não tinha nada, que era para deixar quieto"; QUE a partir de meados de dezembro de 2016, IVANILDO passou constantemente, passar na frente do galpão de LUCIANO, sem eu [sic] veículo mas em velocidade bem reduzida, olhando fixamente para o galpão de LUCIANO; [...] QUE nunca houve qualquer desavença entre IVANILDO e LUCIANO, sendo que LUCIANO nunca suspeitou de que IVANILDO pudesse ter algum problema com ele; QUE LUCIANO nunca reclamou para a depoente sobre qualquer ameaça ou desconfiança que pudesse ter contra IVANILDO; QUE inclusive LUCIANO levou IVANILDO na Tenda de Caridade de SERGIO LUIS DA COSTA pois "o LUCIANO queria ajudar ele, ele via o amigo dele triste e queria ajudá-lo de alguma forma, mas pelo que eu sei o IVANILDO foi lá apenas essa vez, há uns dois ou três anos atrás"; QUE "o LUCIANO até me falou, na mesma semana dos fatos, que iria tentar levar o IVANILDO lá no SERGIO novamente para ver se ele melhorava, para ajudá-lo a superar o...

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