Acórdão Nº 5036539-36.2020.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 12-11-2020

Número do processo5036539-36.2020.8.24.0000
Data12 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Habeas Corpus Criminal Nº 5036539-36.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER


PACIENTE/IMPETRANTE: ISOLETE PEREIRA (Paciente do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: MARCELO OLIVEIRA DA SILVA (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Içara


RELATÓRIO


Trata-se de habeas corpus impetrado pelo advogado Marcelo Oliveira da Silva em favor de Isolete Pereira, presa e denunciada pela apontada prática do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Em síntese, sustentou o impetrante que a paciente vem sofrendo constrangimento ilegal por parte da Juíza de Direito em exercício no plantão criminal da comarca de Içara, que converteu em preventiva a sua prisão em flagrante, pois não indicou fato concreto apto a justificar a medida extrema, bem como não estão presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Argumentou que é primária, ostenta bons antecedentes, sempre trabalhou de forma lícita e encontra-se recebendo auxílio previdenciário em razão de problemas de saúde (HIV, tuberculose, depressão, entre outras doenças), possui residência fixa no distrito da culpa e nunca foi investigada.
Salientou que as denúncias referem-se ao seu filho, o qual residia em sua casa, e não há nos autos qualquer prova de que o auxiliava na comercialização de estupefacientes.
Asseverou que não há indícios de que possa causar risco à ordem social ou tenha a intenção de se furtar à aplicação da lei penal, podendo ser localizada a qualquer momento para a prática dos atos processuais, tampouco de que obstaculizará a busca da verdade real.
Afirmou que o pronunciamento atacado não elenca as circunstâncias impeditivas à aplicação de medidas cautelares alternativas.
Ponderou, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 104.339, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei de Drogas, que vedava a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes.
Pugnou, pois, por provimento liminar, para que fosse revogado o comando constritivo.
Recebida a pretensão por este magistrado, o pleito antecipatório restou indeferido.
Após a prestação das informações solicitadas à autoridade acoimada de coatora, remeteu-se o feito à douta Procuradoria-Geral de Justiça, a qual, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Paulo Antônio Günther, opinou pelo parcial conhecimento do mandamus e denegação da ordem.
É o relatório

VOTO


De início, importa consignar que o habeas corpus constitui-se em remédio constitucional destinado exclusivamente à aferição da legalidade ou não do ato tido por coator, permanecendo fora do raio de seu objeto qualquer discussão a respeito do mérito da causa.
Outrossim, sabe-se que deverá ser concedida a respectiva ordem sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (Constituição Federal, art. 5º, LXVIII).
Na espécie, o mandamus preenche, de fato, apenas em parte os seus requisitos de admissibilidade, de maneira que deve ser conhecido unicamente na correlata extensão.
Isso porque não há interesse de agir do impetrante quanto à tese de que "[...] o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no Habeas Corpus n. 104339 (Decisão em 11/05/2011), declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes" (sic, fls. 8 do evento 1.1), porquanto, consoante bem pontuado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, "[...] tal dispositivo legal não foi, em momento algum, invocado para justificar a necessidade da segregação cautelar de Isolete [...]" (sic, fls. 2 do evento 13).
Essa impropriedade caracteriza a inépcia da petição inicial neste ponto, cuja consequência consiste no seu parcial indeferimento, nos moldes do art. 330, III, do CPC, cuja aplicação por analogia é autorizada a teor do art. 3º do CPP, in verbis:
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:[...]III - o autor carecer de interesse processual;
Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Acerca do tema, colhe-se da doutrina o ensinamento de Sérgio Bermudes:
15. Interesse processual - A prestação jurisdicional precisa ser útil, isto é, repercutir eficazmente no grupo social, compondo o conflito. Faltará utilidade à função jurisdicional, se ela se exercer desnecessariamente, sem que haja lide a prevenir ou a remediar. A necessidade de quem propõe a ação é requisito essencial da prolação da sentença de mérito. Não se concebe que o credor, que já recebeu o crédito, vá reclamá-lo em juízo, não importa o motivo (v.?., não se lembrou do pagamento; quer submeter o devedor a incômodos e vexames). A prestação jurisdicional, no exemplo, seria inútil porque desnecessária (Introdução ao processo civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 43).
É nesse sentido, portanto, que dispõe o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Art. 232. O habeas corpus não será conhecido quando se tratar de reiteração, quando cessar o aventado constrangimento ilegal no curso do processo ou nas outras hipóteses previstas em lei.
Logo, não é de ser conhecido o writ neste aspecto.
Posto isso, é certo que a legitimidade da prisão preventiva depende da configuração de algum dos requisitos do art. 313 do Código de Processo Penal, de maneira cumulada com as condições autorizadoras do respectivo art. 312, quais sejam: os pressupostos da prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria, consistentes no fumus comissi delicti, e os fundamentos da imprescindibilidade de salvaguarda da ordem pública ou econômica, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal, com a evidência do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, o que perfaz o periculum libertatis.
Em que pese a argumentação tecida pelo impetrante, razão não lhe assiste.
Infere-se dos autos que a paciente foi presa em flagrante juntamente com seu filho Gabriel Pereira da Silva - e posteriormente denunciados - pela apontada prática do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, porquanto, no dia dez de outubro passado, por volta da meia noite, teriam guardado e mantido em depósito na residência em que habitavam substâncias análogas a crack e a maconha, rádios comunicadores e uma balança de precisão, tudo o que ocorria, em tese, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Diante de tais notícias, o ato foi homologado e convertido em prisão preventiva pela Togada a quo sob os bem lançados fundamentos:
2. O auto de prisão em flagrante obedeceu às formalidades constitucionais e processuais (arts. 301 a 310 do CPP).Sobre o procedimento, verifico que a Autoridade Policial ouviu condutor e testemunha, procedendo ao interrogatório dos conduzidos, sendo assegurado o direito constitucional ao silêncio, a assistência de advogado e a possibilidade de comunicar a prisão à pessoa de seu interesse, sendo-lhe entregue, ainda, a nota de culpa.Antes do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, houve a comunicação da prisão em flagrante a este Juízo.No que tange à flagrância, observa-se que os flagrados, no momento da prisão, encontravam-se na posse de substância entorpecente e petrechos de narcotraficância.Pelo exposto, HOMOLOGO o auto de prisão em flagrante.3. Passo a analisar a necessidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva ou a possibilidade de concessão de liberdade provisória (art. 310, II e III, CPP).Como é sabido, a partir das modificações operadas pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) no art. 311 do Código de Processo Penal, as quais prestigiaram o sistema acusatório, a decretação da prisão preventiva depende de provocação do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou de representação da autoridade policial, não podendo ser realizada de ofício pelo juiz.Vejamos:
"Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial." (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Sobre a alteração legislativa, Rogério Sanches Cunha leciona:
"A redação original do art. 311 permitia que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício, quer durante as investigações, quer no processo criminal. [...]...

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