Acórdão Nº 5036286-14.2021.8.24.0000 do Segunda Câmara de Direito Público, 08-02-2022

Número do processo5036286-14.2021.8.24.0000
Data08 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5036286-14.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE CRICIÚMA/SC AGRAVADO: RENE VICENTE BEZ AGRAVADO: MARLIZA MARIA PERARO BEZ

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Criciúma contra a decisão que, na ação de desapropriação indireta proposta por René Vicente Bez e Marliza Maria Peraro Bez, em sede de liquidação de sentença, rejeitou o pedido de desistência da desapropriação.

Nas suas razões, alegou que no Agravo de Instrumento n.º 5027463-85.2020.8.24.0000 suscitou fato novo consubstanciado na superveniência da Lei Municipal n.º 7.844/21, que revogou a Lei Municipal n.º 5.207/08 instituidora do Parque Municipal Morro do Céu e ensejadora do apossamento fático-administrativo do imóvel dos autores, a qual restabeleceu os direitos de propriedade dos titulares dos terrenos lá situados.

Aduziu que a Segunda Câmara de Direito Público admitiu a possibilidade de desistência da desapropriação, porém não conheceu do fato novo por demandar instrução probatória com relação à possibilidade de retorno do imóvel apossado ao status quo ante.

Afirmou que suscitou a questão ao juízo de origem, contudo a desistência da desapropriação não foi admitida sob o fundamento de que esta solução importaria violação à coisa julgada.

Argumentou que "a coisa julgada, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, como garantia fundamental do cidadão, poderá ser relativizada, tratando-se de desapropriação, uma vez que as circunstâncias até então existentes tenham sofrido modificação, a ensejar a oposição ao disposto no mesmo art. 5º, agora no inciso XXIV, da Carta Constitucional, que trata sobre a 'justa indenização' nas ações desapropriatórias" (evento 1, doc. INIC1, fl. 11).

Enfatizou que "não se trata, aqui, de minimizar o espectro de proteção da segurança jurídica apenas por medidas de economia popular, mas, sim, em razão da predominância de outros princípios igualmente importantes. Trata-se da necessidade de não permitir o pagamento de valores indevidos, em face da responsabilidade financeira estatal" (evento 1, doc. INIC1, fl. 1).

Asseverou que "a desapropriação é ato discricionário da Administração Pública. Nesse sentido, tratando-se de ato administrativo, é de sua natureza a revogabilidade a qualquer tempo, desde que deixe de subsistir os motivos de conveniência e oportunidade para sua edição. Isso porque, o interesse público não é estático, mas volátil, podendo sofrer alterações com o decurso do tempo. Consequentemente, o Poder Público pode desistir da ação de desapropriação a partir da revogação do decreto expropriatório do bem, pois este ato demonstra que a aquisição do imóvel não mais atende ao interesse público. Cessada a razão de utilidade pública na utilização do bem, não pode a Administração ser compelida a desapropriá-lo. A desistência da ação de desapropriação consiste, assim, em direito potestativo do desapropriante" (evento 1, doc. INIC1, fl. 19).

Acrescentou que "a jurisprudência pacífica do STJ prevê limites ao direito de desistência da ação de desapropriação: (i) o pedido deve ser realizado antes do pagamento integral da quantia indenizatória; e (ii) que não haja substancial alteração do estado do imóvel expropriado, impossibilitando sua devolução no estado anterior. Contudo, caberá ao expropriado comprovar as alterações no bem e a impossibilidade de restituição no estado em que se encontrava, por se tratar de fato impeditivo do direito de desistência do autor [...]" (evento 1, doc. INIC1, fls. 19-20).

Altercou que "não existe diferenciação, no tocante à possibilidade de devolução dos imóveis aos proprietários, em caso de desistência da ocupação, por conveniência e oportunidade, pelo Poder Público, quanto à espécie de desapropriação, existindo decisões em processos de ambas naturezas, e sendo permitido ainda que posteriormente ao trânsito em julgado da demanda desapropriatória" (evento 1, doc. INIC1, fl. 20).

Ponderou que tanto o TJSC como o STJ têm julgados admitindo a desistência da desapropriação após o trânsito em julgado da sentença sem que isso caracterize afronta à coisa julgada.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 1).

O pedido de efeito ativo foi indeferido (evento 8).

René Vicente Bez e Marliza Maria Peraro Bez apresentaram contrarrazões (evento 14).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira, manifestou-se pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público no processo (evento 17).

O Município de Criciúma interpôs agravo interno contra a decisão indeferitória do efeito ativo (evento 19).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe provimento e não conhecer do agravo interno.

2. Originalmente, cuida-se de ação de desapropriação indireta proposta por René Vicente Bez e Marliza Maria Peraro Bez contra Município de Criciúma, sob o fundamento de que a criação do Parque Morro do Céu pela Lei Municipal n.º 5.207/08 importou o esvaziamento da função socioeconômica do imóvel e, assim, o desapossamento fático-administrativo dele.

O pedido foi julgado procedente e a sentença foi substancialmente mantida com o desprovimento das apelações cíveis e com o parcial provimento da remessa necessária.

O acórdão está assim ementado:

"ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO PELA MESMA PARTE. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. EXEGESE DO ART. 500 DO CPC.'O recurso adesivo é inadmissível pela parte que já interpusera apelo autônomo, ainda que não conhecido, ante a ocorrência de preclusão consumativa'. (STJ, Resp n. 739632/RS, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, 15.5.07).PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA PERICIAL QUE SE MOSTROU DESNECESSÁRIA. PERÍCIA CONCLUSIVA. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. TESE AFASTADA.'Não há falar em cerceamento de defesa quando o magistrado colhe dos autos elementos suficientes para formação do seu convencimento, de modo que cabe exclusivamente a ele decidir a necessidade de maior dilação probatória, ante o princípio da persuasão racional'. (TJSC, AC n. 2007.060967-2, rel. Des. Fernando Carioni, j. 19.2.08).INSURGÊNCIA QUANTO À ÉPOCA QUE DEVERÁ SER CONSIDERADA PARA O CÁLCULO DO VALOR DO BEM, SE DA AVALIAÇÃO OU DO APOSSAMENTO. CÁLCULO QUE DEVE SER REALIZADO CONSIDERANDO O MOMENTO DA AVALIAÇÃO NO MERCADO IMOBILIÁRIO, E NÃO A DATA DO APOSSAMENTO. EXEGESE DO ART. 26 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41.A justa indenização, no processo de desapropriação, deverá ser calculada de acordo com o art. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/41, que estabelece que o valor do ressarcimento deve ser aquele apurado à época da avaliação atual no mercado imobiliário.CRIAÇÃO DO PARQUE MUNICIPAL 'MORRO DO CÉU' NO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LIMITAÇÕES INSTITUÍDAS QUE CARACTERIZAM DESAPROPRIAÇÃO E NÃO MERA LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.'Editada lei que cria Parque Municipal, transformando em área de preservação ambiental todos os imóveis localizados na região, resta configurada a desapropriação, e não mera limitação administrativa, daí porque o proprietário tem direito à indenização do valor do bem, deduzidas as áreas que, por força do Código Florestal, já não podiam ser utilizadas'. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.039104-3, de Criciúma, rel. Des. Jaime Ramos, j. 12-07-2012).QUANTUM INDENIZATÓRIO. CÁLCULO POSTERGADO À LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DA PERÍCIA PARA EXCLUIR DO VALOR INDENIZATÓRIO AS ÁREAS QUE JÁ ERAM CONSIDERADAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL PELO ANTIGO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 4.771/1965). SENTENÇA MANTIDA NO PONTO.'Na ação de desapropriação...

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