Acórdão Nº 5037601-77.2021.8.24.0000 do Grupo de Câmaras de Direito Público, 22-09-2021

Número do processo5037601-77.2021.8.24.0000
Data22 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoGrupo de Câmaras de Direito Público
Classe processualAção Rescisória (Grupo Público)
Tipo de documentoAcórdão
Ação Rescisória (Grupo Público) Nº 5037601-77.2021.8.24.0000/

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

AUTOR: ANDRE LEONARDO FURTADO RÉU: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

André Leonardo Furtado, representado por Ileonilda de Fátima Furtado, ajuizou ação rescisória contra o Estado de Santa Catarina objetivando desconstituir o capítulo referente à correção monetária da decisão monocrática prolatada nos autos n. 0300147-68.2014.8.24.0017, da 1ª Câmara de Direito Público.

Disse que a decisão fixou a TR como índice de atualização monetária e que transitou em julgado antes da inconstitucionalidade reconhecida pelo STF no RE 870.947 - Tema 810 e na ADI 5348, havendo manifesta violação à norma jurídica que autoriza o pleito rescisório, com fundamento nos arts. 535, § 8º e 966, V, do CPC, para que seja aplicado o IPCA-E (Evento 1).

Foi deferida a gratuidade (Evento 3).

Citado, o réu apresentou contestação invocando a aplicação da Súmula 343 do STF e requerendo a improcedência do pedido, uma vez que o capítulo referente à correção monetária não foi objeto de insurgência na origem e o art. 535, § 8º, do CPC aplica-se para a Fazenda Pública, mas não para as partes em geral (Evento 11).

Houve réplica (Evento 14).

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela procedência da demanda (Evento 17).

É o relatório.

VOTO



Este Grupo de Câmaras de Direito Público vinha admitindo o cabimento da ação rescisória em casos como o presente, tendo, inclusive, editado enunciado sobre o tema:

Enunciado XXVII - Se a decisão exequenda transitou em julgado em momento anterior à publicação da decisão que declarou inconstitucional o art. 5º da Lei n. 11.960/09 para correção monetária (Tema n. 810 do STF), ocorrida em 20.11.17, é preciso respeitar a coisa julgada já operada (Tema n. 905 do STJ), sendo possível a sua alteração somente por recurso próprio ou ação rescisória, no prazo do § 8º do art. 535 do CPC/15.

Após amplo debate na sessão do último dia 25/08/2021, entretanto, decidimos por alinhar o entendimento desta Corte ao do STJ, que atualmente reconhece a impossibilidade de rescisão nessa hipótese, com fundamento na Súmula 343 e no Tema 136 do STF, haja vista a profunda controvérsia jurisprudencial que pendia a respeito da utilização da TR como índice de correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública à época da formação da coisa julgada.

O acórdão paradigma restou assim ementado:

AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE RESCINDIR ACÓRDÃO QUE FIXOU O ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NA FORMA DA LEI N. 11.960/2009.

PEDIDO FUNDADO NO ART. 966, V, DO CPC/15. INADEQUAÇÃO. RESCISÃO BASEADA NA INTERPRETAÇÃO DA NORMA DADA PELO STF APÓS DA CONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA. PRETENSÃO QUE ENCONTRA AMPARO NO ART. 525, § 15, OU O ART. 535, § 8º, AMBOS DO CPC/15. EQUÍVOCO NA INDICAÇÃO DO FUNDAMENTO LEGAL QUE NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DA AÇÃO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO 'DA MIHI FACTUM, DABO TIBI IUS'. PRECEDENTES DO STF.

Se a desarmonia entre a decisão e o entendimento do Supremo Tribunal Federal vier a ocorrer depois da coisa julgada, aí a ação rescisória não terá fundamento no inciso V do art. 966 do CPC. Isso porque, nesse caso, quando fora proferida a decisão, não existia ainda pronunciamento do STF. Logo, não houve manifesta violação a norma jurídica. O órgão julgador não contrariou entendimento do Supremo Tribunal Federal, inexistente à época da decisão. Na hipótese de o Supremo Tribunal Federal vir a proferir decisão contrária após o trânsito em julgado da decisão rescindenda, a rescisória terá por fundamento o § 15 do art. 525 ou o § 8º do art. 535 do CPC" (Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha. Curso de Direito Processual Civil. Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Volume 3. 13ª ed., Editora JusPodivm, 2016, págs. 497/498).

"O julgador tem liberdade para fazer as classificações jurídicas dos fatos que lhe são apresentados conforme o direito aplicável ao caso concreto. Incidem na espécie os brocardos latinos iura novit curia e da mihi factum, dado tibi ius, admitidos pela legislação processual. Portanto, a referência errônea a dispositivo legal revogado pelo novel Código de Processo Civil não macula a Ação Rescisória" (STJ, REsp. n. 1.822.029/PE, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 26.11.2019).

FUNDAMENTO PARA O AJUIZAMENTO DA RESCISÓRIA PREVISTA NO § 8º DO ART. 535 DO CPC/15. DECISÃO PROFERIDA PELO STF QUE ATRIBUIU A INTERPRETAÇÃO À LEI N. 11.960/09. RATIO DECIDENDI FORMADA NO JULGAMENTO DO RE N. 870.947 ('LEADING CASE'), POR MEIO DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE, QUE REPRESENTOU A PACIFICAÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE A TEMÁTICA ENVOLVIDA (OBJETO DO TEMA 810 DO STF).

A possibilidade da rescisória prevista no art. 535, § 8º, do CPC/15 surge a partir da "decisão proferida" pelo Supremo. A existência de uma 'decisão' é a exigência prevista na lei processual para permitir o seu ajuizamento, ou seja, é o pressuposto desta espécie de rescisória.

Segundo o STJ, "somente com o julgamento do Tema 810/STF (RE 870.947) é que a questão acerca da aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, sobre as condenações judiciais contra a Fazenda Pública foi pacificada (DJe 17/11/2017)" (REsp n. 1910511, rel. Min. Herman Benjamin, j. 11.02.2021).

LIMITAÇÃO AO CABIMENTO DA RESCISÓRIA. MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS À ÉPOCA DA FORMAÇÃO DA COISA JULGADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 343 ALIADA À TESE FIRMADA NO TEMA N. 136, AMBOS DO STF. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO NA RESCISÓRIA.

O STF reafirmou recentemente que "1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que 'não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais'. Súmula 343/STF. 2. A controvérsia dos autos enseja a aplicação do Tema 136 da sistemática da repercussão geral no sentido de que 'O Verbete n º 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma'. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (ARE n. 978852 AgR, rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 24.08.2020 - grifou-se).

O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar ações rescisórias idênticas, tem adotado o entendimento de que "(...) 2. À época do julgado rescindendo, havia divergência de entendimentos nos tribunais quanto ao índice oficial de correção monetária. A adoção de uma dentre as interpretações possíveis não é suficiente para justificar a procedência da ação rescisória. 3. Incide à situação em análise o disposto no enunciado n. 343 da Súmula do STF a qual dispõe que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais'. 4. A aplicabilidade da Súmula 343 do STF foi ratificada pelo Pretório Excelso, no RE 590.809/RS, inclusive quando a controvérsia de entendimentos basear-se na aplicação de norma constitucional. Precedente" (AgInt no REsp n. 1905862/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 07.06.2021).

AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE.

(TJSC, Ação Rescisória n. 5009004-69.2019.8.24.0000, rel. Francisco Oliveira Neto, Grupo de Câmaras de Direito Público j. 25/08/2021 - grifos no original).

Do inteiro teor do voto do Des. Francisco Oliveira Neto, extraio os seguintes argumentos, que adoto como razão de decidir para não incidir em desnecessária tautologia:

3. Da ação rescisória:

3.1. Do fundamento do pedido rescisório:

A rescisória foi ajuizada com o intuito de desconstituir decisão de mérito que "violar manifestamente norma jurídica" (art. 966, V, do CPC/15).

Segundo a doutrina, o CPC/15 alterou a 'violação literal a lei' prevista no art. 473, V, do CPC/73, substituindo o "termo 'lei' pelo termo 'norma jurídica'". A "a norma jurídica violada pode ser de qualquer natureza, desde que seja uma norma geral", a concluir que a rescisória "serve, enfim, para corrigir um error in procedendo ou um error in judicando", que viole o ordenamento jurídico (Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha - 16. ed. reform. Salvador : Ed. JusPodivum, 2019, v. 3, págs. 591 e 596, respectivamente).

Prosseguindo, os autores dissertam: "Quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso". No entanto, "a mudança revela uma alteração de parâmetro ou de paradigma, mas não houve uma modificação da 'natureza' do inciso V, apenas da sua abrangência" (obra citada, pág. 597, respectivamente - grifou-se).

Entretanto, "a hipótese de cabimento da ação rescisória prevista no inciso V do art. 966 do CPC não se confunde com a prevista no § 15 do art. 525 e no § 8º do art. 535 do mesmo diploma legal. Os pressupostos e a contagem do prazo para exercício do direito à rescisão são diversos. Se o órgão jurisdicional decide contrariamente a entendimento já firmado pelo STF, será possível ao executado, no posterior cumprimento de sentença, apresentar impugnação para invocar a inexibilidade do título (art. 525, § 12, e art. 535, § 5º, do CPC). (...) A impugnação não visa desfazer ou rescindir a decisão sob cumprimento; destina-se apenas a reconhecer sua ineficácia, sua inexigibilidade, impedindo que se prossiga com o cumprimento da sentença. Para desfazer ou rescindir a decisão, é preciso ajuizar a ação rescisória. Em tal hipótese, a rescisória terá por fundamento o inciso V do art. 966, pois terá havido manifesta violação a norma jurídica: o órgão julgador decidiu contrariando a norma construída pelo STF ao interpretar o correspondente texto ou enunciado constitucional. (...). Se, porém, a...

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